O programa de construção de submarinos transfere tecnologia, fortalece a indústria e deveria ser um modelo para o País.
Por Carlos Drummond*, na revista CartaCapital
Fotos: Wanezza Soares
Há quem pense que é desnecessário desenvolver tecnologia própria, mas é um erro, sublinha o contra-almirante Ferreira Marques
Em meio a uma crise sem precedentes, política, econômica e social, um programa da Marinha mostra que as melhores soluções são acessíveis em um país como o Brasil. Inspiradas no mais puro nacionalismo, no melhor sentido, enquanto os Poderes da República estão conluiados no projeto de entregar ao capital estrangeiro os bens mais preciosos da nossa terra.
Em uma análise por ora infelizmente acadêmica, a rota a seguir nas circunstâncias é a mesma já percorrida de forma descontínua pela própria nação nos períodos em que ensaiou o desenvolvimento, inspirou esperança ao seu povo e respeito aos estrangeiros.
A história mostra que, para seguir os melhores exemplos da experiência internacional bem-sucedida e dos próprios sucessos do passado, será indispensável:
1. Manter a soberania política e territorial e a incolumidade dos recursos materiais, os descobertos e aqueles por descobrir, em terra, no mar e nas bacias hidrográficas.
2. Investir na pesquisa e no desenvolvimento nacionais.
3. Proteger as conquistas científicas e tecnológicas da concorrência internacional.
4. Estabelecer estratégias inteligentes para a transferência de tecnologia.
5. Fortalecer as empresas nacionais.
6. Manter e aumentar o investimento público, entre outros encaminhamentos. Parte por determinação constitucional, parte por contingências históricas, a Marinha do Brasil concretiza em alto nível essas premissas no seu Programa de Desenvolvimento de Submarinos.
É a conclusão a que se chega ao conhecer o Prosub, uma parceria com a França para a construção, no País, de quatro submarinos convencionais e um com propulsão nuclear.
Os submarinos interessam aos países por terem poder dissuasório, isto é, desestimulam o inimigo a atacar. Difíceis de detectar quando submersos, aproximam-se despercebidos do alvo e isso os torna especialmente temidos. Além disso, a ação antissubmarino é muito dispendiosa.
A área frontal arredondada (calote de 'vant') de um dos quatro submarinos convencionais em construção, feita com equipamento e mãe de obra nacionais
Só o fato de se ter uma força de submarinos eficiente é um fator poderoso de dissuasão. Duas vezes por dia, no entanto, eles ficam vulneráveis. É quando têm de emergir, ou ao menos estender até a superfície um tubo chamado snorkel para captar oxigênio.
Assim funcionam os equipamentos convencionais, com propulsão por motor elétrico alimentado a óleo diesel. Neles, o oxigênio do ar é indispensável à queima do óleo diesel, na função de comburente.
No caso dos submarinos com propulsão nuclear, o poder do equipamento aumenta substancialmente. O motor elétrico é acionado por um reator nuclear, dispensa comburente e o submarino pode operar submerso por tempo indeterminado, limitado à resistência da tripulação.
Nos Estados Unidos, definiu-se esse tempo em seis meses. Outra vantagem é a velocidade até seis vezes superior à do convencional. “Por possuírem fonte virtualmente inesgotável de energia e poderem desenvolver altas velocidades por tempo ilimitado, cobrindo rapidamente áreas geográficas consideráveis, os submarinos com propulsão nuclear são fatores de desbalanceamento entre forças navais antagônicas”, analisam os autores do livro Marinha do Brasil – Protegendo nossas riquezas, cuidando da nossa gente.
No complexo naval de Itaguaí, um dos quatro submarinos convencionais construídos em parceria com a estatal francesa DCNS, que inclui um contrato específico para transferência de tecnologia
Contar com esses equipamentos é essencial, portanto, à capacidade de defesa de patrimônios como o pré-sal. Os riscos a que estão expostos esse manancial e outros recursos são analisados pelo almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, em entrevista nesta edição.
Além do pré-sal, ao longo dos quase 7,5 mil quilômetros de extensão da costa brasileira há um imenso patrimônio de recursos minerais e de biodiversidade na chamada Amazônia Azul, com 4,5 milhões de quilômetros quadrados no Oceano Atlântico, o equivalente a mais da metade da superfície do País.
Nesses domínios foram identificados mais de 150 minerais com valor econômico, inclusive ouro, diamante e matéria-prima para a fabricação de chips e condutores de telecomunicação. As jazidas de carvão duplicam as reservas nacionais. A produção de 100 plataformas de petróleo corresponde a mais de 90% do total nacional. A descoberta do pré-sal catalisou investimentos também para as primeiras concessões de exploração mineral marinha.
A grande biodiversidade contém potencial econômico voltado para as áreas farmacêutica e cosmética. A Marinha monitora o 1,23 milhão de hectares das unidades de conservação em recifes e manguezais, para proteger os respectivos ecossistemas.
O elevador de navios e submarinos está pronto e deverá começar a funcionar neste ano, assim como alguns berços de atracação dos cais principal e auxiliar
O alto custo e o tempo necessário à construção de uma frota naval condizente com as necessidades de defesa da Amazônia Azul e de proteção da navegação civil só aumentam a importância específica do submarino de propulsão nuclear para o País. Dominar a tecnologia necessária ao projeto de construção desse equipamento é o objetivo do Programa Nuclear da Marinha, iniciado em 1979.
O PNM visa também a “capacitação do país no domínio do ciclo do combustível nuclear e no desenvolvimento de uma planta nuclear de geração de energia elétrica, inclusive a construção de um reator nuclear responsável pela propulsão do futuro submarino nuclear brasileiro”.
