“Bolsonaro é uma contradição”, diz a economista Leda Paulani. O motivo está no fato de o candidato do PSL ser alguém de origem militar, mas que abriu mão de pautas em defesa da soberania e do desenvolvimento nacional para agradar o mercado. Ao aproximar-se do guru Paulo Guedes, ele abraça o liberalismo econômico, mas ignora valores liberais, como respeito à individualidade e às crenças. “Juntou o pior dos dois mundos”, resume. Uma combinação que o financismo não rejeita, ao contrário.
Por Joana Rozowykwiat
“Eu não tenho nenhuma dúvida de que agora todo o setor financeiro vai cair de boca no Bolsonaro”, aposta Leda, que é professora da USP.
Até não muito tempo atrás, Jair Bolsonaro era um opositor, por exemplo, das privatizações. No Congresso, votou contra o Plano Real e a reforma da Previdência na década de 1990. Em algum momento antes de começar a campanha, no entanto, percebeu que precisaria ajustar seu discurso, se quisesse ter o apoio do tal “mercado”.
“Ele tinha uma ideologia do Brasil potente, que vinha dos militares, e por isso era mal visto pelos liberais. Mas aí alguém avisou a ele que era preciso colocar junto dele um cara liberal. E aí entrou o Paulo Guedes, com o seu programa. E os liberais de fato, por sua vez, procuravam alguém com um perfil autoritário. Juntou a fome com a vontade de comer”, analisa a economista, em entrevista ao Vermelho.
Responsável pela guinada de Bolsonaro na economia, Guedes é um dos fundadores do banco BTG Pactual e também do Instituto Millenium, o mais influente laboratório de disseminação do credo liberal no país, com o qual, segundo Leda, “andaremos alguns séculos para trás rapidamente”.
Todo poder ao mercado
Para Leda, Bolsonaro assimilou o liberalismo naquilo que ele tem de pior. “Porque o liberalismo tem alguma coisa de bom, enquanto filosofia. Nasceu lá nos séculos 16, 17 e tinha essa coisa do respeito à individualidade, às crenças, aceitar as religiões – até porque nasceu junto com a coisa da reforma luterana. Então, como filosofia, tem algo de bonito, que mexe com valores humanos, como liberdade, respeito ao outro. Mas esse lado Bolsonaro jogou fora”, aponta.
O liberalismo que interessa ao candidato do PSL – e também ao financismo – é o liberalismo econômico, ela acrescenta. “E esse a gente pode reduzir numa frase, que é ‘todo poder ao mercado’. Isso é colocar a população toda à mercê dos humores do mercado e do poder do dinheiro: quem tem dinheiro pode tudo, quem não tem dinheiro não pode nada.”
A professora da USP afirma que o sistema capitalista é assimétrico, concentra riqueza e renda e, “para os liberais, tem que deixar assim mesmo, porque qualquer intervenção do Estado no mercado seria ruim por princípio. Então é a parte pior do liberalismo, e é o liberalismo econômico exacerbado, que temos agora nesse período da história capitalista, que é o neoliberalismo”.
Nacionalismo fascista
Leda também critica o “nacionalismo de direita” do postulante. “Ele tem aquele nacionalismo de direita, que acaba chegando no fascismo, fora todas as outras questões, da moral, da mulher. É claramente um candidato fascista, que já foi um dia um nacionalista de direita extremo”, classificou.
Leda cita que, pela tradição militar, Bolsonaro poderia apoiar uma política de desenvolver a indústria nacional, algo implementado pelos generais durante a ditadura. “Foi sob um regime autoritário, mas eles terminaram um projeto que era do governo de Getúlio Vargas. O segundo Programa Nacional de Desenvolvimento, feito pelo Geisel, construiu toda uma indústria de base dentro do país, que não existia. Mas aí vieram 20 anos de liberalismo e isso tudo foi levado embora”, diz.
A postura de Bolsonaro quanto ao desenvolvimento, contudo, vai no sentido oposto da implementada pelos militares de outrora. “Do lado do nacionalismo, ele ficou só com o nacionalismo fascista, xenofóbico”, critica Leda, que se descreve como uma internacionalista. Para ela, as barreiras nacionais nem deveriam existir. Mas, compreendendo que o mundo não é assim e que há uma relação assimétrica entre as nações, ela defende que o Estado nacional precisa agir em defesa de seu povo e de sua soberania, o tipo de nacionalismo que Bolsonaro deixa de lado.
“Você tem nações muito poderosas e outras sem poder algum. Isso posto, cada nação tem o direito de construir minimamente a sua soberania, de proteger sua população, seu povo. O Estado nacional tem que ter essa prerrogativa, sem xenofobia, numa política como a que Celso Amorim defendia: uma política ativa e altiva. Porque um país como o Brasil, com o tamanho que tem, as riquezas que possui, tem que baixar a cabeça para todos os grandes interesses?”, questiona, em referência à política entreguista em curso no país.
