Foto: Valeriano Di Domenico
Faltam tempo, dinheiro ou lobistas para os participantes concretizarem as políticas que dizem apoiar?
Luiz Gonzaga Belluzzo*
Há alguns poucos anos, o Fórum Econômico Mundial abriu seus sesquipedais salões em Davos para simular o acolhimento de dúvidas e questionamentos a respeito da globalização, dúvidas que afligem os desglobalizados.
Nos anos 1990, os mesmos salões fervilhavam em orgiásticas celebrações do caráter benfazejo da globalização: 1. A homogeneização do espaço econômico e a submissão crescente das malfeitorias da política à racionalidade imposta pelo mercado. 2. A aproximação entre formas jurídicas, os estilos de vida e os padrões culturais dos povos.
Em seu desenvolvimento concreto, a busca de novas fronteiras de expansão impôs a intensificação da concorrência capitalista. Na contramão das superstições dos “economistas do mercado”, a intensificação da concorrência culminou na centralização dos capitais mediante a farra das fusões e aquisições. A centralização do poder em um grupo restrito de grandes empresas foi acompanhada da concentração da renda e da riqueza. No mesmo movimento, o encolhimento do espaço jurídico-político ocupado pelos Estados Nacionais debilitou a soberania popular.
O trabalho pioneiro de James Glattfelder – Decoding Complexity: Uncovering Patterns in Economic Networks – desvela de forma rigorosa a concomitância entre a constituição das cadeias globais de valor e a brutal centralização do controle da produção e da distribuição da riqueza em um núcleo reduzido de grandes empresas e instituições da finança “mundializada” que mantêm entre si nexos de dependência nas decisões estratégicas: 36% das grandes transnacionais detêm 95% das receitas operacionais de todas as 43 mil empresas transnacionais conhecidas.
Mais importante: os 737 principais acionistas têm o potencial de controlar 80% do valor destas empresas. Estes acionistas são principalmente instituições financeiras e fundos de investimento dos Estados Unidos e do Reino Unido. No texto “Defining Financialization”, o Roosevelt Institute aponta que os lucros no setor financeiro, que representavam menos de 10% do total dos lucros corporativos em 1950, cresceram para aproximadamente 30% em 2013. Em 1970, os cinco maiores bancos detinham 17% dos ativos bancários agregados, mas em 2010 passam a deter 52% (Dallas Fed).
O jogo da competitividade global aliou-se às novas normas de governança das empresas para concentrar o poder nas mãos dos acionistas e dos administradores da riqueza financeira. As empresas ampliaram expressivamente a posse dos ativos financeiros, não como reserva de capital para efetuar futuros investimentos fixos, mas como forma de alterar a estratégia de administração dos lucros acumulados e do endividamento.
O objetivo de maximizar a geração de caixa determinou o encurtamento do horizonte empresarial. A expectativa de variação dos preços dos ativos financeiros passou a exercer um papel muito relevante nas decisões das empresas. Os lucros financeiros superaram com folga os lucros operacionais. A gestão empresarial foi, assim, submetida aos ditames dos ganhos patrimoniais de curto prazo e a acumulação financeira impôs suas razões às decisões de investimento, aquelas geradoras de emprego e renda.
Nos países desenvolvidos, foram revertidas as tendências à maior igualdade – tanto no interior das classes sociais quanto entre elas – observadas no período que vai do fim da Segunda Guerra até meados dos anos 1970. Desenjaulada, a Coisa desembestou, liberando os impulsos mais profundos de sua natureza. Os bem-sucedidos acumulam “tempo livre” sob a forma de capital fictício (títulos que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza), enquanto para os mais fracos a “liberação” do esforço se apresenta como a ameaça permanente do desemprego, a crescente insegurança e precariedade das novas ocupações, a exclusão social.
Estudioso das desigualdades, o ex-economista do Banco Mundial Branko Milanovic borrifou maldades e ironias nas fatiotas dos bacanudos de Davos. “Como sabemos, os temas mais importantes de nossa época, a pobreza e a desigualdade, frequentam permanentemente as preocupações dos participantes. Infelizmente, eles não conseguem tempo ou dinheiro, talvez lobistas empenhados, para ajudar na consecução das políticas que dizem apoiar durante as sessões oficiais do evento. Por exemplo: aumentar os impostos que recaem sobre os rendimentos do 1% mais rico ou sobre grandes heranças...”
Pano Rápido.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor.
Fonte: CartaCapital
Fonte: CartaCapital
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