Segundo uma comparação feita por vários oficiais, tal operação equivale à situação de uma montadora que, além de fazer o projeto de um veículo, monta a estrutura para a sua produção e assegura o suprimento peças e insumos, e tivesse ainda de cuidar da prospecção, exploração e refino do petróleo para obtenção do combustível.
Entre os objetivos assumidos destaca-se, principalmente nestes tempos de desnacionalização acelerada e fragilização do País, o seguinte: “O Programa Nuclear da Marinha foi concebido e está sendo desenvolvido sob o compromisso de utilizar tecnologia totalmente nacional e independente”.
A construção do submarino com propulsão nuclear condiz com a envergadura e o potencial do País, mostra o comparativo Países Superlativos, publicado nesta reportagem. Só três nações – Brasil, Estados Unidos e Rússia –, além de figurarem entre as dez com as maiores áreas, populações e economias do planeta, possuem urânio e dominam todas as etapas tecnológicas para o uso pacífico da energia nuclear.
Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy assinam em 2009 um acordo para construir o primeiro submarino nuclear brasileiro
O comparativo não considera a perda de posição da economia brasileira desde a recessão de 2016 e 2017, considerada reversível.
A Marinha tem hoje cinco submarinos convencionais com propulsão diesel-elétrica, o mais antigo deles fabricado na Alemanha e os demais no País. O acordo de transferência de tecnologia entre Brasil e França para a fabricação do submarino nuclear, além de outros quatro convencionais, foi assinado pelos presidentes Lula e Nicolas Sarkozy em 2009, como parte da parceria iniciada no ano anterior, e integra a Estratégia Nacional de Defesa.
A França foi o único país a aceitar a transferência de tecnologia específica que envolve só as partes não nucleares e compreende a construção de um estaleiro e uma base naval em Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
A parceria Brasil-França inclui um acordo político, técnico e comercial, outro de cooperação e um contrato principal assinado entre a Marinha e o Consórcio Baía de Sepetiba, formado pela Empresa Estatal Francesa de Projeto e Construção Naval (DCNS), construtora Odebrecht e a Itaguaí Construções Navais.A última é uma sociedade de propósito específico, em que o governo federal é representado pela Marinha e possui uma ação simbólica (golden share) com poder de veto sobre eventuais decisões.
Segundo o Ministério da Defesa, o Prosub, além da importância evidente para a segurança nacional, é um dos maiores contratos internacionais já feitos pelo Brasil e o mais amplo programa de capacitação industrial e tecnológica na história da indústria da defesa brasileira.
Prevê, além da transferência de tecnologia francesa ao País, a nacionalização dos produtos e sistemas adquiridos em todas as fases do programa, desde a construção, no início, da fábrica de estruturas metálicas até a manutenção do submarino com propulsão nuclear.
Iniciado em 2011, o Programa de Nacionalização do Prosub tem como foco, no caso dos submarinos convencionais, a independência e autonomia dos processos de fabricação pela indústria brasileira. Engloba 104 subprojetos que constituem sistemas, equipamentos ou itens que integram o pacote de material.
A Marinha priorizou 64 subprojetos, levando em conta os aspectos estratégicos de conteúdo tecnológico a ser transferido à indústria nacional e as barreiras tecnológicas a serem suplantadas, entre outros pontos. Até o mês passado, foram visitadas mais de 200 empresas brasileiras convidadas a participar do programa como fornecedoras.
No complexo naval de Itaguaí, 65% das obras foram concluídas, comemora o capitão de fragata Lessa
No caso do submarino com propulsão nuclear estão previstas a obtenção, pela Marinha, de independência e autonomia para o projeto, construção e manutenção do submarino e a nacionalização de materiais, equipamentos e sistemas, à semelhança do estabelecido para as quatro unidades convencionais.
O processo de transferência de tecnologia “gera expressivo arrasto tecnológico no País”, sublinha a Marinha, que se desdobra na nacionalização de sistemas e equipamentos (no valor de, no mínimo, 100 milhões de euros), na pesquisa e desenvolvimento em parceria com universidades, envolve indústrias de alta tecnologia e o campo da medicina nuclear.
Propicia ainda um incentivo expressivo aos seguintes setores ligados à base industrial de defesa: eletrônica, engenharia naval, computação (softwares), mecânicas de precisão e pesada, optrônica, mecatrônica, eletromecânica, metalúrgica, química e nuclear. Merecem destaque ainda os benefícios indiretos à indústria naval brasileira e ao setor de plataformas de prospecção de petróleo off-shore nacionais.
Em Itaguaí, o complexo naval inclui uma Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas, estaleiros de construção e manutenção, uma base naval e um centro de instrução e adestramento para as tripulações dos submarinos, além de um complexo radiológico.
A Ufem, o prédio principal do estaleiro de construção, o pátio de manobra de submarinos e alguns berços de atracação dos cais principal e auxiliar estão concluídos. A unidade de fabricação e o estaleiro de construção deverão gerar 13,7 mil empregos diretos e 6,5 mil indiretos com o desenvolvimento do programa.
Um túnel de 703 metros de extensão a 14 de diâmetro liga as áreas norte e sul do estaleiro e base naval de Itaguaí
A edificação dos prédios para ativação de baterias do estaleiro de manutenção e para abrigar os simuladores do centro de instrução avança em ritmo acelerado. Perto de 65% das obras foram concluídas. O elevador começará a operar neste ano.
Na Ufem, o capitão de mar e guerra João Ricardo Lessa, gerente do setor nuclear, aponta para a área frontal arredondada, a calota de vant, de um dos quatro submarinos convencionais em construção: “As primeiras calotas foram feitas na França. Esta foi fabricada no Brasil, com utilização de uma prensa nacional e de mão de obra local”, diz.