De acordo com a professora, é preciso “ter um pouco de nacionalismo, mas um nacionalismo junto com a democracia, que vá no sentido de desenvolver os seres humanos, realizar as pessoas. Não um nacionalismo que descambe para o fascismo, a xenofobia e o reino do arbítrio”.
Elite sem pudor
Sobre a forma como os adeptos do livre-mercado encaram esse posicionamento de Bolsonaro, ela indica que alguns “mais conscientes” têm receio desse lado autoritário do candidato. “Mas o liberal do mercado financeiro não está nem aí para esse aspecto. Para esse, se não dá para ser o Geraldo Alckmin o presidente, vamos de Bolsonaro. Eles não têm nenhum pudor”, condena.
Leda é firme na queixa sobre as elites brasileiras. “Se tivessem um pingo de vergonha na cara, o país não era tão desigual quanto é. Toda vez que se tenta fazer alguma coisa para se diminuir minimamente essa desigualdade brutal, vem golpe, rasgam a Constituição e destroem a democracia.”
Ela diz que, ingenuamente, acreditava que, no último período, a democracia brasileira estava garantida. Mas aí veio o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff, depois de tentativas de solapar os governos de Lula. Para ela, por trás das investidas contra o PT, além de um pesado preconceito de classe, houve o desejo de retomar a agenda neoliberal.
“A elite tolerou o governo Lula, mas nunca aceitou Lula como presidente, pela figura dele, o metalúrgico, trabalhador, iletrado”, defende. A ofensiva contra a gestão do petista não vingou e ele terminou o mandato com mais de 80% de aprovação, conseguindo eleger a sucessora. Em 2014, contudo, os tucanos achavam que iam voltar ao governo, o que não aconteceu pelo voto popular.
“Quem de fato tinha interesse no golpe era os que queriam parar a Lava Jato e os tucanos, que queriam voltar ao poder para retomar o programa liberal. (...) Se a elite tivesse algum apreço pela democracia, pelas instituições, ao invés de derrubar um governo como o do PT, iam tentar prolongar, para seguir na direção de reduzir as desigualdades”, avalia.
Finanças contra a democracia
Crítica da política econômica das gestões petistas, por entender não foram feitas mudanças estruturais, Leda reconhece que os programas sociais fizeram a diferença na vida das pessoas. “Eu achava que dava para fazer mais, mas ainda assim, apesar de não terem feito nenhuma revolução, apenas reduzido um pouco a desigualdade, veio o golpe”, afirma.
Na sua avaliação, qualquer elite “que fosse um pouco menos estúpida” compreenderia a importância de reduzir as desigualdades e estimularia ações nesse sentido. “O país está sempre sentado em cima de uma panela de pressão. As cidades vão ficando cada vez mais desiguais, a população vai crescendo, as carências vão aumentando em termos absolutos, e aí você vai gerando todo esse caos que temos hoje no país, com questões relacionadas ao tráfico, a organizações do tipo PCC, a milícias, violência urbana crescente. E aí você tem espaço para uma criatura como Bolsonaro”, associa.
Leda menciona que agrava esse caos o fato de as instituições estarem em frangalhos. “Que instituições respeitáveis temos hoje no país? Nenhuma. Você destruiu a credibilidade do Legislativo, com as denúncias de corrupção; do Executivo, porque o governo é ilegítimo; e do Judiciário.”
E qual o interesse do “mercado” nessa situação? “Hoje, o que acontece é que esse capitalismo tocado pelas finanças não precisa da democracia. Essa que é a verdade. Ele não está assentado na necessidade de uma desigualdade de renda menor, por exemplo, que faça a produção crescer. Ele está assentado em cima de direitos, em cima de capital fictício. Então ele vai numa direção em que não só tem nenhum compromisso com a democracia, como não precisa ter”, responde.
De acordo com a economista, apesar de ter preferência pela eleição de Alckmin ao Planalto, à medida que o tucano não cresceu nas pesquisas, o financismo não tem problemas em migrar seu apoio. “Ok, tá bom, a gente queria brincar de que éramos democráticos, mas, se não deu, vamos de Bolsonaro mesmo”, disse, concordando que democracia pode, afinal, atrapalhar a consolidação de medidas neoliberais impopulares, como a reforma da Previdência.
Desfecho
Nesse cenário, Leda não descarta que, caso o candidato do PT passe para o segundo turno com chances de vencer, os donos do dinheiro podem agir para impedir que o partido volte ao poder.
