sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O impacto do golpe de 2016 nos indicadores sociais


A tão prometida e esperada recuperação econômica se refletiu apenas no setor de serviços, cujo crescimento foi baseado na informalização e jornadas mais flexíveis. O Brasil cresceu pouco e aumentando a desigualdade.

Por Rafael da Silva Barbosa*

Foto: Agência Brasil
  
O recém-divulgado documento do IBGE – Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2018 – é uma ótima oportunidade para se discutir os impactos sociais do golpe de Estado, de 31 de agosto de 2016[1].

Dentre os impactos, se destacam o retorno da concentração de renda, o aumento da pobreza monetária e não monetária e a relativa estagnação das condições da educação.

Para o primeiro ponto, o gráfico 1 é elucidativo. A razão entre os rendimentos volta a crescer, exatamente, no ano em que se consumou o golpe. Em 2016, já com a posse do governo golpista, o fim da política de valorização do salário mínimo e a aprovação da reforma trabalhista, em julho de 2017, que aumentou a proporção de trabalhadores por conta própria e sem carteira de trabalho, agravaram o grau de concentração de renda no Brasil.

Segundo a publicação do IBGE, as taxas de desocupação e de subutilização mostraram forte crescimento nos anos de 2015 a 2017, com maior força nos dois últimos anos da série.

Nessa quadra é importante salientar que o indicador analisado já faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU em reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. O que confere ao Brasil uma péssima inserção internacional do indicador – “Participação das Remunerações do Trabalho no PIB” -, dada a reversão provocada pelo golpe.

A tão prometida e esperada recuperação econômica daqueles que assaltaram a República foi refletida apenas no setor de serviço, cujo crescimento teve como base a informalização e jornadas mais flexíveis, simbolizando, em última instância, maior precarização das condições de trabalho. O Brasil cresceu economicamente aumentando a desigualdade.

De tal forma que o crescimento econômico no Brasil voltou a ter sua característica mais marcante, a desigualdade. Regionalmente, as regiões Norte e Nordeste tinham rendimento mensal equivalentes a 77% e 69%, respectivamente, a média nacional. Por cor ou raça, “no cômputo geral, em 2017, os brancos ganhavam em média 72,5% mais do que pretos ou pardos e os homens ganhavam, em média, 29,7% mais que as mulheres”.

A pobreza monetária subiu de 6,6%, em 2016, para 7,4% da população, em 2017, sendo a Região Norte a única a não subir, considerando como parâmetro a linha de pobreza de US$ 1,90 dia (R$ 140 por mês). Para uma linha de pobreza de US$ 5,50 dia (R$ 406,00 mês), a miséria aumentou para cerca de 2 milhões brasileiros. Em 2016, eram 25,7% da população; a partir de 2017 chegaram aos 26,7%.

Os dados são um sério alerta para sociedade, eles mostram que a política econômica da austeridade piora o padrão de vida. E tudo indica que o cenário futuro será ainda pior. A vitória do candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, sugere aprofundamento dessa agenda. As reformas propostas em seu programa de governo irão agravar mais ainda as condições de vida. A reforma da previdência, por exemplo, poderá mexer com parcela significativa da população.

No Brasil, do rendimento total domiciliar, 73,8% advém de rendimentos do trabalho; 19,4% da aposentadoria e pensão; e 6,9% de outras fontes. Dado a centralidade do idoso nas famílias o impacto poderá ser devastador.

No plano econômico, existe uma clara disposição de atender os mais ricos ante os mais necessitados. Por um lado, enquanto o governo congelou por 20 anos gastos sociais que impactam diretamente sobre a população mais vulnerável, com a Emenda Constitucional nº 95, por outro, ele concede generosos recursos aos empresários. O último Refis perdoou R$ 62 bilhões de dívidas dos empresários, 45% de grandes empresas.

Para se ter uma ideia comparativa, o documento do IBGE informa que seriam necessários apenas “cerca de R$ 1,2 bilhão, R$ 3,2 bilhões e R$ 10,2 bilhões de reais mensais para fazer as pessoas alcançarem as linhas de US$ 1,90, US$ 3,20 e US$ 5,50, respectivamente”. Isto é, fazer com que as pessoas alcancem os valores das linhas de pobreza e tenham mais chances de sair da condição de extrema pobreza.

Em termos não monetários, toda a política econômica do golpe joga contra o avanço das condições sociais, visto que a Emenda nº 95 ataca especialmente as áreas que garantem qualidade de vida.

Nos primeiros anos de vida (0-14 anos), depois do saneamento, a proteção social[2] tem um elevado peso sobre o padrão de vida. A incidência ajustada é considerável[3].

Por fim, o documento sugere que as condições educacionais no período após o golpe não tiveram grandes avanços. “A proporção de crianças de 0 e 5 anos que frequentava escola ou creche em 2017 foi menor entre aquelas no quinto mais baixo de renda domiciliar per capita (46,0%) e maior entre as que se encontravam no quinto mais elevado (66,9%)”. Ou seja, existe uma forte dependência da população em relação à educação pública.

Tendo em mente a vigente política econômica e social que busca precarizar as relações trabalhistas e os serviços públicos, e ao mesmo tempo em que privilegia o setor privado como lócus de desenvolvimento, o resultado sobre os grupos populacionais mais vulneráveis não é positivo. A má distribuição de renda casada com a forte dependência dos bens públicos e elevada mercantilização poderá engrossar ainda mais a massa de miseráveis no país.

Notas

[1] EL PAÍS. Por 61 a 20, senadores aprovaram a perda de mandato de Dilma Rousseff, que deixa a Presidência. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/31/politica/1472665095_498137.html>. Acesso em: 11 dez 2018.

[2] “pessoas que satisfaziam simultaneamente a duas condições a seguir: residentes em domicílios onde não havia nenhum morador de 14 anos ou mais de idade que contribuía para o Instituto Nacional de Previdência Social – INSS em qualquer trabalho ou era aposentado/pensionista; domicílios com rendimento domiciliar per capita inferior a ½ salário mínimo, e com nenhum membro recebendo rendimentos de outras fontes, o que inclui programas sociais (proxy).”

[3] “Em outras palavras, se uma pessoa que já tem alguma restrição adquire uma adicional, a medida irá aumentar”.
 
*Rafael da Silva Barbosa é economista, doutor em Desenvolvimento Econômico (IE-UNICAMP) e pós- doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). É colunista do Brasil Debate.

Fonte: Brasil Debate

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