quinta-feira, 14 de junho de 2018

Eleições no México e na Colômbia desafiam a tormenta conservadora


No fim deste mês e início de julho, Colômbia e México elegerão seus novos presidentes. Há décadas ambos os países são governados por conservadores alinhados a Washington. Agora, a história pode mudar: as forças populares emplacaram seu candidato no segundo turno das eleições colombianas e lideram com folga no México.

Ilustração: Tainan Rocha
  
Em meio à ofensiva conservadora que atravessa o continente, essas eleições evidenciam o falso “consenso” neoliberal imposto e podem reverberar ainda mais ao sul, onde os fracassos de Temer e Macri mostram que quando se atira o povo porta afora dos palácios de governo, ele volta pelas janelas. No Brasil e na Argentina, as promessas da direita mostram seu caráter falacioso e deixam exposta sua natureza anti-popular e entreguista. Conduzindo um governo rejeitado pela imensa maioria do povo, Temer se arrasta enquanto Macri devolve a Argentina ao FMI (não à toa, é bastante aplaudido nos pequenos círculos que os países ricos abrem para os governos que se sujeitam).

No verbete “Certeza” do Dicionário Filosófico, Voltaire lembra que muitos já estiveram certos quanto ao movimento do sol em torno da Terra, e completa: “tinham certeza, e no entanto estavam errados”. A certeza liberal em suas receitas esta levando Brasil e Argentina a mais pobreza, vulnerabilidade, entrega do patrimônio de seus povos, perda de autonomia e, consequentemente, desarticulação dos poderes do Estado. Eles podem ter suas certezas, mas estão errados. 

Nesse cenário, a onda conservadora manterá seu vigor? Os resultados das eleições no México e na Colômbia poderão ser mais uma demonstração do fracasso das políticas conservadoras como também do abismo que há entre seu receituário e as demandas populares.

No México, a direita se apresenta às urnas com dois candidatos, ambos distante da primeira colocação nas pesquisas. O indicado pelo atual governo e favorito de Washington é José Antonio Meade, que conduz uma campanha suja contra o segundo, Ricardo Anaya Cortés. Como no México não há segundo turno, Meade precisa desesperadamente dos votos hoje direcionados a Anaya para impedir uma histórica vitória das forças populares. Tendo que bater tanto à direita como à esquerda, os grupos que sustentam o atual governo (inclusive desde os EUA) estão emparedados. O candidato popular e antineolibral, López Obrador, é o favorito e tem ampliado sua vantagem.

Sabe-se que quando se trata de possível vitória da esquerda no México, tudo pode acontecer para impedi-la. Uma fraude estrondosa levou à presidência Carlos Salinas de Gortari, barrando a chegada de Cuauhtémoc Cárdenas. No poder, Salinas capitaneou a entrada do México no NAFTA, com todas as consequências desastrosas que sobrevieram. Enquanto o México começava a afundar na desregulamentação, aumento da pobreza, perda de soberania e incapacidade do estado para lidar com as organizações criminosas que controlam porções enormes do território do país, Salinas recebia prêmios nos EUA e era apontado como “homem do ano” pela revista Time. Hoje, com tudo caminhando para uma vitória histórica do campo popular, as “honrarias” vindas do norte tendem a permanecer engavetadas. 

Na Colômbia, por sua vez, um segundo turno histórico terá um candidato de esquerda. No próximo dia 17, o ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro do M-19, Gustavo Petro, enfrentará Ivan Duque, o candidato da direita vinculada ao ex-presidente Álvaro Uribe. É bom lembrar que o uribismo foi e é uma base de apoio firme à política de Washington para a América do Sul. Os recursos destinados ao combate ao narcotráfico serviram para alicerçar a presença militar dos EUA na região em um contexto no qual governos progressistas impulsionam a integração latino-americana. O movimento de cerco foi então completado com a reativação da IV Frota da Marinha norte-americana no Atlântico Sul: uma ameaça nada sutil. Uribe, e agora Duque, são os capatazes que executam esse tipo de intervenção na região.