“Acho que eles farão alguma coisa, algum tapete eles vão puxar. Porque não faz sentido fazer toda essa lambança do golpe para depois entregar o governo de volta para o PT. De novo? Não, não. Então acho que vem alguma coisa por aí ou antes da eleição ou depois, depende de como as coisas vão caminhar”, encerrou, pessimista.
“Eu não tenho nenhuma dúvida de que agora todo o setor financeiro vai cair de boca no Bolsonaro”, aposta Leda, que é professora da USP.
Até não muito tempo atrás, Jair Bolsonaro era um opositor, por exemplo, das privatizações. No Congresso, votou contra o Plano Real e a reforma da Previdência na década de 1990. Em algum momento antes de começar a campanha, no entanto, percebeu que precisaria ajustar seu discurso, se quisesse ter o apoio do tal “mercado”.
“Ele tinha uma ideologia do Brasil potente, que vinha dos militares, e por isso era mal visto pelos liberais. Mas aí alguém avisou a ele que era preciso colocar junto dele um cara liberal. E aí entrou o Paulo Guedes, com o seu programa. E os liberais de fato, por sua vez, procuravam alguém com um perfil autoritário. Juntou a fome com a vontade de comer”, analisa a economista, em entrevista ao Vermelho.
Responsável pela guinada de Bolsonaro na economia, Guedes é um dos fundadores do banco BTG Pactual e também do Instituto Millenium, o mais influente laboratório de disseminação do credo liberal no país, com o qual, segundo Leda, “andaremos alguns séculos para trás rapidamente”.
Todo poder ao mercado
Para Leda, Bolsonaro assimilou o liberalismo naquilo que ele tem de pior. “Porque o liberalismo tem alguma coisa de bom, enquanto filosofia. Nasceu lá nos séculos 16, 17 e tinha essa coisa do respeito à individualidade, às crenças, aceitar as religiões – até porque nasceu junto com a coisa da reforma luterana. Então, como filosofia, tem algo de bonito, que mexe com valores humanos, como liberdade, respeito ao outro. Mas esse lado Bolsonaro jogou fora”, aponta.
O liberalismo que interessa ao candidato do PSL – e também ao financismo – é o liberalismo econômico, ela acrescenta. “E esse a gente pode reduzir numa frase, que é ‘todo poder ao mercado’. Isso é colocar a população toda à mercê dos humores do mercado e do poder do dinheiro: quem tem dinheiro pode tudo, quem não tem dinheiro não pode nada.”
A professora da USP afirma que o sistema capitalista é assimétrico, concentra riqueza e renda e, “para os liberais, tem que deixar assim mesmo, porque qualquer intervenção do Estado no mercado seria ruim por princípio. Então é a parte pior do liberalismo, e é o liberalismo econômico exacerbado, que temos agora nesse período da história capitalista, que é o neoliberalismo”.
Nacionalismo fascista
Leda também critica o “nacionalismo de direita” do postulante. “Ele tem aquele nacionalismo de direita, que acaba chegando no fascismo, fora todas as outras questões, da moral, da mulher. É claramente um candidato fascista, que já foi um dia um nacionalista de direita extremo”, classificou.
Leda cita que, pela tradição militar, Bolsonaro poderia apoiar uma política de desenvolver a indústria nacional, algo implementado pelos generais durante a ditadura. “Foi sob um regime autoritário, mas eles terminaram um projeto que era do governo de Getúlio Vargas. O segundo Programa Nacional de Desenvolvimento, feito pelo Geisel, construiu toda uma indústria de base dentro do país, que não existia. Mas aí vieram 20 anos de liberalismo e isso tudo foi levado embora”, diz.
A postura de Bolsonaro quanto ao desenvolvimento, contudo, vai no sentido oposto da implementada pelos militares de outrora. “Do lado do nacionalismo, ele ficou só com o nacionalismo fascista, xenofóbico”, critica Leda, que se descreve como uma internacionalista. Para ela, as barreiras nacionais nem deveriam existir. Mas, compreendendo que o mundo não é assim e que há uma relação assimétrica entre as nações, ela defende que o Estado nacional precisa agir em defesa de seu povo e de sua soberania, o tipo de nacionalismo que Bolsonaro deixa de lado.
“Você tem nações muito poderosas e outras sem poder algum. Isso posto, cada nação tem o direito de construir minimamente a sua soberania, de proteger sua população, seu povo. O Estado nacional tem que ter essa prerrogativa, sem xenofobia, numa política como a que Celso Amorim defendia: uma política ativa e altiva. Porque um país como o Brasil, com o tamanho que tem, as riquezas que possui, tem que baixar a cabeça para todos os grandes interesses?”, questiona, em referência à política entreguista em curso no país.
