sábado, 19 de agosto de 2017

Robert E. Lee, a história do general escravocrata por trás da estátua


JULIA RENDLEMAN
Protesto no parque onde fica a estátua de LeeProtesto no parque onde fica a estátua de Lee

As várias biografias existentes sobre Robert E. Lee (1807-1870) trazem uma frase de um especialista que destaca: “Na história do mundo, talvez nenhum general que conheceu tantos fracassos tenha sido tão homenageado”. A afirmação ilustra o revisionismo que cerca agora a figura tão controvertida do general da antiga Confederação durante a Guerra Civil: para uns, trata-se de um símbolo histórico do sul dos Estados Unidos; para outros, um ícone da escravidão dos negros.

Lee está no epicentro dos confrontos raciais ocorridos em Charlottesville (Virgínia) no último fim de semana. O poder local aprovou em fevereiro a retirada da estátua do general, construída em 1924, por considerar que ela fomenta a divisão entre os habitantes, e mudou o nome do parque onde se localizava. Posteriormente, a justiça suspendeu a transferência do monumento e fortes protestos foram realizados por parte da extrema direita. No último sábado, dezenas de supremacistas brancos se manifestaram na cidade, o que resultou em confrontos com grupos antifascistas e do movimento negro. Um neonazista atropelou um grupo de manifestantes com seu carro, matando uma pessoa.

Lee foi filho de um herói da Guerra da Independência e desde jovem se destacou por suas habilidades militares. Formou-se com honra na Academia de West Point e participou de várias batalhas importantes da guerra entre os EUA e o México. Em 1861, à véspera da Guerra Civil, Lee foi chamado para comandar as forças da União, mas se recusou a fazê-lo alegando que não queria lutar contra a Virgínia, seu estado natal e integrante da Confederação.

Depois de se demitir do Exército, Lee aceitou ser o comandante de algumas das forças da Confederação. Os especialistas afirmam que ele tinha habilidades técnicas, mas que, ao mesmo tempo, cometeu erros graves que facilitaram a vitória da União em 1865.

Depois do conflito bélico entre o norte e o sul, com o passar do tempo, a figura de Lee foi sendo resgatada, sob o impulso da necessidade sulina de constituir seus mitos. Sua figura adquiriu popularidade especialmente no começo do século 20, quando se expandiu no imaginário coletivo do sul a ideia de que a derrota na guerra foi uma “causa perdida” em que a Confederação, que se tornou independente da União, lutou mesmo sabendo que estava em situação de inferioridade em relação aos estados do norte. Também ganhou força o princípio de que o sul não lutara para manter a escravidão, mas sim por alguns supostos ideais constitucionais.

São comuns, sobretudo no sul dos EUA, as escolas, avenidas e monumentos em homenagem a Lee, considerado um herói da Guerra Civil. Existem nos EUA 718 monumentos confederados, segundo os cálculos do Sowthern Poverty Law Center, uma organização de estudos sobre o extremismo. Há também 109 escolas que levam o nome de Lee, do presidente da Confederação, Jefferson Davis, ou de outras personalidades da Guerra Civil.

Mas o mito de Lee vem caindo em desgraça como resultado da análise da história e da mobilização de afro-americanos e latinos dos últimos anos.

É notório o papel que ele e sobretudo a família de sua esposa desempenharam como senhores de escravos. Estudiosos afirmam que documentos da época revelam que Lee era cruel com os escravos e estimulava os maus-tratos aplicados a eles. Um escravo chegou a dizer que ele era “o pior homem” que havia visto. Defensores do general lembram que, em uma carta de 1865 para sua mulher, ele afirmou que a escravidão é um “mal moral e político”; mas ele também argumentava que o futuro dos escravos dependia de Deus e que eles viviam melhor nos EUA do que na África.

Pesaram para o questionamento da figura de Lee o fato de os supremacistas brancos terem recorrido à simbologia da Confederação – incluindo os responsáveis por chacinas racistas – e o debate dos últimos anos, nos EUA, sobre o tratamento dado às minorias raciais pela polícia e pela justiça. Assim como houve campanhas pela retirada de estátuas do general, como em Nova Orleans em 2015, também ocorreram mobilizações contra símbolos supremacistas brancos em universidades.



Fonte: El País

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