O Riachuelo deverá ser lançado ao mar em julho, o Humaitá em setembro de 2020, o Tonelero em dezembro de 2021 e o Angostura, em dezembro de 2022. O lançamento do primeiro submarino nuclear está previsto para 2029. A previsão inicial era 2015 para o Riachuelo e 2021 para a conclusão dos outros três convencionais e do nuclear também.
“Agora há dinheiro, mas houve um período vegetativo em que ficamos sem recursos, entre 1999 e 2007. Antes disso, entre 1990 e 1992, e nos anos 1980, faltou dinheiro também, mas foram períodos pequenos. Em 2015 e 2016 houve novo corte.Dos 250 milhões de reais previstos, chegaram 100 milhões”, relata o contra-almirante André Luís Ferreira Marques, diretor de Desenvolvimento Nuclear da Marinha, que funciona no campus da USP e no Complexo de Aramar, em Iperó, no interior paulista:
As dúvidas de muitos quanto à capacidade científica, tecnológica e empresarial do País revelam-se sem fundamento diante dos avanços do programa da Marinha, mostram tanto a transferência de tecnologia exemplificada por Lessa quanto este relato de Ferreira Marques:
“Quando estiveram aqui, em 2008, no momento em que o Prosub começou a se delinear, os franceses disseram que estávamos no caminho certo. A reação deles diante do avanço brasileiro foi de respeito. Perceberam que estavam diante de uma equipe e um projeto diferenciados e se dispuseram a colaborar. Nós pensamos que, se não colaborassem, o tempo e o custo seriam outros, mas nós mesmos faríamos, não havia a menor dúvida quanto a isso”.
Na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra houve a vantagem tecnológica de o submarino de propulsão nuclear derivar de um amplo programa de investimentos em armamentos. Aqui, ao contrário, foi preciso construir tudo a partir do zero e exclusivamente para a produção desse equipamento.
A planta nuclear é, portanto, um projeto inteiramente da Marinha do Brasil e inclui de condensadores a geradores de vapor, bombas de resfriamento, pressurizadores, estruturas mecânicas do elemento combustível, elementos combustíveis de urânio e até mesmo o vaso do reator nuclear, além dos sensores de fluxo neutrônico e sistemas de controle de potência.
O programa nacional acumula avanços. No ano passado, o Brasil, que antes só vendia o minério bruto, começou a exportar urânio enriquecido para a Argentina, através das Indústrias Nucleares Brasileiras e com tecnologia da Marinha Brasileira.
Isso só é possível, explica Ferreira Marques, porque se fez uma parceria envolvendo inovações entre os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Defesa. “Essa exportação muda o patamar do País. Não somos só reservatório de minério, temos competência, inclusive, para vender combustível nuclear no exterior. Isso é interessante porque dá um recado a participantes desse mercado.
Os chineses, por exemplo, têm assediado vários países da América do Sul para lhes fornecer combustível nuclear. Nós dizemos: não precisa trazer da China, o nosso país faz”, sublinha o oficial.
O Programa Nuclear da Marinha tem investimentos programados de 2,2 bilhões de reais entre este ano e 2021, e compreende, além do desenvolvimento de sistemas de propulsão nuclear, um conjunto de laboratórios e meios para a realização de testes nos setores nuclear, mecânico e químico, entre outros.
São cerca de 2 mil engenheiros e técnicos (70% civis), entre eles 266 mestres e 69 doutores que operam em 25 laboratórios, na sede no campus da USP, na capital paulista e no Complexo de Aramar, em Iperó. Os parceiros são as maiores universidades do País e institutos de tecnologia, entre outros.
As conexões do Programa Nuclear da Marinha com o Prosub envolvem a produção de combustível nuclear e de sistemas de propulsão.
As ligações com o Programa Nuclear Brasileiro incluem as Indústrias Nucleares do Brasil, no que se refere às cascatas (ultracentrífugas em série) para a separação de isótopos, necessária ao enriquecimento de urânio; o Reator Multipropósito Brasileiro, para enriquecimento do urânio a 19,9% – utilizado na produção de radiofármacos – e a Eletronuclear, para testes de equipamentos e caracterização de materiais.
No complexo de Aramar destacam-se, entre outras instalações, a unidade de produção de hexafluoreto de urânio, metade em funcionamento e o restante com previsão de término de montagem em dezembro deste ano, e o Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene), onde se constrói o protótipo em terra do sistema de propulsão naval nuclear. “Até 2007, o Prosub era tocado basicamente pela Marinha.
O capitão de mar e guerra Miranda, o engenheiro Calvelo e o forno que França, Alemanha e EUA não quiseram vender e foi fabricado pela Marinha
Quando o presidente Lula, no dia 13 de julho daquele ano, visitou Aramar, viu o que se fazia aqui e concluiu que não estávamos longe dos objetivos. Programou recursos e saímos de uma dotação de 70 milhões de reais por ano para 300 milhões. Assim o Prosub floresceu e arrastou o Programa Nuclear da Marinha, e este só existe por causa daquele”, chama atenção o contra-almirante.
A diversidade produtiva e de verificações exigida pelo PNM gera o chamado arraste tecnológico, que consiste em benefícios para empresas e a sociedade. Esses “subprodutos”, digamos, incluem a realização de testes de itens de segurança para a Eletronuclear e o fornecimento de sistemas de separação isotópica para as Indústrias Nucleares Brasileiras.
Outro exemplo é a utilização, na usina de Três Gargantas, na China, de peças usinadas no complexo metalúrgico da Marinha em Itaguaí, a pedido de empresas brasileiras que participaram da obra.
