A proposta do atual governo de exceção de mudanças na Educação é uma marcha a ré, bem ao gosto da elite conservadora brasileira, que defende um povo que trabalhe muito e saiba pouco. Um pacote do Executivo e várias propostas lançadas no Congresso Nacional interferem com força no conteúdo dos ensinos médio e fundamental.
Trazem como novidades alguns modelos, como o horário integral, há muito já implantados por iniciativa de prefeituras e governos estaduais. A nova proposta, porém, aponta ao enquadramento das aulas e outras atividades da escola ao ensino técnico, pra formação profissionalizante, focada em áreas específicas.
E se arvora na implantação de um ensino “sem partido”, que na prática é conter a área de Ciências Humanas, que incluem História, Filosofia, Meio Ambiente e Artes, entre tantas. Na prática, o que está sendo proposto é que essas disciplinas passem a ser opcionais, mas não cria mecanismos pra que sejam disponibilizadas aos alunos.
Também tornam opcional a Educação Física, ignorando o fato de que o pífio resultado obtido pelo Brasil nas recentes Olimpíadas, por exemplo, é decorrente da precária formação de atletas. E a iniciação desses deve se dar justamente lá, na escola formal, pra depois seguir na formação específica, quando for o caso. Ademais, o preparo físico, por si só, já faz parte da forja da cidadania.
Mas esses são, digamos, alguns detalhes de um processo que no seu conjunto quer colocar em segundo plano a Educação de qualidade. Não trata da formação e remuneração de professores, nem da aferição de resultados. Nos níveis básico e médio, a União entra com o dinheiro e a cartilha de conteúdo, com rígido controle. Os estados e municípios fazem o que puderem, e fica por isso mesmo.
Moral e Civica
Na calada da noite, em meio a uma série de votações, no início de setembro, quase ia passando despercebido na Câmara Federal um Projeto de Lei que trata do chamado “ensino sem partido”. É originário de um movimento nacional que leva este nome e já conseguiu transformar esse modelo em lei em vários municípios do país e no estado de Alagoas.
O caso alagoano foi bater no Supremo Tribunal Federal (STF) que chegou à conclusão de que essa lei estadual não poderá ser implementada. É inconstitucional, já que compete à União promover mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que é o caso.
Assim, principalmente a partir do ano passado, brotaram vários projetos na Câmara e Senado, todos inspirados pelo Movimento Escola Sem Partido, cujos preceitos básicos incluem este:
“O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.”
No plano federal, portanto, esses projetos também são inconstitucionais, já que ferem frontalmente o Artigo 206 da Constituição Federal, que trata da liberdade de expressão no ambiente escolar.
Entidades de professores de todo País e especialistas de universidades se manifestaram contra os projetos, que são tratados como “lei da mordaça”. Com a agravante de que essas propostas em nenhum momento falam da formação e qualificação.
Em verdade, o projeto relembra a matéria Educação Moral e Cívica, que no período da ditadura militar (1964/85) era obrigatória nas escolas. Seu conteúdo era repassado em livros e cartilhas produzidos pelo Ministério da Educação, com forte conotação ideológica fascista, incutindo nos alunos conceitos preconceituosos, em defesa da ordem política, social e econômica em vigor à época.
Ensino Técnico
A determinação do governo federal quanto ao ensino médio, agora, é contraditória. Defende o ensino técnico direcionado às atividades econômicas de cada região. Mas retira dessa formação qualquer conteúdo humanista. Ou seja, é produzir mão-de-obra específica a esta ou aquela atividade econômica, que se lasque o cidadão ou cidadã.
Esta é uma proposta que já veio carimbada, não passou por debate algum, nem levou em conta o enorme acervo sobre o tema que existe nas universidades e no próprio Congresso Nacional.
Quem vem elaborando essas medidas é o mesmo grupo que já tem armado truques na área desde há muito, segundo informa o filósofo Vladimir Safatle, em artigo no jornal Folha de S.Paulo. Passam longe do preceito constitucional do ensino público, geral e gratuito.
“Não é de admirar que a verdadeira equipe que produziu este projeto seja composta por ‘especialistas’ que trabalham há décadas nos governos FHC, em Brasília, sob a batuta do ilibado José Arruda, e nos governos tucanos de São Paulo, com resultados pífios e medíocres“, afirma Safatle.
Dinheiro Pouco
Além do mais, a proposta do governo se encaixa também no projeto de limitação dos gastos públicos, que atinge principalmente a área social. Aos ministérios, inclusive o MEC, por exemplo, está sendo implantado um limite de gastos por vinte anos. E nem leva em conta o crescimento da população, que é de três milhões de pessoas por ano.
Inclui até mesmo um novo modelo de remuneração de professores. E prevê a contratação de pessoas não licenciadas, a título de “contratos temporários”, certamente habilitadas apenas à repetição das cartilhas oficiais. Um regresso brutal no sistema de ensino.
* Trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.
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