segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O cenário político e o "golpômetro"


Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:



A política brasileira deveria inaugurar urgentemente um golpômetro, então eu dou a partida e passo, a partir de agora, a fazer um, com periodicidade semanal.

É um índice de larga abrangência, de 1 a 20, porque precisaremos de muitos nuances. O número 1 corresponde a risco zero de golpe. Número 20, golpe certo.

Nesta segunda-feira, diríamos que o golpômetro subiu dois pontos em relação à semana passada, em função de fatores sobre os quais irei discorrer abaixo, e bateu a marca de 12 pontos, com viés de alta de mais um ponto para o resto da semana.

O ser humano é tão incrível que já estamos nos acostumamos até mesmo com essa situação, esse caminhar à beira do abismo.

Nas últimas semanas, algumas coisas ficaram mais claras. A estratégia da oposição não foi, exatamente, desistir do golpe, e sim empurrá-lo para mais adiante, quando o processo de manipulação da opinião pública estiver mais avançado.

A superexposição do "ministro" Gilmar Mendes (TSE e STF), fazendo com ele apareça, junto à mídia, como único ministro do STF e único ministro do STE, revela que Mendes se tornou, efetivamente, o grande líder do golpe.

Imaginar que ele será o próximo presidente do STF, a partir de setembro de 2016, não oferece perspectivas muito felizes ao longo da segunda metade do mandato de Dilma.

A entrevista que Gilmar deu ontem ao Correio Braziliense mostra um quadro político inteiramente voltado a serviço da derrubada do governo. E ele não esconde isso.

Na entrevista, Mendes deita falação e pré-julgamentos, sem o menor pudor, sobre fatos que a corte irá julgar. E age muito mais como um político do que como um magistrado, rompendo todos os códigos de ética criados para que juízes não interferissem no jogo político.

Num ponto da entrevista, o repórter pergunta a Mendes: "Não dá para dizer então que a presidente não sabia?"

Mendes, malandro, dá um drible verbal: "Não vou emitir juízo sobre isso. Agora, a mim me parece que é difícil qualquer pessoa que estava em posição de responsabilidade dizer que desconhecia essas práticas. "

Ou seja, diz que não vai emitir juízo e, em seguida, emite.

A entrevista é inteiramente repleta de joguinhos assim, mas é interessante porque nos fornece, em detalhes, o roteiro do golpe, que precisará ser embalado numa fôrma legal.

Para isso, é preciso antes aprofundar a narrativa de que haveria, como diz o ministro, um "método de governança" ancorado na corrupção, e numa "concepção ideológica, de que Estado e partido se confundem".

A teoria é bem doida. Segundo ela, bancos, empreiteiras, diversas grandes companhias brasileiras, todas teriam dado apoio ao PT em sua busca pela instalação do maoísmo comuno-petista no Brasil.

Lula, o grande mentor desse plano macabro, teria tido financiamento (ele mesmo abriu os dados, após a quebra de seu sigilo bancário) de Microsoft, Odebrecht, dezenas de grandes empresas, todas elas interessadas em apoiar o sinistro projeto petista de poder.

Entretanto, depois do que fizeram no mensalão, em que transformaram a Visanet em empresa pública e condenaram Pizzolato por um desvio que não ocorreu, e que, se tivesse ocorrido, não teria sido ele o responsável, está claro que terão agora muito mais elementos para brincar de montar narrativas.

Desmontar essas farsas não seria tão difícil, tivesse o governo instrumentos para se comunicar diretamente com o povo. Mas os poucos que o governo tinha, como o Café com a Presidenta, foram deliberadamente abandonados.

Gilmar ainda aproveita a entrevista para ofender blogs críticos à sua atuação com acusações levianas e, até mesmo criminosas, no limite da injúria e da difamação. Para autoritários como Gilmar, deveria existir apenas essa imprensa cartelizada, que agora lhe incensa, que abafa escândalos, apenas essa mídia herdeira da ditadura e da privataria.

Sou contra a judicialização da política e do debate político, mas Nassif está de parabéns por processá-lo, pela simples razão de que foi Gilmar quem processou Nassif primeiro.

Outro fator a elevar a instabilidade política é o aprofundamento da crise econômica. Hoje, segunda-feira, o boletim Focus do Banco Central, que apura semanalmente as expectativas do mercado para a economia, estimou uma queda de 2,26% no PIB deste ano. É uma queda enorme para uma economia do nosso tamanho. Se confirmada, será a maior que tivemos em bastante tempo.

Para 2016, espera-se nova queda no PIB, de 0,4%.

É óbvio que a instabilidade política dessa vez explodiu como bomba no colo da economia brasileira. Além disso, o ajuste fiscal foi feito com muita brutalidade. Aumento de juros, cortes de gastos, tudo feito de maneira brusca, sem a sensibilidade necessária para que não resultassem em redução da atividade econômica e, portanto, queda na arrecadação, neutralizando o próprio objetivo do ajuste.

A Lava Jato, que ingenuamente achamos ter chegado a uma etapa declinante há algumas semanas, ganhou corpo de maneira extraordinária. Seus procuradores, o juiz Sergio Moro, Gilmar Mendes, além da mídia, retomaram os trabalhos de imagem junto à opinião pública. Diferente do governo, esses agentes da oposição dão importância à comunicação e ao simbolismo das coisas. O Ministério Público brandiu uma suposta "devolução" de 1 ou 2 bilhões de reais aos cofres públicos, número abstrato mas encorpado, para galvanizar a operação com uma tinta generosa, deixando de lado a própria realidade econômica, que mostra um país em forte recessão dentre outras razões justamente pela maneira como a operação foi conduzida.

Nos anos que sucederam a II Guerra, as grandes empresas europeias que haviam apoiado o nazismo, não foram destruídas por nenhuma campanha moralista, mas salvas com dinheiro público. Algumas foram incorporadas ao Estado, como a Renault francesa, para que não houvesse desemprego. Bush fez a mesma coisa com a General Motors: estatizou-a. Aqui no Brasil, fez-se campanha aberta para destruir as principais empresas brasileiras de engenharia e construção civil, e agora se fala que devolverão R$ 2 bilhões, como se isso pagasse o prejuízo para o Estado de termos empresas, que pagavam bilhões de reais, todos os anos, na forma de impostos, além da geração de empregos, fechando as portas e falindo.

Esta semana, a novela da Lava Jato terá como personagem principal o ex-deputado Pedro Correa, que decidiu aceitar acordo de delação premiada. Político astuto e conservador, não será surpresa se Correa fizer o jogo manjado da Lava Jato. O destino feliz dos delatores que entraram no jogo (Barusco, o corrupto mais antigo e mais intenso de todos, já está curtindo praia em liberdade) dos procuradores e Sergio Moro já delineou para todos os réus o caminho a ser seguido: ajudar a montar o quebra-cabeça já previamente elaborado pela acusação. Os procuradores e Moro conseguiram convencer vários réus a colaborarem: ainda veremos as delações de Marcelo Odebrecht, Nestor Cerveró e Fernando Baiano.

A pontuação do golpômetro ainda pode subir um bocado antes de voltar a baixar.

O script disso tudo está sendo muito bem preparado.

Em Minas Gerais, o governador Pimentel entra na mesma máquina de moer reputações que corrói o PT em toda parte. A PF tucana está mordendo seu pé, tentando criar uma Lava Jato mineira para lhe derrubar. O fato de Pimentel possuir um longo rabo de "consultorias" milionárias, cobradas de sindicatos patronais, não lhe ajuda muito.

Até o momento, tudo indica que Pimentel enfrentará essas acusações ao "estilo Dilma", ou seja, usará a tática de apanhar calado, de maneira que o esforço dos movimentos sociais de criar, em Minas, um núcleo nacional de resistência contra a escalada conservadora e golpista, encontrará dificuldades.

Por fim, temos um PT e governo ainda em curto-circuito político. A ideia de recriar a CPMF durou poucos dias, e apenas serviu para ilustrar a desorganização política de ambos.

O PT continua preocupado demais em oferecer algum tipo de proposta à sua militância. Falar em CPMF, sem antes fazer uma trabalho de esclarecimento sobre a questão tributária no país, é evidentemente estupidez. A mesma coisa vale para o imposto de grandes fortunas.

Um auditor fiscal de Minas, blogueiro, e leitor do Cafezinho, que estuda há anos a questão do tributo sobre as heranças, publicou um artigo, com gráficos, que mostra como a nossa opinião pública é mal informada, e como o governo e o PT são incompetentes ao tratar de qualquer questão tributária sem antes trazer comparativos entre países.

Até a década de 70, EUA e Inglaterra financiaram suas estruturas sociais com alíquotas máximas altíssimas sobre o imposto de herança, de 80% a 90% do total! Hoje baixaram essas alíquotas máximas para 40%. Mesmo assim, observa-se que o Brasil possui as menores alíquotas máximas tributárias no mundo.


Não se pode, em plena crise econômica, falar impunemente de aumento de impostos. É preciso antes reduzir a evasão fiscal, simplificar e racionalizar os processos de pagamento, reduzir para os pequenos, para os empreendedores, para a classe média, e aumentá-los, após inteligente campanha de esclarecimento, para os setores sociais mais ricos.

A cultura da sonegação, por sua vez, deve ser combatida com inteligência, não com truculência judicial, não com criminalização do empreendedorismo, mas com reformas que simplifiquem o pagamento de tributos, descentralizem as cobranças, e prometam maior eficiência e transparência no uso dos recursos.

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