Turbinas a vapor para cogeração de biomassa, fabricadas pela Siemens de Jundiaí para a Colômbia, foram testadas em Aramar, com os mesmos equipamentos usados para verificar o funcionamento daquelas próprias para uso nos submarinos (a alternativa da empresa era enviá-la à matriz, na Alemanha).
Há alguns meses, os engenheiros que projetaram instalações em Aramar, que, por exigência da Comissão Nacional de Energia Nuclear, são preparadas para terremotos, ajudaram a refazer o projeto da estação científica do governo federal no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco, situado em área sujeita a abalos sísmicos.
O Reator Multipropósito Brasileiro permitirá aumentar a capacidade de produção de radiofármacos, utilizados pela medicina nuclear para diagnóstico ou terapia, hoje fabricados principalmente pelo Ipen--USP, de 1957.
O aparato da Marinha em Aramar é utilizado também para testar sensores inerciais de plataformas de petróleo, vendidos propositalmente com defeito pelos fabricantes para impedir desvios de finalidade, a exemplo da sua utilização na construção de mísseis, explica Ferreira Marques. Sensores com defeito usados nas plataformas funcionam em condições normais, mas perdem a confiabilidade em situações climáticas extremas.
Técnicos da Petrobras acompanham as verificações e correções desses dispositivos em Aramar e recebem garantia e manual, como costuma acontecer na aquisição de um equipamento novo. “E depois o pessoal acha que a gente não precisa desenvolver tecnologia própria.
Tem de ter, tem de ter. Tecnologia própria e independência é o nosso lema”, sublinha Ferreira Marques. A frase, estampada nas paredes do complexo, foi cunhada pelo almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear e considerado o pai do Programa Nuclear Brasileiro.
A Marinha quis comprar da francesa Jeumont um motor para o protótipo de submarino, a empresa não quis saber, mas cedeu quando a brasileira WEG entrou na conversa
Preso na Operação Lava Jato e condenado a 43 anos de reclusão, o almirante está em liberdade desde a quarta-feira 11, no momento em que esta reportagem foi entregue para a impressão. “Tudo que tem em Aramar foi rascunhado pelo almirante Othon, até 1994. É inegável e é meritório”, diz Ferreira Marques.
A independência do Programa Nuclear da Marinha é posta à prova com frequência por vetos do governo dos Estados Unidos. Apesar do contrato assinado em 2007 com a Toho Tenax, uma das maiores fabricantes mundiais de fibra de carbono, o Departamento de Comércio estadunidense vetou a exportação, com o argumento de que poderia “ser prejudicial à segurança dos Estados Unidos”.
Em caso mais recente, a Marinha fez licitação para a fabricação de uma liga especial de prata, índio e cádmio, que serve para controlar a fissão nos reatores nucleares. O contrato não chegou a ser assinado, entretanto, porque a vencedora foi comprada por uma empresa dos EUA e o dono impediu a venda.
O PNM enfrenta restrições também em outros países. França e Alemanha, além dos EUA, não quiseram vender um forno para calcinação de trióxido de urânio, destinado à produção de concentrado puro de urânio. Apesar de o Brasil ser signatário dos tratados de uso pacífico de energia atômica, isso não garantiu o acesso ao equipamento produzido no exterior.
A resposta da Marinha a essas situações é produzir os itens com fornecimento bloqueado no exterior. A qualidade não é a mesma no início, mas a experiência acumulada em sucessivas substituições de importações interditadas costuma dar bons resultados. “No fim de agosto, nós fizemos com o Ipen o primeiro combustível metálico, que permite concentrar mais energia em menos volume. Não é qualquer país que faz isso”, chama atenção Ferreira Marques.
Quanto mais o Brasil e suas empresas confiam e investem no desenvolvimento próprio, maior o respeito no exterior e mais amplas as possibilidades de parcerias de igual para igual, em âmbito local e com os grupos estrangeiros também, mostra o exemplo a seguir.
A Marinha tentou comprar da francesa Jeumont Electrics um motor de propulsão para o protótipo de submarino, mas a empresa não quis conversa. Quando soube, entretanto, que havia conversas para encomendar o equipamento à WEG, sua concorrente brasileira respeitada mundialmente, a Jeumont imediatamente se disse interessada no negócio.
Em resposta ao suposto pagamento de propina a militares relacionados ao Prosub, noticiado em 18 de abril, a Marinha reiterou a esta revista desconhecer qualquer irregularidade envolvendo o Programa, bem como o “Almirante Braga”, misteriosa personagem de pura criação ficcional, citado nas reportagens.
O almirante Othon, pai do Programa Nuclear Brasileiro, libertado pela segunda vez de prisões determinadas pela Lava Jato
Segundo o setor de imprensa, “o Tribunal de Contas da União acompanha todo o desenvolvimento do Prosub desde o seu início, a pedido da Marinha do Brasil, por meio da realização de auditorias, e todas as orientações daquela Corte foram cumpridas. O plenário do TCU já emitiu e aprovou nove acórdãos, desde o início do Programa”.
Ainda sobre esse assunto, diz a nota do setor de imprensa: “Em reportagem veiculada no Jornal Nacional no mesmo dia 18, os executivos da Construtora Norberto Odebrecht Benedicto Júnior e Luiz Eduardo Soares delataram um esquema de suposto desvio na construção do submarino nuclear brasileiro para pagamento de propina, mas negaram a participação de qualquer integrante da Marinha do Brasil.
Destaca-se que a reportagem cita um suposto ‘Almirante Braga’, mas o referido oficial não existe nem na ativa nem na reserva da Marinha do Brasil”.
Percalços e contratempos à parte, o Prosub e o Programa Nuclear da Marinha poderiam muito bem inspirar uma retomada do dinamismo e do vigor vistos em outros momentos no País.
