quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Estratégia e tática além do manual


Eron Bezerra *

Nos momentos de grande tensão a sociedade tende a bipolaridade e a reproduzir esse padrão comportamental em todas as suas relações sociais.


Assim foi no auge da guerra fria com a polarização entre o bloco socialista x e o bloco capitalista; na grande guerra com o antagonismo entre "aliados" e nazi/fascistas; durante a ditadura militar no contraponto entre liberdade e repressão e, agora, obviamente, não poderia deixar de ter a polaridade entre golpistas e não golpistas.

Nesses momentos há duas tendências previsíveis no "manual": o isolacionismo e o aliancismo.

Os isolacionistas se caracterizam pelo sectarismo. É um grupamento que sob o pretenso argumento de "não se misturar", de "ser coerente", só admite aliança entre os iguais, ou seja, entre aqueles que professam as mesmas ideias.

Talvez alguns, pelas limitações teóricas e falta de convicção ideológica, busquem nesse expediente uma espécie de escudo, uma barreira de proteção contra a sua manifesta insegurança, o que explica o "medo" das alianças.

Acabam falando pra si mesmo, sem qualquer repercussão prática para além do seu próprio restrito círculo de atuação. Invariavelmente são muito elogiados pelas correntes conservadoras porque, na prática, não oferecem qualquer risco de alteração do status quo, ou seja, acabam servindo de linha auxiliar da situação posta, por mais que eventualmente não seja esse o desejo. Mas a prática é o critério da verdade.

E os aliancistas são o oposto. Demonstram corretamente a limitação e os equívocos da corrente isolacionista, mas, invariavelmente, caem no outro extremo na sua prática política cotidiana.

Fazem tantas ponderações e ressalvas a qualquer ousadia fora do manual que acabam se descaracterizando completamente. Elegem a amplitude como um objetivo em si e não um recurso tático para facilitar o eventual cumprimento de um objetivo estratégico. Toda e qualquer ressalva a uma determinada prática ou potencial aliado é rechaçada sob o argumento que “não amplia, contribui para o isolamento do movimento social, etc.”.

Para esses, a palavra ampliar é uma espécie de mantra, algo mesmo messiânico. Desconhecem que em política nem sempre a ampliação se dá por uma somatória mecânica de aliados e sim, na maioria das vezes, quando nossas teses e prática política encontram eco na sociedade, especialmente nas camadas populares.

Ninguém se espanta ao ver um herege caindo em pecado, mas não se admite que um homem de fé cometa tais pecados, o que sugere que, para além dos fatos, o consciente e o inconsciente popular trabalha com o simbólico, o que nem sempre é levado em conta por essas concepções aliancistas. E isso, naturalmente, exige mais do que a leitura do “manual”.

As duas concepções expressam razoável limitação teórica.

Começa pela confusão que fazem entre estratégia & tática que, embora sejam categorias filosóficas distintas, estão interligadas, interdependentes, como a dialética nos ensina. Se uma categoria é absolutizada haverá, inequivocamente, profundas consequências para a viabilização da outra.

E avança na limitação do conceito de aliança que, a rigor, só pode ser feito com quem pensa diferente, uma vez que os que pensam iguais, a rigor, estão agrupados na mesma organização política, seja um partido ou qualquer outra organização social. A aliança é para um objetivo pontual e deve contribuir para acumulação de forças das correntes progressistas.

Em momentos de defensiva estratégica e tática, como estamos vivendo no momento, a aplicação correta da política é o grande desafio. Quanto mais a direita avança, mais as alianças devem ser ampliadas, buscando, a um só tempo, ampliar o espaço do movimento popular e preservar as correntes progressistas. Esse é o desafio que se põe para todos nós. Exige, repito, mais do que a replicação mecânica das normas do manual.

Se Lenin tivesse seguido o manual não teria feito a Nova Política Econômica na nascente União Soviética e talvez tivesse sepultada a 1ª experiência socialista no nascedouro.

O manual dicotômico também jamais permitiria que Stalin celebrasse um pacto de não agressão com Hitler, o que lhe permitiu ganhar tempo para se armar e rechaçar o então poderoso exército alemão de volta até Berlin, quando o exército vermelho fez tremular nos mastros alemães a bandeira vermelha.

E para não ficar apenas em exemplos além-pátria, recordemos que se não tivéssemos recorrido ao colégio militar e feito aliança com vários próceres da ditadura militar talvez não tivéssemos, até hoje, encontrado o caminho da reconstrução nacional, que novamente está ameaçado.

Quando a confusão for grande lembre-se de algo simples: sempre que o inimigo estiver unido, coeso, é ruim pra você. E não precisa dizer vice versa, é óbvio.
* Professor da UFAM, Doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Coordenador Nacional da Questão Amazônica e Indígena do Comitê Central do PCdoB.

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