Por Marcelo Zero
A perseguição a Lula e a sua família atingiu níveis de uma caçada humana selvagem e sem regras. Não se trata apenas de algo ilegítimo e ilegal, tornou-se uma obsessão doentia, uma enfermidade moral que acomete boa parte da nossa mídia e do nosso sistema judiciário. Algo só comparável à perseguição que judeus sofreram no nazismo ou que comunistas ou supostos comunistas sofreram, ao longo do macarthismo.
Não bastasse a morte de Dona Marisa, precipitada pela lawfare que atinge Lula injustamente, agora nos deparamos com uma operação abusiva da Polícia Civil, que invadiu o lar de Marcos Lula da Silva, filho adotivo do ex-presidente, com base apenas numa suposta "denúncia anônima" sobre suposto consumo de drogas no local.
Denúncia anônima ou simples perseguição política? Será que a polícia de São Paulo invadiria a casa de algum filho ou filha de FHC com base numa suposta "denúncia anônima"? Algum juiz autorizaria? Duvidamos. Duvidamos também que fosse autorizada a invasão do lar de algum graúdo tucano, como Aécio Neves, por exemplo, em circunstâncias semelhantes.
Trata-se, desse modo, de mais um caso de medida autoritária, injustificada e arbitrária de autoridades empenhadas em agredir, caluniar e intimidar o melhor presidente da história do país e o favorito para vencer as eleições de 2018. Trata-se de mais uma demonstração de truculência do Estado policialesco que o governo golpista ergueu no Brasil.
Esse Estado policialesco que não persegue apenas Lula e sua família. Ele ameaça sistematicamente movimentos populares, trabalhadores, professores, reitores de universidade, artistas e todos aqueles que ousam se opor ou questionar o golpe e sua agenda socialmente regressiva.
Esse Estado policialesco, também chamado de Estado de exceção, torna a distinção entre democracia formal e ditadura muito tênue e turva.
Com efeito, a situação do Brasil hoje lembra, de forma muito inquietante, a situação do Brasil de 1964. Com efeito, o golpe e a Lava Jato criaram uma onda reacionária e autoritária que varreu a democracia brasileira, criminalizou a política e golpeou direitos fundamentais, como o da presunção da inocência, por exemplo. A cassação do voto popular e a luta hipócrita e partidarizada contra a corrupção "abriram a porteira" para tudo que se vê hoje no Brasil: a ascensão meteórica do protofascismo, o ressurgimento da censura pela via judicial, os linchamentos midiáticos, a repressão aos movimentos sociais, a enganação ideológica da "escola sem partido", o surgimento de juízes "justiceiros", o atropelamento sistemático dos direitos individuais, a rejeição furiosa a qualquer agenda progressista, a sanha punitivista contra qualquer um que não se enquadre nos cânones hipócritas do moralismo de ocasião e uma cultura omnipresente da delação.
O reacionarismo é tão profundo e massivo que setores das forças armadas já prometem até um novo golpe militar. O Brasil do golpe parlamentar é tão conservador quanto o Brasil do golpe militar de 1964, e a classe média paneleira sucumbiu a um neoudenismo que faria corar Carlos Lacerda.
Em 1964, como hoje, os delatores, ou melhor, os "dedos-duros" tinham uma agenda política: denunciar e perseguir qualquer um que fosse progressista ou perigoso para o regime. Como hoje, o sujeito (um diplomata, por exemplo) podia perder o seu cargo público se publicasse um artigo de opinião contra o governo. Como hoje, exposições de arte eram proibidas ao sabor de um moralismo hipócrita. Como hoje, havia pessoas que se "suicidavam" ao serem vítimas de perseguições autoritárias. Como hoje, a proteção aos direitos e garantias individuais era relativizada ou simplesmente suprimida, em nome do combate aos "subversivos" e aos "corruptos".
Também podemos fazer uma comparação com o Brasil do golpe com outro período ainda mais sombrio da história. De fato, o país vive situação similar a que Alemanha viveu na década de 1920, nos estertores da República de Weimar. Uma situação de grave crise econômica e política e de falência institucional generalizada, que compromete a agenda dos grandes interesses econômicos nacionais e internacionais. Lá, a esquerda ficou isolada, e os partidos tradicionais de centro e direita, interessados apenas em conter a "ameaça bolchevique", foram incapazes de fazer frente à ascensão da extrema direita nazista.