A frase “quem decide o destino do Brasil são os brasileiros”, pronunciada por alguns oficiais do Rio de Janeiro e de São Paulo, parece ser, ao mesmo tempo, o princípio, o guia de ação e o objetivo da ação de amplo escopo aqui documentada.
Em uma análise por ora infelizmente acadêmica, a rota a seguir nas circunstâncias é a mesma já percorrida de forma descontínua pela própria nação nos períodos em que ensaiou o desenvolvimento, inspirou esperança ao seu povo e respeito aos estrangeiros.
A história mostra que, para seguir os melhores exemplos da experiência internacional bem-sucedida e dos próprios sucessos do passado, será indispensável:
1. Manter a soberania política e territorial e a incolumidade dos recursos materiais, os descobertos e aqueles por descobrir, em terra, no mar e nas bacias hidrográficas.
2. Investir na pesquisa e no desenvolvimento nacionais.
3. Proteger as conquistas científicas e tecnológicas da concorrência internacional.
4. Estabelecer estratégias inteligentes para a transferência de tecnologia.
5. Fortalecer as empresas nacionais.
6. Manter e aumentar o investimento público, entre outros encaminhamentos. Parte por determinação constitucional, parte por contingências históricas, a Marinha do Brasil concretiza em alto nível essas premissas no seu Programa de Desenvolvimento de Submarinos.
É a conclusão a que se chega ao conhecer o Prosub, uma parceria com a França para a construção, no País, de quatro submarinos convencionais e um com propulsão nuclear.
Os submarinos interessam aos países por terem poder dissuasório, isto é, desestimulam o inimigo a atacar. Difíceis de detectar quando submersos, aproximam-se despercebidos do alvo e isso os torna especialmente temidos. Além disso, a ação antissubmarino é muito dispendiosa.
A área frontal arredondada (calote de 'vant') de um dos quatro submarinos convencionais em construção, feita com equipamento e mãe de obra nacionais
Só o fato de se ter uma força de submarinos eficiente é um fator poderoso de dissuasão. Duas vezes por dia, no entanto, eles ficam vulneráveis. É quando têm de emergir, ou ao menos estender até a superfície um tubo chamado snorkel para captar oxigênio.
Assim funcionam os equipamentos convencionais, com propulsão por motor elétrico alimentado a óleo diesel. Neles, o oxigênio do ar é indispensável à queima do óleo diesel, na função de comburente.
No caso dos submarinos com propulsão nuclear, o poder do equipamento aumenta substancialmente. O motor elétrico é acionado por um reator nuclear, dispensa comburente e o submarino pode operar submerso por tempo indeterminado, limitado à resistência da tripulação.
Nos Estados Unidos, definiu-se esse tempo em seis meses. Outra vantagem é a velocidade até seis vezes superior à do convencional. “Por possuírem fonte virtualmente inesgotável de energia e poderem desenvolver altas velocidades por tempo ilimitado, cobrindo rapidamente áreas geográficas consideráveis, os submarinos com propulsão nuclear são fatores de desbalanceamento entre forças navais antagônicas”, analisam os autores do livro Marinha do Brasil – Protegendo nossas riquezas, cuidando da nossa gente.
No complexo naval de Itaguaí, um dos quatro submarinos convencionais construídos em parceria com a estatal francesa DCNS, que inclui um contrato específico para transferência de tecnologia
Contar com esses equipamentos é essencial, portanto, à capacidade de defesa de patrimônios como o pré-sal. Os riscos a que estão expostos esse manancial e outros recursos são analisados pelo almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, em entrevista nesta edição.
Além do pré-sal, ao longo dos quase 7,5 mil quilômetros de extensão da costa brasileira há um imenso patrimônio de recursos minerais e de biodiversidade na chamada Amazônia Azul, com 4,5 milhões de quilômetros quadrados no Oceano Atlântico, o equivalente a mais da metade da superfície do País.
Nesses domínios foram identificados mais de 150 minerais com valor econômico, inclusive ouro, diamante e matéria-prima para a fabricação de chips e condutores de telecomunicação. As jazidas de carvão duplicam as reservas nacionais. A produção de 100 plataformas de petróleo corresponde a mais de 90% do total nacional. A descoberta do pré-sal catalisou investimentos também para as primeiras concessões de exploração mineral marinha.
A grande biodiversidade contém potencial econômico voltado para as áreas farmacêutica e cosmética. A Marinha monitora o 1,23 milhão de hectares das unidades de conservação em recifes e manguezais, para proteger os respectivos ecossistemas.
O elevador de navios e submarinos está pronto e deverá começar a funcionar neste ano, assim como alguns berços de atracação dos cais principal e auxiliar
O alto custo e o tempo necessário à construção de uma frota naval condizente com as necessidades de defesa da Amazônia Azul e de proteção da navegação civil só aumentam a importância específica do submarino de propulsão nuclear para o País. Dominar a tecnologia necessária ao projeto de construção desse equipamento é o objetivo do Programa Nuclear da Marinha, iniciado em 1979.
O PNM visa também a “capacitação do país no domínio do ciclo do combustível nuclear e no desenvolvimento de uma planta nuclear de geração de energia elétrica, inclusive a construção de um reator nuclear responsável pela propulsão do futuro submarino nuclear brasileiro”.
Segundo uma comparação feita por vários oficiais, tal operação equivale à situação de uma montadora que, além de fazer o projeto de um veículo, monta a estrutura para a sua produção e assegura o suprimento peças e insumos, e tivesse ainda de cuidar da prospecção, exploração e refino do petróleo para obtenção do combustível.
Entre os objetivos assumidos destaca-se, principalmente nestes tempos de desnacionalização acelerada e fragilização do País, o seguinte: “O Programa Nuclear da Marinha foi concebido e está sendo desenvolvido sob o compromisso de utilizar tecnologia totalmente nacional e independente”.