De acordo com a professora, é preciso “ter um pouco de nacionalismo, mas um nacionalismo junto com a democracia, que vá no sentido de desenvolver os seres humanos, realizar as pessoas. Não um nacionalismo que descambe para o fascismo, a xenofobia e o reino do arbítrio”.
Elite sem pudor
Sobre a forma como os adeptos do livre-mercado encaram esse posicionamento de Bolsonaro, ela indica que alguns “mais conscientes” têm receio desse lado autoritário do candidato. “Mas o liberal do mercado financeiro não está nem aí para esse aspecto. Para esse, se não dá para ser o Geraldo Alckmin o presidente, vamos de Bolsonaro. Eles não têm nenhum pudor”, condena.
Leda é firme na queixa sobre as elites brasileiras. “Se tivessem um pingo de vergonha na cara, o país não era tão desigual quanto é. Toda vez que se tenta fazer alguma coisa para se diminuir minimamente essa desigualdade brutal, vem golpe, rasgam a Constituição e destroem a democracia.”
Ela diz que, ingenuamente, acreditava que, no último período, a democracia brasileira estava garantida. Mas aí veio o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff, depois de tentativas de solapar os governos de Lula. Para ela, por trás das investidas contra o PT, além de um pesado preconceito de classe, houve o desejo de retomar a agenda neoliberal.
“A elite tolerou o governo Lula, mas nunca aceitou Lula como presidente, pela figura dele, o metalúrgico, trabalhador, iletrado”, defende. A ofensiva contra a gestão do petista não vingou e ele terminou o mandato com mais de 80% de aprovação, conseguindo eleger a sucessora. Em 2014, contudo, os tucanos achavam que iam voltar ao governo, o que não aconteceu pelo voto popular.
“Quem de fato tinha interesse no golpe era os que queriam parar a Lava Jato e os tucanos, que queriam voltar ao poder para retomar o programa liberal. (...) Se a elite tivesse algum apreço pela democracia, pelas instituições, ao invés de derrubar um governo como o do PT, iam tentar prolongar, para seguir na direção de reduzir as desigualdades”, avalia.
Finanças contra a democracia
Crítica da política econômica das gestões petistas, por entender não foram feitas mudanças estruturais, Leda reconhece que os programas sociais fizeram a diferença na vida das pessoas. “Eu achava que dava para fazer mais, mas ainda assim, apesar de não terem feito nenhuma revolução, apenas reduzido um pouco a desigualdade, veio o golpe”, afirma.
Na sua avaliação, qualquer elite “que fosse um pouco menos estúpida” compreenderia a importância de reduzir as desigualdades e estimularia ações nesse sentido. “O país está sempre sentado em cima de uma panela de pressão. As cidades vão ficando cada vez mais desiguais, a população vai crescendo, as carências vão aumentando em termos absolutos, e aí você vai gerando todo esse caos que temos hoje no país, com questões relacionadas ao tráfico, a organizações do tipo PCC, a milícias, violência urbana crescente. E aí você tem espaço para uma criatura como Bolsonaro”, associa.
Leda menciona que agrava esse caos o fato de as instituições estarem em frangalhos. “Que instituições respeitáveis temos hoje no país? Nenhuma. Você destruiu a credibilidade do Legislativo, com as denúncias de corrupção; do Executivo, porque o governo é ilegítimo; e do Judiciário.”
E qual o interesse do “mercado” nessa situação? “Hoje, o que acontece é que esse capitalismo tocado pelas finanças não precisa da democracia. Essa que é a verdade. Ele não está assentado na necessidade de uma desigualdade de renda menor, por exemplo, que faça a produção crescer. Ele está assentado em cima de direitos, em cima de capital fictício. Então ele vai numa direção em que não só tem nenhum compromisso com a democracia, como não precisa ter”, responde.
De acordo com a economista, apesar de ter preferência pela eleição de Alckmin ao Planalto, à medida que o tucano não cresceu nas pesquisas, o financismo não tem problemas em migrar seu apoio. “Ok, tá bom, a gente queria brincar de que éramos democráticos, mas, se não deu, vamos de Bolsonaro mesmo”, disse, concordando que democracia pode, afinal, atrapalhar a consolidação de medidas neoliberais impopulares, como a reforma da Previdência.
Desfecho
Nesse cenário, Leda não descarta que, caso o candidato do PT passe para o segundo turno com chances de vencer, os donos do dinheiro podem agir para impedir que o partido volte ao poder.
“Acho que eles farão alguma coisa, algum tapete eles vão puxar. Porque não faz sentido fazer toda essa lambança do golpe para depois entregar o governo de volta para o PT. De novo? Não, não. Então acho que vem alguma coisa por aí ou antes da eleição ou depois, depende de como as coisas vão caminhar”, encerrou, pessimista.
Do Portal Vermelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário