A vitória obtida pela Aliança País nas eleições deste domingo (2) confirma que o povo equatoriano soube discernir o que estava em jogo: a continuidade de um governo que marcou um antes e um depois na história contemporânea do Equador e o salto suicida no vazio, imitando a tragédia argentina.
Por Atílio Borón*, no Página 12
Divulgação
A vitória da Aliança Pais confirma que a luta continua e que aqui, nessa metade do mundo, um povo consciente tomou o futuro em suas mãos e disse “nenhum passo atrás”
Lenín Moreno e Jorge Glas representam a consolidação dos avanços alcançados em inúmeros campos da vida social durante dez anos sob a liderança de Rafael Correa; seu adversário, Guillermo Lasso, personificava o retorno da aliança social que tradicionalmente havia governado o Equador com as desastrosas consequências conhecidas por todos.
Um país com grandes maiorias nacionais secularmente submetidas a pobreza, com índices de desigualdade e exclusão econômica, social e cultural aberrantes. Uma nação vítima da insaciável voracidade de banqueiros e latifundiários que saqueavam impunemente a uma população que tinha como refém e que, em seu desenfrear, provocaram a mega crise econômica e financeira de 1999.
Em uma alardeada falsificação dos feitos históricos, a essa tremenda crise a chamaram, amavelmente, “feriado bancário”, apesar de que em seu turbilhão acabou com a moeda equatoriana, que foi substituída pelo dólar americano, e provocou um uma explosão de milhões de equatorianos que fugiram para o exterior para se salvarem da hecatombe.
São vários os fatores que explicam esse resultado alentador, para o Equador e toda a América Latina. Primeiro: as traumáticas lembranças de 1999 e o descaso com que os agentes sociais e forças política daquela crise – ninguém menos que Guillermo Lasso – propunham a adoção das mesmas políticas que a haviam originado. A candidatura da direita manifestou que ampliaria as margens de autonomia das forças de mercado, reduziria o gasto público e acabaria com a hidra de sete cabeças do suposto “populismo econômico”.
A política social seria reduzida, porque, sem dizer como, Lasso assegurava que criaria um milhão de novos empregos em quatro anos, mas não fez questão de incluir essa promessa no programa de governo que, como determina a legislação eleitoral, assinou perante um escrivão público. No terreno internacional, Lasso declarou que fecharia a sede da Unasul (a União das Nações Sul-Americanas), entregaria Julian Assange (o criador do WikiLeaks) às autoridades britânicas e se retiraria de acordos e organismos regionais como a Unasul, a Celac e a Alba.
Segundo, o intenso trabalho de campanha feito pela dupla Moreno-Glas, que permitiu estabelecer um vínculo profundo com a base social do “correismo” e realizar uma extenuante caravana que percorreu as 24 províncias do país, garantindo uma presença territorial e organizacional, cujos êxitos foram evidentes na hora de abrir as urnas. Outro fator explicativo, o terceiro, foi o apoio de Correa e seu notável esforço em garantir uma vertiginosa dinâmica governamental, na campanha oficial.
Se faltava algo para ratificar o caráter excepcional de sua liderança, era isso: uma vitória inédita na história equatoriana, quando nunca antes um governo havia sido reeleito ao mudar de candidato presidencial.
Somado a isso, há que se recordar que, no primeiro turno, a Alianza País havia obtido maioria absoluta dos deputados da Assembleia Nacional e que 55% dos cidadãos votaram a favor da proposta do governo de proibir que altos funcionários e governantes pudessem ter dinheiro investido em paraísos fiscais. Em outras palavras, apoio interno, institucional e na sociedade civil, não faltarão ao novo presidente.
Nos dias que antecederam ao pleito, predominava uma profunda preocupação nos círculos da aliança governista. As pesquisas não apontavam os resultados esperados e colocavam em questão o entusiasmo com que Moreno e Glas eram recebidos em todo o país. A campanha de terrorismo midiático foi de tal magnitude e baixaria moral, o quarto fator a se considerar, que fez com que o eleitor governista temesse se manifestar frente às perguntas dos pesquisadores.
As acusações lançadas contra Correa e Glas eram tão espalhafatosas quanto carentes de substância. A direita acusava nos meios de comunicações, mas se abstinha de levar as denúncias aos tribunais. Como disse um dos observadores na reunião com o pessoal da Creo-Suma: “não queremos fofocas, apresentem dados concretos”.
Nunca o fizeram. Fustigada e intimidada pela artilharia midiática (que contou com a colaboração ativa de alguns “colunistas” argentinos, agentes de propaganda a serviço das piores causas) e por ameaças veladas dos profetas da restauração, parte significativa dos eleitores, quando perguntados, se definiam como “indecisos” quando, na realidade, não estavam. A verdade veio à luz, em parte, no primeiro turno.
Em artigo anterior, se dizia que essa eleição seria a “batalha de Stalingrado”, porque do seu desfecho dependeria o futuro do Equador e da América Latina. Uma derrota daria munição à direita regional e aceleraria a modificação regressiva do mapa social e político sul-americano, fortalecendo os vacilantes governos da Argentina e do Brasil, protagonistas fundamentais do atual retrocesso político, e contrariando as teses de alguns analistas agourentos que se apressavam em decretar o “fim do ciclo progressista”, enquanto o suposto cadáver seguia respirando.