A construção do submarino com propulsão nuclear condiz com a envergadura e o potencial do País, mostra o comparativo Países Superlativos, publicado nesta reportagem. Só três nações – Brasil, Estados Unidos e Rússia –, além de figurarem entre as dez com as maiores áreas, populações e economias do planeta, possuem urânio e dominam todas as etapas tecnológicas para o uso pacífico da energia nuclear.
Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy assinam em 2009 um acordo para construir o primeiro submarino nuclear brasileiro
O comparativo não considera a perda de posição da economia brasileira desde a recessão de 2016 e 2017, considerada reversível.
A Marinha tem hoje cinco submarinos convencionais com propulsão diesel-elétrica, o mais antigo deles fabricado na Alemanha e os demais no País. O acordo de transferência de tecnologia entre Brasil e França para a fabricação do submarino nuclear, além de outros quatro convencionais, foi assinado pelos presidentes Lula e Nicolas Sarkozy em 2009, como parte da parceria iniciada no ano anterior, e integra a Estratégia Nacional de Defesa.
A França foi o único país a aceitar a transferência de tecnologia específica que envolve só as partes não nucleares e compreende a construção de um estaleiro e uma base naval em Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
A parceria Brasil-França inclui um acordo político, técnico e comercial, outro de cooperação e um contrato principal assinado entre a Marinha e o Consórcio Baía de Sepetiba, formado pela Empresa Estatal Francesa de Projeto e Construção Naval (DCNS), construtora Odebrecht e a Itaguaí Construções Navais.A última é uma sociedade de propósito específico, em que o governo federal é representado pela Marinha e possui uma ação simbólica (golden share) com poder de veto sobre eventuais decisões.
Segundo o Ministério da Defesa, o Prosub, além da importância evidente para a segurança nacional, é um dos maiores contratos internacionais já feitos pelo Brasil e o mais amplo programa de capacitação industrial e tecnológica na história da indústria da defesa brasileira.
Prevê, além da transferência de tecnologia francesa ao País, a nacionalização dos produtos e sistemas adquiridos em todas as fases do programa, desde a construção, no início, da fábrica de estruturas metálicas até a manutenção do submarino com propulsão nuclear.
Iniciado em 2011, o Programa de Nacionalização do Prosub tem como foco, no caso dos submarinos convencionais, a independência e autonomia dos processos de fabricação pela indústria brasileira. Engloba 104 subprojetos que constituem sistemas, equipamentos ou itens que integram o pacote de material.
A Marinha priorizou 64 subprojetos, levando em conta os aspectos estratégicos de conteúdo tecnológico a ser transferido à indústria nacional e as barreiras tecnológicas a serem suplantadas, entre outros pontos. Até o mês passado, foram visitadas mais de 200 empresas brasileiras convidadas a participar do programa como fornecedoras.
No complexo naval de Itaguaí, 65% das obras foram concluídas, comemora o capitão de fragata Lessa
No caso do submarino com propulsão nuclear estão previstas a obtenção, pela Marinha, de independência e autonomia para o projeto, construção e manutenção do submarino e a nacionalização de materiais, equipamentos e sistemas, à semelhança do estabelecido para as quatro unidades convencionais.
O processo de transferência de tecnologia “gera expressivo arrasto tecnológico no País”, sublinha a Marinha, que se desdobra na nacionalização de sistemas e equipamentos (no valor de, no mínimo, 100 milhões de euros), na pesquisa e desenvolvimento em parceria com universidades, envolve indústrias de alta tecnologia e o campo da medicina nuclear.
Propicia ainda um incentivo expressivo aos seguintes setores ligados à base industrial de defesa: eletrônica, engenharia naval, computação (softwares), mecânicas de precisão e pesada, optrônica, mecatrônica, eletromecânica, metalúrgica, química e nuclear. Merecem destaque ainda os benefícios indiretos à indústria naval brasileira e ao setor de plataformas de prospecção de petróleo off-shore nacionais.
Em Itaguaí, o complexo naval inclui uma Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas, estaleiros de construção e manutenção, uma base naval e um centro de instrução e adestramento para as tripulações dos submarinos, além de um complexo radiológico.
A Ufem, o prédio principal do estaleiro de construção, o pátio de manobra de submarinos e alguns berços de atracação dos cais principal e auxiliar estão concluídos. A unidade de fabricação e o estaleiro de construção deverão gerar 13,7 mil empregos diretos e 6,5 mil indiretos com o desenvolvimento do programa.
Um túnel de 703 metros de extensão a 14 de diâmetro liga as áreas norte e sul do estaleiro e base naval de Itaguaí
A edificação dos prédios para ativação de baterias do estaleiro de manutenção e para abrigar os simuladores do centro de instrução avança em ritmo acelerado. Perto de 65% das obras foram concluídas. O elevador começará a operar neste ano.
Na Ufem, o capitão de mar e guerra João Ricardo Lessa, gerente do setor nuclear, aponta para a área frontal arredondada, a calota de vant, de um dos quatro submarinos convencionais em construção: “As primeiras calotas foram feitas na França. Esta foi fabricada no Brasil, com utilização de uma prensa nacional e de mão de obra local”, diz.
O Riachuelo deverá ser lançado ao mar em julho, o Humaitá em setembro de 2020, o Tonelero em dezembro de 2021 e o Angostura, em dezembro de 2022. O lançamento do primeiro submarino nuclear está previsto para 2029. A previsão inicial era 2015 para o Riachuelo e 2021 para a conclusão dos outros três convencionais e do nuclear também.
