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O trabalho infantil é um dos mais graves problemas do Brasil. No campo e na cidade, a mão de obra de crianças e adolescentes é explorada indiscriminadamente. E esse quadro deve se agravar ainda mais após os cortes do governo Temer para o combate ao trabalho escravo. Soma-se a esse cenário, a exoneração de caráter claramente punitivo do coordenador de combate ao trabalho escravo, André Esposito Roston, após criticar publicamente os cortes do governo.
Por Verônica Lugarini*
A falta de priorização de combate ao trabalho infantil no país vem chamando atenção de diversas entidades nacionais e internacionais. Os números são alarmantes e geram preocupação. Hoje, mais de 2,6 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, trabalham no Brasil e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadores precoces corresponde a 5% da população que tem entre 5 e 17 anos no Brasil.
A taxa de crianças economicamente ativas é 20% menor do que o registrado em anos anteriores, mas esse avanço no combate deverá ser interrompido, promovendo e disseminando o trabalho infantil com a redução do combate ao trabalho infantil e escravo anunciada em agosto deste ano pelo governo Michel Temer.
Para a advogada trabalhista e professora de direito trabalhista da PUC-SP, Fabíola Marques, as consequências da paralisação do combate ao trabalho infantil são desastrosas.
“A falta de fiscalização promove e incentiva o trabalho de crianças e adolescentes, muitos deles que tem pais estrangeiros que não têm a documentação em dia e aceitam qualquer tipo de trabalho sem condições de segurança e garantia de saúde para poder sustentar sua família.
Assim, as crianças acabam trabalhando para complementar a renda e não têm condições de estudar. Ou seja, além da realização de um trabalho proibido, os jovens são privados de estudar, abdicando de seu futuro e se tornando uma futura massa de troca de voto por cesta básica, já que não serão alfabetizados e não terão consciência crítica”, ponderou Fabíola Marques em entrevista ao Portal Vermelho.
A professora também destacou esse cenário tem reflexos sociais muito sérios porque incentivam a contratação de crianças para trabalho doméstico que é considerado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) uma das piores formas de trabalho.
Ainda de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), houve uma queda brusca no número de estabelecimentos fiscalizados em 2017. Segundo a CPT, até junho deste ano, apenas 44 estabelecimentos foram fiscalizados, enquanto em 2016 o número de locais visitados foi de 204 até o final do ano, menor que os 279 do ano anterior (2015).
Com menor fiscalização, consequentemente há também a redução dos resgates: a média mensal de trabalhadores libertados caiu de 63 mensais em 2016 para 15 em 2017.
Diante do anuncio de redução, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) elaborou Nota Técnica que analisa os dados dos contingenciamentos orçamentários realizados pelo governo federal em 2017. O documento revelou que o orçamento disponível para a realização de ações de fiscalização do trabalho escravo acabou em julho, quando o recurso restante para esse fim era de pouco mais de R$6 mil. Sendo que uma única ação de fiscalização custa, em média, entre R$60 e R$70 mil.
De acordo com Matheus Magalhães, autor do relatório e assessor político do Inesc, o principal contingenciamento na área veio por meio do Decreto 9.018/2017, que resultou em uma redução de R$22,2 milhões dos recursos do Tesouro Nacional para a Secretaria de Fiscalização do Trabalho — um corte de 70,9%.
Perspectiva
Ao analisar o panorama atual, Fabíola disse que a perspectiva é de piora da situação.
“O futuro é tenebroso, ao invés do governo fortalecer os mecanismos de fiscalização, ele diminui. Isso acontece porque o governo toma como pressuposto que a legislação de direitos humanos e do trabalho atrapalham a economia do país, mas isso não é verdade. O Brasil estava crescendo com a mesma legislação que temos hoje. O governo vem impondo inúmeros instrumentos de manobra, como a reforma trabalhista, sem qualquer diálogo. Com isso, voltando a questão do combate ao trabalho infantil, o que impacta hoje não é a legislação, mas de fiscalização e de verba para ela”, resumiu.
