Por José Reinaldo Carvalho
As representações políticas das classes dominantes fecharam questão em torno da deposição da presidenta Dilma Rousseff, legitimamente eleita com os votos de mais de 54 milhões de brasileiros. Trata-se de uma posição cristalizada em partidos como PSDB, DEM, PMDB, PSD, PSB, PPS e os direitistas do chamado Centrão. Destacam-se nessa representação as presidências das duas casas legislativas - Senado e Câmara. Já assinalamos em artigo anterior que a eleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara culminava o arranjo político do golpe.
Os fatos dos últimos dias revelam que as movimentações do presidente do Senado, Renan Calheiros, constituem mais um lance desse golpe legislativo. O senador alagoano mancomunado com o presidente interino usurpador, Michel Temer, forceja pelo encurtamento dos prazos do processo de impeachment, num flagrante desrespeito às normas, aos ritos e - pasme-se - à autoridade do presidente da Corte Suprema, Ricardo Levandowsky, que detém constitucionalmente a prerrogativa de fixar a data do julgamento.
De Renan não se esperava outra coisa. Sua biografia é eloquente. Para onde os ventos sopram, gira a biruta do chefete do clã de Murici. Pertenceu à base de apoio do governo Sarney, respaldou Itamar, foi ministro de Collor e FHC, compôs-se com Lula e, enquanto a presidenta Dilma estava na plenitude do poder, encenava sustentá-la. Mas sempre como manobra, visando a objetivos próprios que nada tinham em comum com a defesa do governo progressista. No início do segundo mandato de Dilma, em 2015, mesmo tendo sido eleito à presidência do Senado com o apoio do PT e PCdoB, Calheiros, ao perceber as vulnerabilidades da presidenta reeleita, criou muitas dificuldades ao governo no Congresso Nacional, flexionando sua posição apenas para não favorecer seu rival de turno no PMDB, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
A frente unida dos partidos dominantes se manifesta com força total na agenda proposta pelo Executivo ao Legislativo. Um arrocho fiscal brutal, uma ofensiva contra os direitos dos trabalhadores (reformas trabalhista e previdenciária), incluindo os servidores públicos, diminuição das políticas sociais, retomada do plano de privatizações inclusive a entrega do pré-sal. Para além disso, o governo realiza uma ação deletéria, contando com o apoio dos partidos conservadores e neoliberais, contra os fundamentos da política externa independente e solidária exercida pelo Brasil sob os governos de Lula e Dilma. Na ordem do dia da ação externa dos golpistas está o ataque à Venezuela e ao Mercosul.
No retorno dos trabalhos legislativos a ação dos golpistas tomou a forma mais acabada com a leitura e discussão do relatório indicativo de condenação à presidenta Dilma por Antonio Anastasia, ex-governador mestre das pedaladas fiscais em Minas Gerais. O debate foi mais um teatro de absurdos, em que se desnudou o reacionarismo dos senadores do PSDB, DEM, PSD e PSB.
A propósito deste último partido, ocorreu nesta quarta-feira (3) um episódio irônico. Quase que em simultâneo ao discurso que pronunciava na comissão o senador Fernando Bezerra Coelho, do PSB pernambucano, o Ministério Público dava publicidade ao seu envolvimento no escandaloso episódio de lavagem de dinheiro, em que toda a seção estadual do partido está envolvida. Ecos da campanha presidencial protagonizada pelo falecido candidato Eduardo Campos, cuja família e cujos sucessores no governo do estado e na prefeitura capitalina são incansáveis ativistas pela deposição da presidenta Dilma.
Neste ambiente sombrio do golpismo engendrado por falsários e hipócritas, é alentadora a resistência dos senadores da esquerda na comissão do Senado, expressos no épico voto em separado das senadoras Vanessa Grazziottin (PCdoB) e Gleisi Hoffman (PT) e no antológico discurso de Lindbergh Farias (PT), em que denuncia o caráter de classe do golpe de Temer, Cunha, Maia, Aécio e cia.
Na disjuntiva entre os falsários e hipócritas, e os combatentes da resistência, abre-se o espaço para uma luta de imprevisíveis consequências. A única certeza é que os golpistas não terão sossego.
José Reinaldo Carvalho é jornalista e cientista político, editor do Resistência [www.resistencia.cc]
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