Desastres levarão ao debate de 2018 o custo de ceder as escolhas do desenvolvimento aos magos da gestão racional
Por Saul Leblon, na Carta Maior
Saul Leblon
O esbulho que se impôs ao país como sinônimo de redenção moral e material – a grande frente do dinheiro com a vigarice e o conservadorismo – patina.
Com alguns dos principais personagens enredados na lambança que criticavam, em meio a renitentes sinais de desagregação econômica, a receita tropeça nos seus próprios termos.
Como um boxeador que esmurra o próprio queixo.
O queixo da economia, por exemplo, trincou.
Os golpes desferidos e os ensaiados são tão violentos que já romperam a própria blindagem de uma base política cujo instinto de sobrevivência dirige-se aos botes de salva-vidas, antes que se consuma o naufrágio de 2018.
A verdade é que o Governo do Dinheiro arruinou o Brasil.
O que emerge, em contornos cada vez mais nítidos, é uma desastrosa fuga para frente na qual apetites insaciáveis e candidatos a tornozeleira eletrônica combinam-se em um Projeto de Demolição Nacional.
Seu verdadeiro sentido é não ter projeto algum.
É na terra arrasada de salvaguardas regulatórias –leia-se, desprovida de normas que preservem os interesses das maiorias-- que pode prosperar a anacrônica agenda da restauração neoliberal almejada pelas elites locais e estrangeiras.
Recordes negativos se amarrotam na catraca de um jornalismo que mal consegue disfarçar a perplexidade diante do desastre que desautoriza hoje as manchetes otimistas do dia anterior.
Cantado em verso e prosa como o marco zero da recuperação, 2017 já ostenta uma coleção de recordes negativos desconcertantes.
É dele o pior janeiro do setor de serviços desde 2012.
E o pior janeiro em vendas de veículos novos desde 2006.
O pior janeiro em emplacamentos de caminhões novos desde 1997.
O pior janeiro dos supermercados de toda série histórica iniciada em 2001.
O pior fevereiro em transporte aéreo de passageiros desde 2013.
O pior fevereiro em lançamentos imobiliários na cidade de São Paulo desde 2006.
O pior fevereiro da história das contas pública, com déficit fiscal recorde.
O pior déficit da história do INSS em toda série iniciada em 2001.
E o pior trimestre (dezembro/fevereiro) da série histórica de desemprego do IBGE, desde 2001...
Assim por diante.
O que os leva a persistir numa receita em que o arrocho agrava a recessão, que derruba a receita e estoura as metas para o déficit fiscal, sem que a aliança carnal com a Febraban e o rentismo permita reduzir, de fato, o juro real, apesar de a inflação já ter recuado abaixo do centro da meta?
A motosserra conservadora, na verdade, foi acionada para outra coisa.
A prioridade real é ceifar os brotos do país menos desigual, mais independente e democrático semeados nos últimos doze anos.
Ainda que para isso seja preciso derrubar a floresta inteira e produzir um desmanche inédito, as conquistas e avanços sociais, salariais e políticos sedimentados nesse período são a prioridade.
Condenados como eles estarão suas cepas de origem.
Da CLT, do primeiro Vargas, ao BNDES, do seu segundo governo, passando pela Previdência e demais direitos universalizados na Carta Cidadã, de Ulisses Guimarães, de 1988.
O casco faz água diante da impopularidade dessa agenda e a baldeação nas fileiras aliadas impõe recuos quase diários.
No Nordeste, governadores –arrastados pelo povo-- já ensaiam uma frente pró- ‘Lula-2018’.
Mesmo assim, o gigantismo dos interesses empenhados no arrastão ‘reformista’ não pode ser subestimado.
Um passo necessário para enfrentar o colosso que se avoca a universalidade, a ética e a única alternativa ao ‘caos’, é desautorizar a fatalidade com um outro futuro.
Esse, por exemplo: ‘o futuro do Brasil é ser uma democracia social, não um anexo do sistema financeiro’.
Para isso deve servir a economia, o mercado e o sistema bancário.