Por isso, a luta principal hoje no Brasil é a luta contra o fascismo ascendente e o Estado de exceção e pela redemocratização real do país, com a realização de eleições livres com a participação de Lula, o único candidato capaz de opor à agenda reacionária, antissocial e antinacional do golpe. O "fora Temer" é tão irrelevante quanto a lamentável figura homônima. O fundamental é a defesa da democracia e dos direitos civis e políticos, que a geraram, assim como dos direitos sociais, que a sustentam.
Assim, a defesa de Lula e de sua família se confunde com a luta maior pela democracia e pela defesa dos direitos de todos nós.
Confunde-se também com a luta contra a agenda ultraneoliberal do golpe e da onda reacionária que tomou conta do Brasil, a qual extingue direitos sociais, desmancha o Estado de Bem-Estar e vende a soberania nacional e a dignidade do país.
Em todo o mundo, o conflito entre o neoliberalismo concentrador e excludente e a democracia está dolorosamente exposto, como denuncia Picketty. Mas, no Brasil, esse conflito tornou-se aberto e agudo. No nosso país, o golpe e sua agenda reacionária e concentradora exigem explicitamente o sacrifício da população, especialmente dos mais pobres, bem como o sacrifício da democracia real. No Brasil, o nosso neoliberalismo selvagem exige o sacrifício do humano.
Portanto, não é apenas Lula e sua família que estão sendo caçados. A caçada aos direitos civis e sociais atinge toda a população. Essa mistura tóxica de golpe, fascismo ascendente e neoliberalismo selvagem caça tudo que é humano e civilizado.
A caçada humana é, pois, contra todos nós.
Felizmente, Lula não será detido por essa campanha judicial e midiática vergonhosa contra ele e sua família. A população já começa a entender que Lula é vítima de juízes e procuradores partidarizados que, incapazes de comprovar qualquer crime cometido pelo ex-presidente, constroem uma barreira de falsas acusações e mentiras convictas para impedir sua candidatura vitoriosa. A população já começa a entender que é ela que está sendo realmente perseguida.
Contra nossas oligarquias selvagens e míopes e contra a pressão avassaladora de interesses externos do grande capital financeiro, nossa humanidade talvez tenha outra chance de ser recomposta.
Talvez em 2018, o Brasil possa ter uma chance de cessar essa caçada insana ao humano e investir, de novo, na construção de um país inclusivo, justo e soberano. Um país generoso e humano como seu povo. Como Lula.
* Marcelo Zero é sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.
A perseguição a Lula e a sua família atingiu níveis de uma caçada humana selvagem e sem regras. Não se trata apenas de algo ilegítimo e ilegal, tornou-se uma obsessão doentia, uma enfermidade moral que acomete boa parte da nossa mídia e do nosso sistema judiciário. Algo só comparável à perseguição que judeus sofreram no nazismo ou que comunistas ou supostos comunistas sofreram, ao longo do macarthismo.
Não bastasse a morte de Dona Marisa, precipitada pela lawfare que atinge Lula injustamente, agora nos deparamos com uma operação abusiva da Polícia Civil, que invadiu o lar de Marcos Lula da Silva, filho adotivo do ex-presidente, com base apenas numa suposta "denúncia anônima" sobre suposto consumo de drogas no local.
Denúncia anônima ou simples perseguição política? Será que a polícia de São Paulo invadiria a casa de algum filho ou filha de FHC com base numa suposta "denúncia anônima"? Algum juiz autorizaria? Duvidamos. Duvidamos também que fosse autorizada a invasão do lar de algum graúdo tucano, como Aécio Neves, por exemplo, em circunstâncias semelhantes.
Trata-se, desse modo, de mais um caso de medida autoritária, injustificada e arbitrária de autoridades empenhadas em agredir, caluniar e intimidar o melhor presidente da história do país e o favorito para vencer as eleições de 2018. Trata-se de mais uma demonstração de truculência do Estado policialesco que o governo golpista ergueu no Brasil.
Esse Estado policialesco que não persegue apenas Lula e sua família. Ele ameaça sistematicamente movimentos populares, trabalhadores, professores, reitores de universidade, artistas e todos aqueles que ousam se opor ou questionar o golpe e sua agenda socialmente regressiva.
Esse Estado policialesco, também chamado de Estado de exceção, torna a distinção entre democracia formal e ditadura muito tênue e turva.
