No Brasil, marcado por transições lentas, graduais e seguras, podemos assistir a um retrocesso civilizacional (lento, gradual e seguro).
Por Elias Jabbour, especial para o Portal Vermelho*
A transformação do neoliberalismo em política definitiva de Estado não é algo inédito na história. O exemplo chileno onde a participação do Estado na economia é proibitiva sob forma de lei é quase clássico. Por lá um golpe militar permitiu, na base da força, a construção rápida de uma ordem institucional que (ainda) garante a primazia do mercado (financeiro) sobre os gânglios vitais da economia. No Brasil, marcado por transições lentas, graduais e seguras, podemos assistir a um retrocesso civilizacional (lento, gradual e seguro). Após Collor, Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Temer, Jair Bolsonaro poderá ser o algoz do Capitalismo de Estado brasileiro.
Por aqui, diferente do que ocorreu no Chile, o neoliberalismo sido tem imposto com o recibo das urnas. Dois choques seguidos do petróleo (1973 e 1979), a crise da dívida mexicana (1982) – causada pela forte alta da taxa de juros nos EUA após Paul Volcker assumir a presidência do Federal Reserve em 1979 – e a política agressiva de retomada da hegemonia mundial pelos Estados Unidos com Reagan indicavam o fim de um ciclo de forte crescimento econômico no Brasil. Entre 1930 e 1980, o Brasil (junto com o Japão e a URSS) foi a economia que mais cresceu no mundo. Instituições típicas de um Estado Desenvolvimentista moderno foram criadas neste período.
A correlação de forças interna em prol de zumbis neoliberais foi sendo modelada e acelerada pelo fracasso (previsto pelo gênio de Ignacio Rangel) de planos estabilizadores (Plano Cruzado, por exemplo). A eleição de Collor em 1989 expressou a vitória política de uma corrente de opinião derrotada pela Revolução de 1930. Mas já não eram mais agraristas com ares de caipira contra a força da indústria. Na década de 1970 a indústria já se transformava numa conservadora realidade, incluindo uma forte penetração na própria agricultura brasileira beneficiada pelo surgimento de um “Departamento 1 em bloco” e sua correlata indústria química.
As contradições de um acelerado processo de crescimento sem reforma agrária demandava a busca constante por novos campos de acumulação à inclusão de milhões de pessoas vindas do campo às cidades. Reformas institucionais capazes de abrir novas fronteiras de crescimento apoiado em um setor privado (Departamento 1 Novo da economia surgido no final da década de 1970) não foram realizadas, abrindo brecha à chamada”década perdida”. Antigos agraristas travestidos de economistas monetaristas e neoclássicos formados no exterior já apontavam no alvo: a inflação como inimigo número 1 a ser combatido. O “Consenso do Crescimento” vigente entre 1930 e 1980 foi substituído pelo “Consenso da Estabilidade”. Collor não teve força suficiente para inaugurar uma vaga institucional robusta de caráter neoliberal. Derrubado em 1992, fora sucedido por um nacionalista sério, Itamar Franco. Itamar fez o que pode, mas não pode ir contra um consenso internacional em torno de uma matriz de política monetária. FHC se prestou a recomeçar o serviço iniciado por Collor.
Por aqui, diferente do que ocorreu no Chile, o neoliberalismo sido tem imposto com o recibo das urnas. Dois choques seguidos do petróleo (1973 e 1979), a crise da dívida mexicana (1982) – causada pela forte alta da taxa de juros nos EUA após Paul Volcker assumir a presidência do Federal Reserve em 1979 – e a política agressiva de retomada da hegemonia mundial pelos Estados Unidos com Reagan indicavam o fim de um ciclo de forte crescimento econômico no Brasil. Entre 1930 e 1980, o Brasil (junto com o Japão e a URSS) foi a economia que mais cresceu no mundo. Instituições típicas de um Estado Desenvolvimentista moderno foram criadas neste período.