Sobretudo, porém, para abrir um novo ciclo de desenvolvimento quando o anterior se esgotou, como é o caso, é preciso ouvir o povo.
Soa trivial.
Mas é a ruptura com a engrenagem que mastiga a nação nos dentes da fatalidade do arrocho.
Todas instâncias republicanas criadas com independência para impedir o rapto do Estado pelo interesse unilateral, perfilam hoje no mutirão antissocial e antinacional.
Do judiciário partidarizado, ao congresso capturado pela escória argentária, passando pela mídia oligopolizada, a voz que ecoa é sempre a do dinheiro, não a do povo.
As relações entre os dois lados nunca foram harmônicas.
Mas a contraposição atual contempla um agravante.
O poder desmesurado assumido pelo dinheiro na sua forma mais turbinada –a finança globalizada, a partir da qual todo capital age como capital estrangeiro em seu próprio país-- submete a agenda da sociedade a uma ditadura inédita dos mercados.
Se a democracia não der nomes aos bois, e reunir forças para devolve-los aos piquetes, será reduzida a um pasto de engorda desses interesses.
Essa é a prova crucial da luta pelo desenvolvimento em nosso tempo.
E a essência da encruzilhada brasileira.
Saber se a democracia é capaz de dizer ao dinheiro financeirizado que ele deve servir à sociedade e ao desenvolvimento.
Ou não servirá para nada.
Os ‘ajustadores’ vociferam o oposto.
O que eles informam diuturnamente à nação é que todas as instituições e arcabouços regulatórios --do congresso ao judiciário, passando pelas relações trabalhistas— devem ser colocados a serviço do arrocho.
Cada tijolo do alicerce nacional pode ser convocado a qualquer momento para o sacrifício da transfusão de ‘confiança aos mercados’
A insegurança é senhora. E a coação o seu idioma.
O subemprego reveste-se de virtude.
A instabilidade das famílias assalariadas é o novo normal.
A banca assegura dividendos recordes aos acionistas.
Mesmo cortando o crédito ao consumo e à produção.
Nutre-se nas tetas da dívida pública que nada mais é do que a contrapartida desmesurada da riqueza privada no país.
O conjunto dos escombros e ruínas define a tarefa central da resistência progressista hoje.
Qual seja, reconstruir os canais de decisão soberana da sociedade sobre o seu desenvolvimento.
Sem as ilusões.
A árdua tarefa de repactuar o futuro não garante um visto de ingresso no paraíso.
Trata-se, antes, de um desafio de arregimentação de forças e de negociação de pactos; portanto, de erguer linhas de passagem feitas de metas, prazos e ganhos na correlação de forças.
Mas não é pouco.
A brava Islândia, único país do mundo que na crise de 2008 recusou a salvar a banca em detrimento da população, fez até acordo com o FMI.
Mas saiu da crise menos desigual do que entrou.
Foi guiada por um pacto de futuro; escorou-se em plebiscitos e consultas populares; a sociedade pode discernir e separar, em cada passo, o negociável do intocável.
O oposto se deu nos EUA, para citar um exemplo reluzente de incapacidade da democracia de criar mecanismos para renovar o sistema econômico em favor do povo.
A desigualdade entre a base e o topo da pirâmide de renda norte-americana aumentou desde o colapso de 2008.
Houve forte corrosão na estrutura do emprego.
A confiança nas instituições e, portanto, no futuro, se estiolou.
Laços sociais e políticos se romperam.
Trump foi a resposta distorcida para uma expectativa de superação não contemplada pelos mecanismos de participação convencionais.
Por trás desses dois desfechos reverberam perguntas que o Governo do Dinheiro se avoca a prerrogativa de responder, mas que a democracia brasileira terá que tomar de volta para a sociedade.
Desenvolvimento para quem? Desenvolvimento para quê? Desenvolvimento como?
O desenvolvimento para a igualdade, a soberania, o bem-estar social e o equilíbrio ambiental requer uma poderosa fonte de excedente econômico, que gere os recursos necessários às promessas que ele encerra.