Exoneração política
Nesta terça-feira (10), o coordenador de combate ao trabalho escravo, André Esposito Roston, foi exonerado pelo Ministério do Trabalho. Roston desagradou o governo Temer após comentar publicamente o efeito da falta de dinheiro para fiscalização contra o trabalho escravo.
O coordenador informou dados oficiais em audiência pública, realizada em agosto, sobre a falta de recursos à época para a continuidade das ações. Segungo ele, mais de R$ 1,7 milhão destinados à fiscalização do trabalho escravo já estava comprometido, restando apenas R$ 6.630,00 para o restante do ano, mesma informação do estudo do Inesc citado acima.
Questionada sobre a exoneração de Roston, a professora da PUC-SP ressaltou o caráter político de tal decisão.
“A exoneração do antigo chefe da divisão é uma medida absolutamente punitiva porque a exoneração não pode acontecer dessa forma. Essa ação mostra a falta de preocupação do governo com o trabalho escravo que, infelizmente, é uma das piores chagas no país”, concluiu.
Em resposta à decisão, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e entidades da sociedade civil, do setor empresarial e de instituições públicas divulgaram aa terça-feira (10) uma nota de repúdio à exoneração de Roston.
"Além de ter desagradado o Governo Federal ao informar a falta de recursos para o combate ao trabalho escravo em audiência pública realizada no Senado Federal, André Roston foi dispensado justamente durante a negociação de votos na Câmara dos Deputados para barrar a nova denúncia contra o Presidente da República Michel Temer", apontou a nota.
As entidades reforçam que a exoneração compromete a erradicação do trabalho escravo e "revela a inexistência de vontade política e o descompromisso do atual Governo com o enfrentamento do problema". Confira a nota na íntegra no final do texto.
Regras para o trabalho na condição de aprendiz
A partir dos 14 anos, adolescentes podem trabalhar na condição de aprendiz, com contrato de trabalho e condições específicas. Dezesseis anos é a idade mínima para ingressar no mercado de trabalho. O trabalho para adolescentes entre 16 e 18 anos não pode ser noturno, perigoso, insalubre (que prejudique a saúde), prejudicial para a formação e para o desenvolvimento físico, psicológico, moral e social, ou em locais e horários que prejudiquem a frequência na escola, segundo informações do Brasil de Fato.
"Nota de repúdio à exoneração do chefe da divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho"
Nós, membros e representantes de entidades da sociedade civil, do setor empresarial e de instituições públicas comprometidas com o combate ao trabalho escravo, manifestamos nossa indignação e repúdio com a exoneração do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), André Esposito Roston, publicada no Diário Oficial da União de 10 de outubro de 2017.
Segundo informações veiculadas pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, além de ter desagradado o Governo Federal ao informar a falta de recursos para o combate ao trabalho escravo em audiência pública realizada no Senado Federal, André Roston foi dispensado justamente durante a negociação de votos na Câmara dos Deputados para barrar a nova denúncia contra o Presidente da República Michel Temer.
No atual cenário de instabilidade política e de retrocessos sociais, o Governo ignora a diretriz de permanente avanço no combate ao trabalho escravo imposta pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (que recentemente condenou o Brasil em um caso de trabalho escravo) e arruína uma política pública até então assumida como prioritária pelo Estado brasileiro. A fiscalização é a base do sistema de combate a esse crime. E, sem uma fiscalização confiável não há como produzir informação para subsidiar as ações da sociedade civil e do setor empresarial.
Testemunhas do trabalho sério, engajado e transparente realizado pela coordenação do combate ao trabalho escravo, estamos convictos de que a exoneração compromete a erradicação dessa violação aos direitos humanos e revela a inexistência de vontade política e o descompromisso do atual Governo com o enfrentamento do problema.
Brasil, 10 de Outubro de 2017
Assinam:
Coordenação Geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo
Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho
Comissão Pastoral da Terra
Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
ONG Repórter Brasil
*Estagiária no Portal Vermelho
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