“Agora há dinheiro, mas houve um período vegetativo em que ficamos sem recursos, entre 1999 e 2007. Antes disso, entre 1990 e 1992, e nos anos 1980, faltou dinheiro também, mas foram períodos pequenos. Em 2015 e 2016 houve novo corte.Dos 250 milhões de reais previstos, chegaram 100 milhões”, relata o contra-almirante André Luís Ferreira Marques, diretor de Desenvolvimento Nuclear da Marinha, que funciona no campus da USP e no Complexo de Aramar, em Iperó, no interior paulista:
As dúvidas de muitos quanto à capacidade científica, tecnológica e empresarial do País revelam-se sem fundamento diante dos avanços do programa da Marinha, mostram tanto a transferência de tecnologia exemplificada por Lessa quanto este relato de Ferreira Marques:
“Quando estiveram aqui, em 2008, no momento em que o Prosub começou a se delinear, os franceses disseram que estávamos no caminho certo. A reação deles diante do avanço brasileiro foi de respeito. Perceberam que estavam diante de uma equipe e um projeto diferenciados e se dispuseram a colaborar. Nós pensamos que, se não colaborassem, o tempo e o custo seriam outros, mas nós mesmos faríamos, não havia a menor dúvida quanto a isso”.
Na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra houve a vantagem tecnológica de o submarino de propulsão nuclear derivar de um amplo programa de investimentos em armamentos. Aqui, ao contrário, foi preciso construir tudo a partir do zero e exclusivamente para a produção desse equipamento.
A planta nuclear é, portanto, um projeto inteiramente da Marinha do Brasil e inclui de condensadores a geradores de vapor, bombas de resfriamento, pressurizadores, estruturas mecânicas do elemento combustível, elementos combustíveis de urânio e até mesmo o vaso do reator nuclear, além dos sensores de fluxo neutrônico e sistemas de controle de potência.
O programa nacional acumula avanços. No ano passado, o Brasil, que antes só vendia o minério bruto, começou a exportar urânio enriquecido para a Argentina, através das Indústrias Nucleares Brasileiras e com tecnologia da Marinha Brasileira.
Isso só é possível, explica Ferreira Marques, porque se fez uma parceria envolvendo inovações entre os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Defesa. “Essa exportação muda o patamar do País. Não somos só reservatório de minério, temos competência, inclusive, para vender combustível nuclear no exterior. Isso é interessante porque dá um recado a participantes desse mercado.
Os chineses, por exemplo, têm assediado vários países da América do Sul para lhes fornecer combustível nuclear. Nós dizemos: não precisa trazer da China, o nosso país faz”, sublinha o oficial.
O Programa Nuclear da Marinha tem investimentos programados de 2,2 bilhões de reais entre este ano e 2021, e compreende, além do desenvolvimento de sistemas de propulsão nuclear, um conjunto de laboratórios e meios para a realização de testes nos setores nuclear, mecânico e químico, entre outros.
São cerca de 2 mil engenheiros e técnicos (70% civis), entre eles 266 mestres e 69 doutores que operam em 25 laboratórios, na sede no campus da USP, na capital paulista e no Complexo de Aramar, em Iperó. Os parceiros são as maiores universidades do País e institutos de tecnologia, entre outros.
As conexões do Programa Nuclear da Marinha com o Prosub envolvem a produção de combustível nuclear e de sistemas de propulsão.
As ligações com o Programa Nuclear Brasileiro incluem as Indústrias Nucleares do Brasil, no que se refere às cascatas (ultracentrífugas em série) para a separação de isótopos, necessária ao enriquecimento de urânio; o Reator Multipropósito Brasileiro, para enriquecimento do urânio a 19,9% – utilizado na produção de radiofármacos – e a Eletronuclear, para testes de equipamentos e caracterização de materiais.
No complexo de Aramar destacam-se, entre outras instalações, a unidade de produção de hexafluoreto de urânio, metade em funcionamento e o restante com previsão de término de montagem em dezembro deste ano, e o Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene), onde se constrói o protótipo em terra do sistema de propulsão naval nuclear. “Até 2007, o Prosub era tocado basicamente pela Marinha.
O capitão de mar e guerra Miranda, o engenheiro Calvelo e o forno que França, Alemanha e EUA não quiseram vender e foi fabricado pela Marinha
Quando o presidente Lula, no dia 13 de julho daquele ano, visitou Aramar, viu o que se fazia aqui e concluiu que não estávamos longe dos objetivos. Programou recursos e saímos de uma dotação de 70 milhões de reais por ano para 300 milhões. Assim o Prosub floresceu e arrastou o Programa Nuclear da Marinha, e este só existe por causa daquele”, chama atenção o contra-almirante.
A diversidade produtiva e de verificações exigida pelo PNM gera o chamado arraste tecnológico, que consiste em benefícios para empresas e a sociedade. Esses “subprodutos”, digamos, incluem a realização de testes de itens de segurança para a Eletronuclear e o fornecimento de sistemas de separação isotópica para as Indústrias Nucleares Brasileiras.
Outro exemplo é a utilização, na usina de Três Gargantas, na China, de peças usinadas no complexo metalúrgico da Marinha em Itaguaí, a pedido de empresas brasileiras que participaram da obra.
Turbinas a vapor para cogeração de biomassa, fabricadas pela Siemens de Jundiaí para a Colômbia, foram testadas em Aramar, com os mesmos equipamentos usados para verificar o funcionamento daquelas próprias para uso nos submarinos (a alternativa da empresa era enviá-la à matriz, na Alemanha).
Há alguns meses, os engenheiros que projetaram instalações em Aramar, que, por exigência da Comissão Nacional de Energia Nuclear, são preparadas para terremotos, ajudaram a refazer o projeto da estação científica do governo federal no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco, situado em área sujeita a abalos sísmicos.