O setor que por sua capacidade de inovação e irradiação preenche os requisitos para esse salto ainda é a indústria.
Em um balanço recente, os economistas da Unicamp, Fernando Sarti e Célio Hiratuka, mostram que no Japão a proporção de gastos em P&D (inovação) na manufatura em relação ao setor de serviços é de 8 para 1.
Na Alemanha, de 6 por 1.
Na China, em 2011, para US$ 162 bilhões em gastos de P&D na manufatura, foram aplicados US$ 12 bilhões nos setores de serviços.
Nos EUA a relação é quase o dobro.
No Brasil, ao contrário, a tônica foi a brutal perda de dinamismo da indústria nos últimos anos.
Sua participação no PIB retrocedeu quase à metade, de cerca de 18% em meados dos anos 90, para apenas 9% agora.
Não é uma questão técnica.
Estamos no terreno das escolhas do futuro.
Estruturar um núcleo industrial reconciliado com a fronteira tecnológica, capaz de irradiar eficiência e produtividade para cadeias manufatureiras internas, é decisivo para pavimentar o chão firme capaz de sustentar os investimentos de uma verdadeira democracia social.
O pre-sal, a agricultura, a escala do mercado interno e o desafio ambiental credenciam o Brasil a um resgate industrializante que reconcilie o seu desenvolvimento com os ponteiros da história.
É uma tarefa política, insista-se. Nenhum impulso de mercado fará isso por nós.
Resgatar o elo perdido nas últimas décadas implica mexer com o juro obsceno que locupletou poucos e deslocou o investimento industrial para o rentismo.
Mas também com o câmbio, que mitiga a inflação às custas de um salto no coeficiente de importação industrial, transferindo demanda e empregos para o parque fabril chinês.
Nenhuma mudança acontecerá sem um Estado indutor e sem reverter a anemia do investimento público, garroteado pelo serviço de uma dívida pública que suga quase a metade da receita tributária.
A agenda do Governo do Dinheiro é o oposto.
Ela corrói os instrumentos públicos de coordenação do investimento (caso do esvaziamento do BNDES), privatiza e desmonta alavancas decisivas como a Petrobras e o pré-sal, desmonta sistemas e salvaguardas regulatórias, tanto de natureza social e trabalhista quanto ambiental, e subordina o destino da sociedade à ganancia viciosa da república rentista, da qual o Estado toma emprestado o recurso que deveria ser taxado.
A esse funeral da nação dá-se o nome de ‘consolidação fiscal’.
O véu espesso do noticiário cuida de sonegar a gravidade das escolhas em jogo com a ênfase na pauta da ‘corrupção’.
A dissimulação lubrifica a tese da inexorabilidade do arrocho.
Mais que isso.
Oculta o custo de uma captura do Estado pelo interesse financeiro, que atrofia a margem de decisão estratégica, levando o descrédito à política e às forças que se opõem à rendição neoliberal.
Explicitar esse conjunto de bloqueios –de natureza interna e externa, via liberação da conta de capitais-- é um requisito para devolver à democracia –ao povo— o poder hoje açambarcado pelo Governo do Dinheiro.
Essa é a preciosa fatia da soberania nacional que deve e pode ser resgatada.
Quem vê no capitalismo apenas um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca à supremacia financeira atual, subestimará a importância da mobilização democrática para devolver ao desenvolvimento a sua finalidade social.
Não se trata, porém, de um agenda retórica para um futuro hipotético.
Ela está em pauta desde agora, desde já.
Expressa-se na resistência de rua ao arrocho e nas mobilizações necessárias para consolidar o direito a uma candidatura progressista em 2018.
Com uma diferença incontornável em relação às campanhas eleitorais do passado.
A rua não poderá mais recuar.
E a escuta forte da sociedade por um novo governo progressista terá que ser a norma, não a exceção.
Não custa lembrar que esse talvez tenha sido o principal erro do ciclo de governos progressistas interrompido pelo golpe de 2016.
