segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Marina Silva é produto de quê? Do Consenso de Washington Cultural?

 

Elias Jabbour *

 
 
 
O “mercado de ideias” pulula. Todos querem dar uma explicação meio que científica para o fenômeno Marina Silva. Os mais rastaqueras a querem comparar com Collor e Jânio. Coitado dos dois. Ela é muito pior. Mas, afinal de contas do que ela é produto? 
 
 
 
 
Minha opinião é que seu desempenho nas pesquisas confirmam uma necessária condição objetiva a um fenômeno mundial e que ganha contornos próprios no Brasil. Ser reacionário virou moda e as manifestações de junho do ano passado tornaram-se uma condição subjetiva a esta onda Marina. Evidente que não existem mais condições para um Carlos Lacerda ou um Bolsonaro galvanizar essa coisa toda. Tudo hoje demanda uma face humana, inclusive o imperialismo (Obama). E Marina Silva reúne essas condições. Ela é a objetividade do processo.

Numa análise mais de fundo. Percebemos que és produto de algo muito mais profundo. A agenda imposta à esquerda latino-americana na década de 1990. Diante da falência de projetos revolucionários, patrióticos e desenvolvimentistas, o próprio imperialismo tratou de elaborar um consenso em torno de questões, que eu chamo de “politicamente corretas”. Um Consenso de Washington Cultural reuniu bilhões de dólares para financiar lideranças e pesquisas sobre temas como o meio-ambiente, gênero, raça, psicanálise, agricultura familiar, rock de tipo eletrônico e ideias-força como globalização e neoliberalismo. É o lodo da relativização e da pós-modernidade. A subversão de uma teoria do conhecimento baseada na objetividade histórica para outra sob suporte do relativismo positivista.

A decadência econômica provocada pelo banditismo neoliberal em nosso continente também serviu para a proliferação de culturas estranhas ao nosso habitat. Igrejas pentecostais de matriz anglo-saxônica invadiram nosso território. Junta-se essa coisa toda com o Consenso de Washington Cultural e a uma religião legitimadora do “salve-se quem puder”, o resultado é um caldo ultrarreacionário onde falar em projeto nacional, nação, Estado, desenvolvimento, forças armadas equipadas etc não passam de motivo de chacota numa academia onde as ciências sociais e humanas faliram há muito tempo. Marina Silva é produto, assim, de um estado da arte de completa subscrição das ciências sociais e humanas no Brasil. Onde tudo é objeto de estudo. Menos o Brasil e seu projeto de nação. 

Marina Silva comporta-se como um “messias”, arrogante. Acima do bem e do mal. Mas, ela é diferente de muitos dirigentes e militantes de determinados movimentos sociais que se julgam capazes de construir um mundo sobre esse que está aí. Não é à toa que a insígnia do “Outro Mundo é Possível” é música aos ouvidos àqueles que levam e tocam a vida financiados pelas fundações Ford e Rockefeller e hoje tem essa picareta da Neca Setúbal como símbolo de educadora.

Na economia não dá para esperar nada de diferente. Ou até pior do que combatíamos até um mês atrás. O que vem é neoliberalismo selvagem. Barbárie, arrocho e tudo mais capaz de justificar um baixo crescimento que possibilite a manutenção de uma Amazônia preservada. No fundo essa justificativa é mentirosa, não resiste a nenhum minuto de debate. Baixo crescimento, altas taxas de juros e câmbio dirigido pelo mercado é a receita para que a “preferência pela liquidez” tome de conta. Títulos da dívida pública continuarão sendo reserva de valor. E a terra também. Desde que a nossa agricultura tornou-se capitalista, a terra tornou-se um amplo ativo financeiro, uma forma liquida de acumulação de riqueza. Num ambiente macroeconômico não propício à produção, cortar árvore e cercar propriedade na fronteira agrícola da Amazônia é um baita negócio. Nos últimos dez anos, a terra nesta faixa do país valorizou-se em mais de 700%.

Marina Silva é produto do acúmulo de forças de uma corrente de pensamento e ação que ganhou muito dinheiro e musculatura política na década de 1990. Com uma forma politicamente correta de falar e tratar determinados temas, transformou artistas bonitinhos em alvo fácil para suas campanhas. Conquistar a classe média cult assim ficou fácil. É mais palatável um fascistinha de classe média como Guuilherme Fiúza do que um escrachadão como Diogo Mainardi. Vou confessar uma coisa: estava estranhando a possibilidade de uma figura que simboliza o Plano Real puro sangue fazer frente à Dilma. O que podia aparecer era o primeiro resultado concreto de bilhões de dólares de investimento do imperialismo em lideranças, “movimentos sociais” e “acadêmicos” postos no mercado. Marina Silva é isso. Mostra a gente que o outro lado também tem estratégia, tática e estão acumulando forças há muito tempo.



* Doutor e Mestre em Geografia Humana (FFLCH-USP). Professor Adjunto da FCE/UERJ. Membro do Comitê Central do PCdoB.

Nenhum comentário:

Postar um comentário