domingo, 13 de maio de 2018

130 anos da revolução inacabada da Abolição




A Abolição resultou da maior campanha popular até então vista no Brasil. O dia 13 de maio de 2018 marca os 130 anos da assinatura da Lei Áurea, que proibiu a escravidão no Brasil. Foi a principal mudança social ocorrida no Brasil: ela significou a aceleração da passagem do escravismo para a hegemonia capitalista e a generalização do trabalho livre e assalariado.


A mudança significou uma redistribuição da propriedade ao abolir, sem indenização, o controle absoluto e privado da força de trabalho. Que, ao extinguir a escravidão, criou a possibilidade legal dos trabalhadores serem donos de seus corpos e vontades, e os habilitou a contrair contratos de trabalho para a venda de sua força de trabalho a um patrão que pagasse por ela.

Mas foi uma revolução pela metade. No longo debate ocorrido no Brasil, desde meados do século XIX, a respeito do sistema que substituiria o escravismo (cuja crise vinha desde pelo menos a década de 1830), a classe dominante, escravista, prevendo o fim desse regime iníquo, conseguiu aprovar no Parlamento imperial a Lei de Terras de 1850 que lhe garantiu o monopólio da posse deste outro fator da produção. A Lei de Terras (a verdadeira mãe do latifúndio moderno no Brasil), eliminou a chance de reconhecimento de posses individuais, determinando que a terra só poderia ser adquirida mediante a compra (mesmo ao Estado), a um preço alto o suficiente para dela afastar os trabalhadores e pobres em geral.

Embora separadas por algumas décadas, a Lei de Terra e a Lei Áurea definiram o Brasil moderno. Quando perdeu o monopólio da posse da força de trabalho, a classe dominante já havia garantido para si o monopólio do outro fator importante da produção, a propriedade da terra.

O fim do escravismo foi o clímax de um confronto intenso, que envolveu a classe dominante, os abolicionistas que se opunham a ela e os próprios escravos.

O Abolicionismo mobilizou grupos sociais urbanos novos, arredios à dominação oligárquica, entre eles - médicos, engenheiros, industriais, professores, jornalistas, profissionais liberais, e membros da média e alta burguesia.

Havia entre os abolicionistas uma tendência moderada e outra radical. Entre os moderados, a exigência do fim da escravidão era uma imposição da modernização do país. Joaquim Nabuco, o mais destacado líder essa corrente, queria trazer a abolição das ruas para o Parlamento. Atribuíam o atraso brasileiro à presença do negro imposta pelo escravismo. Outros queriam apenas equacionar o problema da mão de obra para as fazendas, e encaravam a persistência da escravidão como o maior obstáculo para a vinda de imigrantes europeus. Esperavam que a vinda de imigrantes europeus embranqueceria a população do país.

Outra facção era a dos abolicionistas radicais que, formada por elementos da pequena burguesia urbana e trabalhadores livres (ferroviários, cocheiros, tipógrafos, mascates, artesãos), usavam métodos insurrecionais. Na baixada fluminense, chegaram a incendiar canaviais, com o apoio dos escravos, e a insuflar sua fuga. Em São Paulo, os caifazes de Antonio Bento organizavam fugas em massa das fazendas, com apoio popular, de ferroviários e até mesmo de autoridades. Esses setores radicais eram também republicanos e esperavam que, com a Abolição, as terras fossem divididas, pondo fim ao latifúndio.

A participação dos escravos na luta por sua libertação foi crescente ao longo daquela década. As fugas em massa desorganizaram o trabalho nas fazendas. Em São Paulo, os caifazes organizaram, em Santos, o quilombo do Jabaquara, que acolhia escravos fugidos vindos de todo o território paulista.

A intensidade da luta dos escravos, apoiados pelos setores médios urbanos e pelo nascente proletariado, fez crescer na classe dominante o temor de uma iminente revolução antiescravista.

Temor que acentuou a divisão da classe dominante escravista, principalmente na década de 1880, com o incremento das fugas em massa e da crescente rebeldia escrava. Muitos fazendeiros se viram na iminência de perder a colheita do café por falta de mão de obra, devido as fugas que se acentuaram em 1887.

O próprio Partido Conservador, que tinha os escravistas mais radicais, estava dividido, e alguns grandes fazendeiros (como o paulista Antonio Prado, um dos homens mais ricos do Brasil de então) concluíram que a Abolição era a única forma de conter a desagregação do trabalho nas fazendas.

Ao justificar a lei de Abolição enviada ao parlamento, o ministro conservador João Alfredo deixou claro que o governo cedia para evitar a temida revolução.

No discurso onde anunciou sua adesão ao abolicionismo, Antonio Prado expõe a estratégia daquele setor da classe dominante agroexportadora: aderir à mudança inevitável para que nada mudasse e tudo continuasse como sempre. Naquele discurso, de 15 de dezembro de 1887, Prado defendeu uma mudança na atitude em relação ao trabalhador - libertar os escravos, pagar salários, abolir os castigos, diminuir as horas de trabalho.

A unidade escravista se rompia. Os mais reacionários ainda insistiram na defesa da indenização aos senhores, mas uma ala de senhores se bandeou para o abolicionismo e salvar suas lavouras ameaçadas, e propôs a abolição sem indenização. E, aliada aos abolicionistas moderados, assumiu a liderança do processo e conseguiu fazer a Abolição no Parlamento, para evitar a revolução.

No dia 12 de maio de 1888, na discussão da lei da abolição, o senador Barão de Cotegipe, um escravista radical, apontou a “perturbação quase geral” que existia nas fazendas paulistas como razão para a Abolição. Disse: “a extinção da escravidão não é mais do que o reconhecimento de um fato já existente”, e a Abolição acabaria com “esta anarquia, não havendo mais pretexto para tais movimentos, para ataques contra a propriedade e contra a ordem pública”.

Outros insistiam na defesa da propriedade privada. O deputado Almeida Pereira já havia acusado, em 1871, o projeto da Lei do Ventre Livre de comunista, de desfraldar “velas por um oceano onde vagava também o navio pirata denominado Internacional”. Um jornalista, Alencar Araripe, escreveu naquele ano que “o escravo é propriedade tão legítima como outra qualquer: portanto, não deve jamais ser violada”. O argumento final do Barão de Cotegipe contra a abolição, na sessão do parlamento onde a lei foi aprovada, defendia a propriedade privada. “Decreta-se que neste país não há propriedade, que tudo pode ser destruído por meio de uma lei, sem atenção nem a direitos adquiridos nem a inconvenientes futuros!” disse. E alertou: “daqui a pouco se pedirá a divisão das terras (...) seja de graça, ou por preço mínimo, e o Estado poderá decretar a expropriação sem indenização”.

A Lei Áurea foi aprovada por 83 votos contra nove – de um total de 125 deputados. Foi resultado da aliança de setores moderados do abolicionismo e dissidentes da oligarquia escravista. Como nas mudanças fundamentais ocorridas no Brasil, esta é sua virtude (a aliança entre adversários políticos) e seu defeito (a aliança entre opostos faz com que a mudança fique pela metade). Por estas circunstâncias históricas, decorridos 130 anos da Lei Áurea, o racismo se mantém vivo, com negros e mestiços submetidos à cruel situação a que foram relegados na sociedade brasileira, em suas posições mais baixas, quase sempre na pobreza extrema, em empregos precários e mal remunerados, morando nas periferias das cidades, onde enfrentam permanente violência. E lutando, permanentemente, contra a herança malsã do racismo que o escravismo legou para a sociedade brasileira, que só será verdadeiramente democrática após eliminar esta chaga social iníqua.

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