Com alguns dos principais personagens enredados na lambança que criticavam, em meio a renitentes sinais de desagregação econômica, a receita tropeça nos seus próprios termos.
Como um boxeador que esmurra o próprio queixo.
O queixo da economia, por exemplo, trincou.
Os golpes desferidos e os ensaiados são tão violentos que já romperam a própria blindagem de uma base política cujo instinto de sobrevivência dirige-se aos botes de salva-vidas, antes que se consuma o naufrágio de 2018.
A verdade é que o Governo do Dinheiro arruinou o Brasil.
O que emerge, em contornos cada vez mais nítidos, é uma desastrosa fuga para frente na qual apetites insaciáveis e candidatos a tornozeleira eletrônica combinam-se em um Projeto de Demolição Nacional.
Seu verdadeiro sentido é não ter projeto algum.
É na terra arrasada de salvaguardas regulatórias –leia-se, desprovida de normas que preservem os interesses das maiorias-- que pode prosperar a anacrônica agenda da restauração neoliberal almejada pelas elites locais e estrangeiras.
Recordes negativos se amarrotam na catraca de um jornalismo que mal consegue disfarçar a perplexidade diante do desastre que desautoriza hoje as manchetes otimistas do dia anterior.
Cantado em verso e prosa como o marco zero da recuperação, 2017 já ostenta uma coleção de recordes negativos desconcertantes.
É dele o pior janeiro do setor de serviços desde 2012.
E o pior janeiro em vendas de veículos novos desde 2006.
O pior janeiro em emplacamentos de caminhões novos desde 1997.
O pior janeiro dos supermercados de toda série histórica iniciada em 2001.
O pior fevereiro em transporte aéreo de passageiros desde 2013.
O pior fevereiro em lançamentos imobiliários na cidade de São Paulo desde 2006.
O pior fevereiro da história das contas pública, com déficit fiscal recorde.
O pior déficit da história do INSS em toda série iniciada em 2001.
E o pior trimestre (dezembro/fevereiro) da série histórica de desemprego do IBGE, desde 2001...
Assim por diante.
O que os leva a persistir numa receita em que o arrocho agrava a recessão, que derruba a receita e estoura as metas para o déficit fiscal, sem que a aliança carnal com a Febraban e o rentismo permita reduzir, de fato, o juro real, apesar de a inflação já ter recuado abaixo do centro da meta?
A motosserra conservadora, na verdade, foi acionada para outra coisa.
A prioridade real é ceifar os brotos do país menos desigual, mais independente e democrático semeados nos últimos doze anos.
Ainda que para isso seja preciso derrubar a floresta inteira e produzir um desmanche inédito, as conquistas e avanços sociais, salariais e políticos sedimentados nesse período são a prioridade.
Condenados como eles estarão suas cepas de origem.
Da CLT, do primeiro Vargas, ao BNDES, do seu segundo governo, passando pela Previdência e demais direitos universalizados na Carta Cidadã, de Ulisses Guimarães, de 1988.
O casco faz água diante da impopularidade dessa agenda e a baldeação nas fileiras aliadas impõe recuos quase diários.
No Nordeste, governadores –arrastados pelo povo-- já ensaiam uma frente pró- ‘Lula-2018’.
Mesmo assim, o gigantismo dos interesses empenhados no arrastão ‘reformista’ não pode ser subestimado.
Um passo necessário para enfrentar o colosso que se avoca a universalidade, a ética e a única alternativa ao ‘caos’, é desautorizar a fatalidade com um outro futuro.
Esse, por exemplo: ‘o futuro do Brasil é ser uma democracia social, não um anexo do sistema financeiro’.
Para isso deve servir a economia, o mercado e o sistema bancário.
Sobretudo, porém, para abrir um novo ciclo de desenvolvimento quando o anterior se esgotou, como é o caso, é preciso ouvir o povo.
Soa trivial.
Mas é a ruptura com a engrenagem que mastiga a nação nos dentes da fatalidade do arrocho.