Com efeito, a situação do Brasil hoje lembra, de forma muito inquietante, a situação do Brasil de 1964. Com efeito, o golpe e a Lava Jato criaram uma onda reacionária e autoritária que varreu a democracia brasileira, criminalizou a política e golpeou direitos fundamentais, como o da presunção da inocência, por exemplo. A cassação do voto popular e a luta hipócrita e partidarizada contra a corrupção "abriram a porteira" para tudo que se vê hoje no Brasil: a ascensão meteórica do protofascismo, o ressurgimento da censura pela via judicial, os linchamentos midiáticos, a repressão aos movimentos sociais, a enganação ideológica da "escola sem partido", o surgimento de juízes "justiceiros", o atropelamento sistemático dos direitos individuais, a rejeição furiosa a qualquer agenda progressista, a sanha punitivista contra qualquer um que não se enquadre nos cânones hipócritas do moralismo de ocasião e uma cultura omnipresente da delação.
O reacionarismo é tão profundo e massivo que setores das forças armadas já prometem até um novo golpe militar. O Brasil do golpe parlamentar é tão conservador quanto o Brasil do golpe militar de 1964, e a classe média paneleira sucumbiu a um neoudenismo que faria corar Carlos Lacerda.
Em 1964, como hoje, os delatores, ou melhor, os "dedos-duros" tinham uma agenda política: denunciar e perseguir qualquer um que fosse progressista ou perigoso para o regime. Como hoje, o sujeito (um diplomata, por exemplo) podia perder o seu cargo público se publicasse um artigo de opinião contra o governo. Como hoje, exposições de arte eram proibidas ao sabor de um moralismo hipócrita. Como hoje, havia pessoas que se "suicidavam" ao serem vítimas de perseguições autoritárias. Como hoje, a proteção aos direitos e garantias individuais era relativizada ou simplesmente suprimida, em nome do combate aos "subversivos" e aos "corruptos".
Também podemos fazer uma comparação com o Brasil do golpe com outro período ainda mais sombrio da história. De fato, o país vive situação similar a que Alemanha viveu na década de 1920, nos estertores da República de Weimar. Uma situação de grave crise econômica e política e de falência institucional generalizada, que compromete a agenda dos grandes interesses econômicos nacionais e internacionais. Lá, a esquerda ficou isolada, e os partidos tradicionais de centro e direita, interessados apenas em conter a "ameaça bolchevique", foram incapazes de fazer frente à ascensão da extrema direita nazista.
Por isso, a luta principal hoje no Brasil é a luta contra o fascismo ascendente e o Estado de exceção e pela redemocratização real do país, com a realização de eleições livres com a participação de Lula, o único candidato capaz de opor à agenda reacionária, antissocial e antinacional do golpe. O "fora Temer" é tão irrelevante quanto a lamentável figura homônima. O fundamental é a defesa da democracia e dos direitos civis e políticos, que a geraram, assim como dos direitos sociais, que a sustentam.
Assim, a defesa de Lula e de sua família se confunde com a luta maior pela democracia e pela defesa dos direitos de todos nós.
Confunde-se também com a luta contra a agenda ultraneoliberal do golpe e da onda reacionária que tomou conta do Brasil, a qual extingue direitos sociais, desmancha o Estado de Bem-Estar e vende a soberania nacional e a dignidade do país.
Em todo o mundo, o conflito entre o neoliberalismo concentrador e excludente e a democracia está dolorosamente exposto, como denuncia Picketty. Mas, no Brasil, esse conflito tornou-se aberto e agudo. No nosso país, o golpe e sua agenda reacionária e concentradora exigem explicitamente o sacrifício da população, especialmente dos mais pobres, bem como o sacrifício da democracia real. No Brasil, o nosso neoliberalismo selvagem exige o sacrifício do humano.
Portanto, não é apenas Lula e sua família que estão sendo caçados. A caçada aos direitos civis e sociais atinge toda a população. Essa mistura tóxica de golpe, fascismo ascendente e neoliberalismo selvagem caça tudo que é humano e civilizado.
A caçada humana é, pois, contra todos nós.
Felizmente, Lula não será detido por essa campanha judicial e midiática vergonhosa contra ele e sua família. A população já começa a entender que Lula é vítima de juízes e procuradores partidarizados que, incapazes de comprovar qualquer crime cometido pelo ex-presidente, constroem uma barreira de falsas acusações e mentiras convictas para impedir sua candidatura vitoriosa. A população já começa a entender que é ela que está sendo realmente perseguida.
Contra nossas oligarquias selvagens e míopes e contra a pressão avassaladora de interesses externos do grande capital financeiro, nossa humanidade talvez tenha outra chance de ser recomposta.
Talvez em 2018, o Brasil possa ter uma chance de cessar essa caçada insana ao humano e investir, de novo, na construção de um país inclusivo, justo e soberano. Um país generoso e humano como seu povo. Como Lula.
* Marcelo Zero é sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.
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