A vitória da Alianza Pais confirma que a luta continua, que os passos atrás experimentados em datas recentes se resumem a isso, que a velha marcha da história seguiria seu trabalho e que aqui, nessa metade do mundo, um povo consciente tomou o futuro em suas mãos e disse “nenhum passo atrás”. Como afirma Correa, fizemos muito, mas ainda ficou muito por fazer. Ter ganhado essa batalha crucial é uma grande notícia não só para os latino-americanos, mas também para todos os que, no resto do mundo, lutam para pôr fim à barbárie neoliberal. Viva, Equador!
Um país com grandes maiorias nacionais secularmente submetidas a pobreza, com índices de desigualdade e exclusão econômica, social e cultural aberrantes. Uma nação vítima da insaciável voracidade de banqueiros e latifundiários que saqueavam impunemente a uma população que tinha como refém e que, em seu desenfrear, provocaram a mega crise econômica e financeira de 1999.
Em uma alardeada falsificação dos feitos históricos, a essa tremenda crise a chamaram, amavelmente, “feriado bancário”, apesar de que em seu turbilhão acabou com a moeda equatoriana, que foi substituída pelo dólar americano, e provocou um uma explosão de milhões de equatorianos que fugiram para o exterior para se salvarem da hecatombe.
São vários os fatores que explicam esse resultado alentador, para o Equador e toda a América Latina. Primeiro: as traumáticas lembranças de 1999 e o descaso com que os agentes sociais e forças política daquela crise – ninguém menos que Guillermo Lasso – propunham a adoção das mesmas políticas que a haviam originado. A candidatura da direita manifestou que ampliaria as margens de autonomia das forças de mercado, reduziria o gasto público e acabaria com a hidra de sete cabeças do suposto “populismo econômico”.
A política social seria reduzida, porque, sem dizer como, Lasso assegurava que criaria um milhão de novos empregos em quatro anos, mas não fez questão de incluir essa promessa no programa de governo que, como determina a legislação eleitoral, assinou perante um escrivão público. No terreno internacional, Lasso declarou que fecharia a sede da Unasul (a União das Nações Sul-Americanas), entregaria Julian Assange (o criador do WikiLeaks) às autoridades britânicas e se retiraria de acordos e organismos regionais como a Unasul, a Celac e a Alba.
Segundo, o intenso trabalho de campanha feito pela dupla Moreno-Glas, que permitiu estabelecer um vínculo profundo com a base social do “correismo” e realizar uma extenuante caravana que percorreu as 24 províncias do país, garantindo uma presença territorial e organizacional, cujos êxitos foram evidentes na hora de abrir as urnas. Outro fator explicativo, o terceiro, foi o apoio de Correa e seu notável esforço em garantir uma vertiginosa dinâmica governamental, na campanha oficial.
Se faltava algo para ratificar o caráter excepcional de sua liderança, era isso: uma vitória inédita na história equatoriana, quando nunca antes um governo havia sido reeleito ao mudar de candidato presidencial.
Somado a isso, há que se recordar que, no primeiro turno, a Alianza País havia obtido maioria absoluta dos deputados da Assembleia Nacional e que 55% dos cidadãos votaram a favor da proposta do governo de proibir que altos funcionários e governantes pudessem ter dinheiro investido em paraísos fiscais. Em outras palavras, apoio interno, institucional e na sociedade civil, não faltarão ao novo presidente.
Nos dias que antecederam ao pleito, predominava uma profunda preocupação nos círculos da aliança governista. As pesquisas não apontavam os resultados esperados e colocavam em questão o entusiasmo com que Moreno e Glas eram recebidos em todo o país. A campanha de terrorismo midiático foi de tal magnitude e baixaria moral, o quarto fator a se considerar, que fez com que o eleitor governista temesse se manifestar frente às perguntas dos pesquisadores.
As acusações lançadas contra Correa e Glas eram tão espalhafatosas quanto carentes de substância. A direita acusava nos meios de comunicações, mas se abstinha de levar as denúncias aos tribunais. Como disse um dos observadores na reunião com o pessoal da Creo-Suma: “não queremos fofocas, apresentem dados concretos”.
Nunca o fizeram. Fustigada e intimidada pela artilharia midiática (que contou com a colaboração ativa de alguns “colunistas” argentinos, agentes de propaganda a serviço das piores causas) e por ameaças veladas dos profetas da restauração, parte significativa dos eleitores, quando perguntados, se definiam como “indecisos” quando, na realidade, não estavam. A verdade veio à luz, em parte, no primeiro turno.
Em artigo anterior, se dizia que essa eleição seria a “batalha de Stalingrado”, porque do seu desfecho dependeria o futuro do Equador e da América Latina. Uma derrota daria munição à direita regional e aceleraria a modificação regressiva do mapa social e político sul-americano, fortalecendo os vacilantes governos da Argentina e do Brasil, protagonistas fundamentais do atual retrocesso político, e contrariando as teses de alguns analistas agourentos que se apressavam em decretar o “fim do ciclo progressista”, enquanto o suposto cadáver seguia respirando.
A vitória da Alianza Pais confirma que a luta continua, que os passos atrás experimentados em datas recentes se resumem a isso, que a velha marcha da história seguiria seu trabalho e que aqui, nessa metade do mundo, um povo consciente tomou o futuro em suas mãos e disse “nenhum passo atrás”. Como afirma Correa, fizemos muito, mas ainda ficou muito por fazer. Ter ganhado essa batalha crucial é uma grande notícia não só para os latino-americanos, mas também para todos os que, no resto do mundo, lutam para pôr fim à barbárie neoliberal. Viva, Equador!
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*Atílio Borón é cientista político e socióloga argentino
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