Todas instâncias republicanas criadas com independência para impedir o rapto do Estado pelo interesse unilateral, perfilam hoje no mutirão antissocial e antinacional.
Do judiciário partidarizado, ao congresso capturado pela escória argentária, passando pela mídia oligopolizada, a voz que ecoa é sempre a do dinheiro, não a do povo.
As relações entre os dois lados nunca foram harmônicas.
Mas a contraposição atual contempla um agravante.
O poder desmesurado assumido pelo dinheiro na sua forma mais turbinada –a finança globalizada, a partir da qual todo capital age como capital estrangeiro em seu próprio país-- submete a agenda da sociedade a uma ditadura inédita dos mercados.
Se a democracia não der nomes aos bois, e reunir forças para devolve-los aos piquetes, será reduzida a um pasto de engorda desses interesses.
Essa é a prova crucial da luta pelo desenvolvimento em nosso tempo.
E a essência da encruzilhada brasileira.
Saber se a democracia é capaz de dizer ao dinheiro financeirizado que ele deve servir à sociedade e ao desenvolvimento.
Ou não servirá para nada.
Os ‘ajustadores’ vociferam o oposto.
O que eles informam diuturnamente à nação é que todas as instituições e arcabouços regulatórios --do congresso ao judiciário, passando pelas relações trabalhistas— devem ser colocados a serviço do arrocho.
Cada tijolo do alicerce nacional pode ser convocado a qualquer momento para o sacrifício da transfusão de ‘confiança aos mercados’
A insegurança é senhora. E a coação o seu idioma.
O subemprego reveste-se de virtude.
A instabilidade das famílias assalariadas é o novo normal.
A banca assegura dividendos recordes aos acionistas.
Mesmo cortando o crédito ao consumo e à produção.
Nutre-se nas tetas da dívida pública que nada mais é do que a contrapartida desmesurada da riqueza privada no país.
O conjunto dos escombros e ruínas define a tarefa central da resistência progressista hoje.
Qual seja, reconstruir os canais de decisão soberana da sociedade sobre o seu desenvolvimento.
Sem as ilusões.
A árdua tarefa de repactuar o futuro não garante um visto de ingresso no paraíso.
Trata-se, antes, de um desafio de arregimentação de forças e de negociação de pactos; portanto, de erguer linhas de passagem feitas de metas, prazos e ganhos na correlação de forças.
Mas não é pouco.
A brava Islândia, único país do mundo que na crise de 2008 recusou a salvar a banca em detrimento da população, fez até acordo com o FMI.
Mas saiu da crise menos desigual do que entrou.
Foi guiada por um pacto de futuro; escorou-se em plebiscitos e consultas populares; a sociedade pode discernir e separar, em cada passo, o negociável do intocável.
O oposto se deu nos EUA, para citar um exemplo reluzente de incapacidade da democracia de criar mecanismos para renovar o sistema econômico em favor do povo.
A desigualdade entre a base e o topo da pirâmide de renda norte-americana aumentou desde o colapso de 2008.
Houve forte corrosão na estrutura do emprego.
A confiança nas instituições e, portanto, no futuro, se estiolou.
Laços sociais e políticos se romperam.
Trump foi a resposta distorcida para uma expectativa de superação não contemplada pelos mecanismos de participação convencionais.
Por trás desses dois desfechos reverberam perguntas que o Governo do Dinheiro se avoca a prerrogativa de responder, mas que a democracia brasileira terá que tomar de volta para a sociedade.
Desenvolvimento para quem? Desenvolvimento para quê? Desenvolvimento como?
O desenvolvimento para a igualdade, a soberania, o bem-estar social e o equilíbrio ambiental requer uma poderosa fonte de excedente econômico, que gere os recursos necessários às promessas que ele encerra.
O setor que por sua capacidade de inovação e irradiação preenche os requisitos para esse salto ainda é a indústria.
Em um balanço recente, os economistas da Unicamp, Fernando Sarti e Célio Hiratuka, mostram que no Japão a proporção de gastos em P&D (inovação) na manufatura em relação ao setor de serviços é de 8 para 1.