A correlação de forças interna em prol de zumbis neoliberais foi sendo modelada e acelerada pelo fracasso (previsto pelo gênio de Ignacio Rangel) de planos estabilizadores (Plano Cruzado, por exemplo). A eleição de Collor em 1989 expressou a vitória política de uma corrente de opinião derrotada pela Revolução de 1930. Mas já não eram mais agraristas com ares de caipira contra a força da indústria. Na década de 1970 a indústria já se transformava numa conservadora realidade, incluindo uma forte penetração na própria agricultura brasileira beneficiada pelo surgimento de um “Departamento 1 em bloco” e sua correlata indústria química.
As contradições de um acelerado processo de crescimento sem reforma agrária demandava a busca constante por novos campos de acumulação à inclusão de milhões de pessoas vindas do campo às cidades. Reformas institucionais capazes de abrir novas fronteiras de crescimento apoiado em um setor privado (Departamento 1 Novo da economia surgido no final da década de 1970) não foram realizadas, abrindo brecha à chamada”década perdida”. Antigos agraristas travestidos de economistas monetaristas e neoclássicos formados no exterior já apontavam no alvo: a inflação como inimigo número 1 a ser combatido. O “Consenso do Crescimento” vigente entre 1930 e 1980 foi substituído pelo “Consenso da Estabilidade”. Collor não teve força suficiente para inaugurar uma vaga institucional robusta de caráter neoliberal. Derrubado em 1992, fora sucedido por um nacionalista sério, Itamar Franco. Itamar fez o que pode, mas não pode ir contra um consenso internacional em torno de uma matriz de política monetária. FHC se prestou a recomeçar o serviço iniciado por Collor.
O golpe de 1994/1999
A eleição de FHC, na esteira do sucesso inicial retumbante do Plano Real, foi um passo decisivo na implantação de uma agenda de Estado de caráter neoliberal no país. Com uma fé cega no crescimento pela via da “poupança externa” criou-se uma âncora cambial arvorada na criação de uma chamada Unidade Real de Valor (URV, um nome bonito para o que na verdade era a dolarização da economia brasileira), que nada mais era uma indexação para desindexar tudo. Tudo passou a ser indexado pela URV, uma forma de “apagar” a memória inflacionária. O crescimento econômico viria com a atração de capital estrangeiro numa panaceia de riqueza e prosperidade prometida aos quatro cantos. Evidente que, ao lado desta ancora cambial e dolarização, as taxas de juros deveriam ir às alturas. E foi o que aconteceu.
A abertura da conta de capitais, a âncora cambial e a utilização da taxa de juros para atrair capital estrangeiro levaram a inflação e o tecido social brasileiro a nocaute já na primeira onda de inovações institucionais da era neoliberal no país. Na verdade o que chamam de “estabilização monetária” conquistada pelo gênio de FHC nada mais foi do que uma mudança substancial na base material das classes dominantes brasileiras. Antes ancoradas na hiperinflação, passaram – com o Plano Real – a beber direto da fonte: o orçamento público via títulos da dívida pública. Trocou-se a inflação pela dívida pública num ato de propaganda massiva que serviu de biombo a um verdadeiro golpe contra o país desde então. Na verdade, o golpe de 2016 tem início com o golpe de 1994, momento este que marca – como dito acima – uma troca da base material das classes dominantes brasileiras que passaram a ser adictos da especulação e de altas taxas de juros.
A instabilidade inerente à nova dinâmica financeirizada de acumulação que passou a ser dominante no mundo e no Brasil não demorou a devorar o nosso país. Crises no México e na Rússia nos atingiram; quebramos tecnicamente em 1998, ano de eleição. Assume-se a “quebra” em janeiro de 1999 com a permissão a flutuação da taxa de câmbio e a imposição de um arrocho monetário baseado em inovações institucionais que fortaleceram a chamada “autoridade monetária” (leia-se credores da dívida pública, sistema financeiro). O país adotou um chamado Tripé Macroeconômico que combina superávit primário, câmbio flutuante e metas anuais de inflação. Eleva-se o cerco institucional iniciado em 1994. Foi o peço cobrado pelo FMI pelo “resgate” de US$ 40 bilhões. As incertezas internacionais e a possibilidade de um novo polo político chegar ao poder ao Brasil levou a banca a dobrar a aposta na especulação financeira sobre o Brasil.