O Reator Multipropósito Brasileiro permitirá aumentar a capacidade de produção de radiofármacos, utilizados pela medicina nuclear para diagnóstico ou terapia, hoje fabricados principalmente pelo Ipen--USP, de 1957.
O aparato da Marinha em Aramar é utilizado também para testar sensores inerciais de plataformas de petróleo, vendidos propositalmente com defeito pelos fabricantes para impedir desvios de finalidade, a exemplo da sua utilização na construção de mísseis, explica Ferreira Marques. Sensores com defeito usados nas plataformas funcionam em condições normais, mas perdem a confiabilidade em situações climáticas extremas.
Técnicos da Petrobras acompanham as verificações e correções desses dispositivos em Aramar e recebem garantia e manual, como costuma acontecer na aquisição de um equipamento novo. “E depois o pessoal acha que a gente não precisa desenvolver tecnologia própria.
Tem de ter, tem de ter. Tecnologia própria e independência é o nosso lema”, sublinha Ferreira Marques. A frase, estampada nas paredes do complexo, foi cunhada pelo almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear e considerado o pai do Programa Nuclear Brasileiro.
A Marinha quis comprar da francesa Jeumont um motor para o protótipo de submarino, a empresa não quis saber, mas cedeu quando a brasileira WEG entrou na conversa
Preso na Operação Lava Jato e condenado a 43 anos de reclusão, o almirante está em liberdade desde a quarta-feira 11, no momento em que esta reportagem foi entregue para a impressão. “Tudo que tem em Aramar foi rascunhado pelo almirante Othon, até 1994. É inegável e é meritório”, diz Ferreira Marques.
A independência do Programa Nuclear da Marinha é posta à prova com frequência por vetos do governo dos Estados Unidos. Apesar do contrato assinado em 2007 com a Toho Tenax, uma das maiores fabricantes mundiais de fibra de carbono, o Departamento de Comércio estadunidense vetou a exportação, com o argumento de que poderia “ser prejudicial à segurança dos Estados Unidos”.
Em caso mais recente, a Marinha fez licitação para a fabricação de uma liga especial de prata, índio e cádmio, que serve para controlar a fissão nos reatores nucleares. O contrato não chegou a ser assinado, entretanto, porque a vencedora foi comprada por uma empresa dos EUA e o dono impediu a venda.
O PNM enfrenta restrições também em outros países. França e Alemanha, além dos EUA, não quiseram vender um forno para calcinação de trióxido de urânio, destinado à produção de concentrado puro de urânio. Apesar de o Brasil ser signatário dos tratados de uso pacífico de energia atômica, isso não garantiu o acesso ao equipamento produzido no exterior.
A resposta da Marinha a essas situações é produzir os itens com fornecimento bloqueado no exterior. A qualidade não é a mesma no início, mas a experiência acumulada em sucessivas substituições de importações interditadas costuma dar bons resultados. “No fim de agosto, nós fizemos com o Ipen o primeiro combustível metálico, que permite concentrar mais energia em menos volume. Não é qualquer país que faz isso”, chama atenção Ferreira Marques.
Quanto mais o Brasil e suas empresas confiam e investem no desenvolvimento próprio, maior o respeito no exterior e mais amplas as possibilidades de parcerias de igual para igual, em âmbito local e com os grupos estrangeiros também, mostra o exemplo a seguir.
A Marinha tentou comprar da francesa Jeumont Electrics um motor de propulsão para o protótipo de submarino, mas a empresa não quis conversa. Quando soube, entretanto, que havia conversas para encomendar o equipamento à WEG, sua concorrente brasileira respeitada mundialmente, a Jeumont imediatamente se disse interessada no negócio.
Em resposta ao suposto pagamento de propina a militares relacionados ao Prosub, noticiado em 18 de abril, a Marinha reiterou a esta revista desconhecer qualquer irregularidade envolvendo o Programa, bem como o “Almirante Braga”, misteriosa personagem de pura criação ficcional, citado nas reportagens.
O almirante Othon, pai do Programa Nuclear Brasileiro, libertado pela segunda vez de prisões determinadas pela Lava Jato
Segundo o setor de imprensa, “o Tribunal de Contas da União acompanha todo o desenvolvimento do Prosub desde o seu início, a pedido da Marinha do Brasil, por meio da realização de auditorias, e todas as orientações daquela Corte foram cumpridas. O plenário do TCU já emitiu e aprovou nove acórdãos, desde o início do Programa”.
Ainda sobre esse assunto, diz a nota do setor de imprensa: “Em reportagem veiculada no Jornal Nacional no mesmo dia 18, os executivos da Construtora Norberto Odebrecht Benedicto Júnior e Luiz Eduardo Soares delataram um esquema de suposto desvio na construção do submarino nuclear brasileiro para pagamento de propina, mas negaram a participação de qualquer integrante da Marinha do Brasil.
Destaca-se que a reportagem cita um suposto ‘Almirante Braga’, mas o referido oficial não existe nem na ativa nem na reserva da Marinha do Brasil”.
Percalços e contratempos à parte, o Prosub e o Programa Nuclear da Marinha poderiam muito bem inspirar uma retomada do dinamismo e do vigor vistos em outros momentos no País.
A frase “quem decide o destino do Brasil são os brasileiros”, pronunciada por alguns oficiais do Rio de Janeiro e de São Paulo, parece ser, ao mesmo tempo, o princípio, o guia de ação e o objetivo da ação de amplo escopo aqui documentada.
*Professor de Jornalismo. Bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas. Foi redator-chefe da Istoé, editor das revistas Senhor S.A., Executive News e Ícaro e colunista do Terra Magazine, do Portal Terra. Editou as seções de Economia das revistas Carta Capital e Senhor.
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