Na Alemanha, de 6 por 1.
Na China, em 2011, para US$ 162 bilhões em gastos de P&D na manufatura, foram aplicados US$ 12 bilhões nos setores de serviços.
Nos EUA a relação é quase o dobro.
No Brasil, ao contrário, a tônica foi a brutal perda de dinamismo da indústria nos últimos anos.
Sua participação no PIB retrocedeu quase à metade, de cerca de 18% em meados dos anos 90, para apenas 9% agora.
Não é uma questão técnica.
Estamos no terreno das escolhas do futuro.
Estruturar um núcleo industrial reconciliado com a fronteira tecnológica, capaz de irradiar eficiência e produtividade para cadeias manufatureiras internas, é decisivo para pavimentar o chão firme capaz de sustentar os investimentos de uma verdadeira democracia social.
O pre-sal, a agricultura, a escala do mercado interno e o desafio ambiental credenciam o Brasil a um resgate industrializante que reconcilie o seu desenvolvimento com os ponteiros da história.
É uma tarefa política, insista-se. Nenhum impulso de mercado fará isso por nós.
Resgatar o elo perdido nas últimas décadas implica mexer com o juro obsceno que locupletou poucos e deslocou o investimento industrial para o rentismo.
Mas também com o câmbio, que mitiga a inflação às custas de um salto no coeficiente de importação industrial, transferindo demanda e empregos para o parque fabril chinês.
Nenhuma mudança acontecerá sem um Estado indutor e sem reverter a anemia do investimento público, garroteado pelo serviço de uma dívida pública que suga quase a metade da receita tributária.
A agenda do Governo do Dinheiro é o oposto.
Ela corrói os instrumentos públicos de coordenação do investimento (caso do esvaziamento do BNDES), privatiza e desmonta alavancas decisivas como a Petrobras e o pré-sal, desmonta sistemas e salvaguardas regulatórias, tanto de natureza social e trabalhista quanto ambiental, e subordina o destino da sociedade à ganancia viciosa da república rentista, da qual o Estado toma emprestado o recurso que deveria ser taxado.
A esse funeral da nação dá-se o nome de ‘consolidação fiscal’.
O véu espesso do noticiário cuida de sonegar a gravidade das escolhas em jogo com a ênfase na pauta da ‘corrupção’.
A dissimulação lubrifica a tese da inexorabilidade do arrocho.
Mais que isso.
Oculta o custo de uma captura do Estado pelo interesse financeiro, que atrofia a margem de decisão estratégica, levando o descrédito à política e às forças que se opõem à rendição neoliberal.
Explicitar esse conjunto de bloqueios –de natureza interna e externa, via liberação da conta de capitais-- é um requisito para devolver à democracia –ao povo— o poder hoje açambarcado pelo Governo do Dinheiro.
Essa é a preciosa fatia da soberania nacional que deve e pode ser resgatada.
Quem vê no capitalismo apenas um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca à supremacia financeira atual, subestimará a importância da mobilização democrática para devolver ao desenvolvimento a sua finalidade social.
Não se trata, porém, de um agenda retórica para um futuro hipotético.
Ela está em pauta desde agora, desde já.
Expressa-se na resistência de rua ao arrocho e nas mobilizações necessárias para consolidar o direito a uma candidatura progressista em 2018.
Com uma diferença incontornável em relação às campanhas eleitorais do passado.
A rua não poderá mais recuar.
E a escuta forte da sociedade por um novo governo progressista terá que ser a norma, não a exceção.
Não custa lembrar que esse talvez tenha sido o principal erro do ciclo de governos progressistas interrompido pelo golpe de 2016.
Ao subestimar o papel central da organização popular, ele se tornou refém dos interesses descomunais incrustrados na representação política formal.
Essa que agora opera para subordinar integralmente o Estado ao mercado, assumindo-se como um Governo do Dinheiro, com uma agenda de demolição nacional.
Fonte: Carta Maior
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