Lula é eleito sob o fogo de disparada inflacionária e o dólar batendo na casa dos quatro reais. Sem força política suficiente, Lula herda e não mexe neste arcabouço institucional. Faz um governo ortodoxo com alguma ousadia social entre 2003 e 2006. Consegue – em certa medida – burlar o “monetário” pela via fiscal e de expansão do consumo e dos salários e alguns arremedos de política industrial e fortalecimento do papel dos bancos públicos já no segundo mandato. Mas o preço de se fazer política fiscal expansionista sem mudanças institucionais que assegurassem a possibilidade de uma estratégia desenvolvimentista mais profunda cobrou um alto preço: respeitar as metas de inflação demandou do governo ter como contrapartida uma política cambial desastrosa à nossa indústria. Lula entrega o país com o dólar valendo R$ 1,50 e uma indústria incapaz de competir consigo mesma.
Do golpe de 2016 até Bolsonaro
Na verdade, o Brasil perdeu o timing para a proscrição dos entulhos institucionais neoliberais em 2009, quando o neoliberalismo foi emparedado em todo o mundo. Ao não utilizar esta oportunidade e apostar em um processo liderado pela demanda misturada com metas anuais de inflação, nós fomos pegos por uma crônica de uma tragédia anunciada. Se em 2010 já era evidente que a manutenção das conquistas sociais dos governos Lula demandava que o país alcançasse a casa de 25% na relação investimentos x PIB, era evidente que um choque com a “autoridade monetária” deveria ocorrer.
Porém ocorreu tarde, sem preparo da sociedade para este grau de enfrentamento. O Brasil de 2012, quando Dilma decide enfiar a mão no vespeiro da política monetária, não era o mesmo de 2009. Não existiam condições políticas a um grau de enfrentamento cuja vitória significaria algo próximo de uma revolução nacional (sim, tomar as rédeas da política monetária é algo comparável a uma revolução social!).
Dilma continuou a errar. Ao se ver nas cordas após as manifestações de 2013, deu a cartada final sobre si mesma e o país. Acreditou que um empresariado altamente financeirizado iria responder a induções fiscais pró-investimento. Trocou o Princípio da Demanda Efetiva de Keynes por um acordo com empresários picaretas (os patos da FIESP) que ao terem injetado em suas veias quase R$ 600 bilhões em desonerações fiscais se sentiram fortalecidos suficiente não somente para “domesticar a classe trabalhadora” (2013 foi o ano com o maior número de greves na história do país) – utilizando de uma maciça greve de investimentos apoiada por um desastre promovido por Joaquim Levy (que numa canetada cortou 40% dos investimentos públicos no início de 2015) – mas também para derrubar o governo e retomar as rédeas da grande política no Brasil.
Temer reinicia, com a aplicação do programa ultraliberal “Ponte Para o Futuro”, as reformas institucionais que seriam a antessala da transformação do neoliberal em política oficial de Estado. Foram duas as reformas institucionais centrais feitas pelo governo dele neste rumo: a reforma trabalhista e a PEC do teto de gastos que congela os investimentos do governo por 20 anos, excluindo (evidentemente) os gastos financeiros (o pagamento religioso dos juros e amortização da dívida pública).
A “Batalha Pela Nação Brasileira”
Jair Bolsonaro terá a chance de encerrar esse ciclo de golpes iniciado com o Plano Real. Se emplacar a reforma da previdência, destruir de vez o sistema de financiamento de longo prazo estatal (BNDES) e implantar o chamado déficit nominal zero (que poderá não somente zerar, mas negativar os investimentos públicos em 2019-2020), Jair Bolsonaro será o presidente que transformou o Brasil num case único de estudo no mundo. Bom lembrar que Pinochet não privatizou as cadeias produtivas do cobre, nem destruiu o primeiro banco de desenvolvimento da América Latina (CORFO).
A história demonstra que todos os povos ou nações que se negaram ao direito de se desenvolver simplesmente pereceram. Estamos diante de uma batalha pela Nação Brasileira. É disso que se trata. Ou morremos enquanto projeto de povo e de país. Eis a verdade nos fatos.
*Elias Jabbour é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da UERJ (PPGCE-UERJ) e membro do Comitê Central do PCdoB.
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