Além da diferença programática que separa o projeto popular do conservador, também estará em questão o apoio ao acordo de paz celebrado entre o governo colombiano e as FARC, em novembro de 2016. Petro é defensor do acordo e Duque, embora diga hoje que não é bem assim, representa os contrários à paz. Afinal, também é bom lembrar, a paz não é um bom negócio para Washington.

Apesar de difícil, a vitória de Petro não é impossível. Ele terá que disputar com Duque os votos dados aos candidatos do centro político, além de dialogar com a quase metade dos eleitores que não compareceu às urnas no primeiro turno. Há espaço para a vitória, mas a força da máquina governamental e do uribismo (com seus apoiadores de dentro e de fora) não pode ser negligenciada. De todo modo, a presença de uma candidatura popular nesse segundo turno é, por si só, uma gigantesca vitória política.

A Venezuela, que em maio reelegeu Nicolás Maduro, é personagem nas duas campanhas eleitorais: a direta aposta na difusão do medo de uma “venezuelização”. O legado de Hugo Chávez ainda assusta os oligarcas do continente. Não à toa, já que, sem meias palavras, mesmo economicamente cercada, submetida a sanções e ameaçada militarmente, a Venezuela segue de pé. O New York Times já escreveu, em editorial, um “manual” para derrubar Maduro. Na semana passada, a Foreign Policy, importante revista norte-americana, publicou artigo defendendo abertamente que os EUA e “aliados” apelem para que a Força Armada Nacional venezuelana dê um golpe de estado e destitua o governo eleito. A vitória do campo progressista em países chave como o México e a Colômbia é um claro óbice para essa orientação.

Também está presente nas duas campanhas a defesa de uma política externa que volte-se preferencialmente para a América Latina. Ora, sempre que alguém fala em unidade latino-americana, os EUA sacam suas armas. Mas quando se fala em unidade nessa região específica da América Latina, a preocupação de Washington é ainda maior. 

México, Colômbia e Venezuela - como Cuba - se localizam em uma área “mediterrânea” que os estrategistas norte-americanos, desde Nicholas Spykman, definem como vital para a manutenção do poder de seu país. Trata-se de uma porção do continente que vai do extremo sul do território dos EUA até a Floresta Amazônica, abarcando as Antilhas. Essa região foi, desde o século XIX, alvo da expansão militarista norte-americana a ponto de chamarem o Caribe, ecoando os romanos antigos, de “Mare Nostrum” (“Nosso Mar”). Ou, nas palavras escritas por Spykman na década de 1940, ali as “chaves pertencem aos Estados Unidos”. É possível conceber o tamanho do desafio que as forças populares lançam contra essa concepção nas eleições que se aproximam. 

Defender a integração da América Latina já incomoda (para usar uma palavra leve) a estratégia norte-americana de construção e manutenção da hegemonia no hesmisfério. Fazê-lo desde os pontos centrais da região que essa estratégia define como vital para seu projeto deve provocar reações fortes. Aliás, isso não vem nem de hoje e nem dos anos 40. Quando Bolívar concebeu uma liga de Estados hispano-americanos incluindo o Caribe, a reação dos EUA inaugurou um padrão. Os observadores que seriam enviados ao Congresso que, no Panamá, em 1826, celebrou o Tratado de União, tinham instruções precisas para atuar contra qualquer iniciativa nesse sentido. Uma união dessa natureza seria uma barreira no caminho que Washington já projetava trilhar para se apossar de territórios hispano-americanos. Isso foi verdade na primeira metade do século XIX e é verdade ainda hoje.

As forças conservadoras, apoiadas em Washington, lutarão de todas as formas para derrotar as candidaturas populares, do mesmo modo que lutam incessantemente para golpear a Venezuela e que atuaram para golpear o Brasil e manter um ar de prestígio para o fracasso de Macri, na Argentina. Uma vitória dos candidatos da esquerda no México ou na Colômbia provocará um terremoto político e também geopolítico na região. Reações contrárias certamente virão na mesma proporção do desafio, mas já não será possível camuflar o descrédito e a contestação das políticas ultraliberais que nos foram impostas.

 *Alexandre Ganan de Brites Figueiredo é advogado, bacharel em História, doutor em Integração da América Latina pelo PROLAM (Program de pós-graduação em Integração da América Latina) da Universidade de São Paulo (USP) e colaborador do Portal Vermelho.
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