segunda-feira, 25 de julho de 2016

Frei Betto e sua ode à literatura


Pedro de Oliveira *

Por incrível que possa parecer assisti em Brasília na última terça-feira (19), uma palestra de lançamento de um livro de Frei Betto na qual o escritor não mencionou uma única vez o nome ou o tema de sua obra. 


Ao cabo do evento, quando todos e todas aplaudiram o autor, o mestre de cerimônias questionou se ele não iria dizer algumas palavras sobre o livro...ao que ele respondeu prontamente que sim, diria algo sobre "Fidel e a Religião", reeditado com atualizações necessárias, segundo o autor, para os jovens que não viveram as turbulências do Século XX. Foi então que contou como o livro foi gerado. 

Frei Betto explicou que o livro foi fruto de mais de 23 horas de entrevistas gravadas em meados de 1980, ao longo de vários dias. Começou com um pedido do escritor ao líder cubano por uma oportunidade de entrevistá-lo. Ficou sabendo, então, que havia entrado numa fila de mais de 3 mil pedidos de entrevistas dos 4 cantos do mundo. Mas num encontro com Fidel, Frei Betto foi perguntado sobre o que mesmo ele queria conversar e começou a ler as 46 perguntas anotadas em seu caderno que havia pensado em apresentar ao então chefe de Estado de Cuba quase dez anos antes da débàcle do Socialismo na União Soviética e no Leste europeu. Ao ouvir a quinta pergunta Fidel concordou em recebê-lo no dia seguinte para iniciar a sequência das entrevistas.

Betto considerou que o fato de ter elaborado questões absolutamente ligadas à vida real de Fidel em sua formação tenha feito a diferença para furar aquela fila interminável de perguntadores. Editado o livro, foi publicado em 32 países e vertido para 20 línguas. Só em Cuba, na primeira edição, foram publicados 30 mil exemplares. Depois verificou-se que havia muita demanda reprimida e resolveram rodar mais 300 mil cópias. Hoje já são 1 milhão e trezentos mil os livros vendidos com o mesmo título somente na Ilha. Para o autor, o que fez a obra ter tanta repercussão foi que pela primeira vez um líder de um país comunista havia tratado a religião de um ponto de vista positivo. Frei Betto relatou que tanto Fidel quanto seu irmão Raul Castro, atual chefe do governo cubano, foram formados em escolas jesuítas. Ao que fez com que Raúl brincasse com ele Frei Betto dizendo que certamente assistira mais missas do que ele na vida.

Após o sucesso da primeira edição, Betto contou que foi convidado para fazer inúmeras palestras em muitos países, em tempos bicudos, especialmente na Europa do Leste, onde o chamado "socialismo real" era questionado em suas bases. O autor acredita que não havia mais tempo para corrigir uma série de erros que se cometera em nome do socialismo e foi o que se viu com a queda do Muro de Berlim em 1989. É bom lembrar que em 2015 quando o Papa Francisco visitou Cuba, esteve com Fidel em sua casa em Havana e foi presenteado pelo dono da casa com uma edição do livro "Fidel e a Religião" do escritor brasileiro.

Mas o leitor poderia perguntar nesta altura: o que foi que Frei Betto disse em sua apresentação de lançamento do livro na Feira do Livro de Brasília? Na verdade, o escritor partiu em sua palestra da temática oficial da 32a. edição da Feira do Livro de Brasília deste ano: "Meu Mestre, Meu Livro". Disse ele que está sendo debatida no Senado Federal uma proposta de lei, assinada pelo senador Magno Malta, denominada de "Escola sem Partido", na qual ele quer anular a liberdade pedagógica no ensino ao proibir o debate político nas escolas. Betto reafirmou em sua palestra a necessidade de desenvolver a consciência crítica dos alunos, para formar cidadãos e não apenas consumidores. No dia seguinte a esta palestra, falando sobre o mesmo assunto, Leonardo Boff diria que esta proposta exige que os alunos não tenham cabeça para ser aplicada...

Segundo Betto a escola é sim um meio de formação ideológica, para o bem ou para o mal, pois nem o anjo Gabriel, disse ele, estava isento de ideologia. Conceituou que ideologia é o óculos atrás dos olhos com os quais enxergamos a realidade. lembrou também que o sistema capitalista aprendeu com a Igreja -- que forma seus seguidores desde criança, com o batismo, a catequese e a primeira comunhão. Chamou Walt Disney de um grande catequista do que é o capitalismo -- criando esteriótipos como o Tio Patinhas, campeão da usura, e Pato Donald que não conseguia dar conta de seus três sobrinhos e nem podia contar namorar com Margarida, sempre tentada por Gastão, seu primo rico. Betto lembrou também de Tarzan, desenho animado pela Disney, um herói viril, violento, racista contra os negros africanos incivilizados.

A TV é uma poderosa escola de formação de consciências, disse Frei Betto, mas que forma consumidores para comprar as mercadorias que divulga em seus anúncios. No início 80% das programações das emissoras de TV aberta eram dedicadas à cultura. Hoje, completou Betto, estes mesmos 80% são dedicados ao que se denomina de entretenimento, recheado de anúncios. Esse processo contínuo de mercantilização da educação necessita matar a literatura, vaticinou Betto em sua crítica. No Brasil nos últimos treze anos, não houve a preocupação com a formação da consciência, especialmente daqueles que foram "incluídos" no mercado de consumo de massas. Precisamos voltar a valorizar os movimentos sociais, construir uma escola verdadeiramente crítica e eleger representantes do povo confiáveis nas próximas eleições deste ano, concluiu Frei Betto.
* Jornalista e assessor da presidência do PCdoB

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