É chegada a hora de fortalecer uma nova narrativa que supere a do ajuste fiscal, a do corte no orçamento. Torna-se necessário contribuir para criar uma expectativa distinta, e isto se dá com medidas concretas orientadas para a retomada do crescimento. Mesmo que adequado ao novo cenário, é necessário fazer o resgate das principais propostas que levaram Dilma Rousseff à vitória em 2014.
Luciana Santos*
O cenário mundial das últimas semanas é marcado por acontecimentos de grande repercussão para a dinâmica internacional, e com impactos para povos e nações ao redor do mundo.
Os atentados terroristas ocorridos nos últimos dias em três capitais de distintas regiões do mundo – Beirute, Paris e Bamako –, bem como o atentado ao avião da companhia russa no Sinai, nos quais morreram centenas de pessoas inocentes, são um verdadeiro crime de lesa humanidade e a expressão do pior tipo de banditismo político. Expressamos nossa solidariedade às vítimas e a seus familiares.
Ações desta natureza são uma consequência direta da política de agressão das potências imperialistas sobre a Síria e as demais nações do Oriente Médio. Nos últimos anos, vários países dessa região foram desestabilizados, sob o pretexto da defesa da democracia e dos direitos humanos. Para fazer valer seus interesses, econômicos e estratégicos países como Estados Unidos, França, Turquia, Arábia Saudita e Israel têm adotado políticas e realizado ações que, direta ou indiretamente, favorecem o fortalecimento de grupos extremistas, como Al Qaeda e Estado Islâmico. A consequência principal de tais ações é a ampliação da militarização nas relações internacionais – o que merece nossa condenação. Reafirmamos, de igual modo, que a forma de combater o terrorismo se dá, dentre outros meios, pelo repúdio às políticas bélicas do imperialismo e pela defesa da paz e da soberania nacional.
Outro fato relevante da cena internacional deu-se às margens da Cúpula do G20, em Antália, Turquia: os mandatários do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizaram reunião, na qual a presidenta Dilma se fez presente. Na análise produzida destacam-se a continuidade da crise e a constatação de que os sinais de recuperação econômica não são sustentáveis. Tal diagnóstico realça a importância da coordenação do bloco dos BRICS, em reuniões como a do G20, onde defenderam uma agenda que priorize temas como investimentos em infraestrutura, redução da volatilidade nos mercados e a reforma do sistema financeiro internacional e monetário.
A reunião dos BRICS passou em revista o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que começará a funcionar em janeiro de 2016, bem como o Mapa do Caminho, projeto destinado à cooperação comercial, econômica e de investimentos, até 2020, que amplia a cooperação intrabloco. O fato relevante é que o BRICS continua ampliando seu protagonismo no cenário internacional, contribuindo para a formatação de uma ordem internacional em transição para um mundo multipolar.
Em nosso entorno estratégico, merece destaque a eleição na Argentina, da qual saiu vitorioso o candidato oposicionista, Mauricio Macri, eleito com um programa neoliberal e com respaldo das forças conservadoras daquele país. Ainda que seja cedo para uma análise mais detalhada de sua vitória, todos os sinais indicam que ela terá consequências negativas para a integração latino-americana, já que na campanha eleitoral o então candidato iniciou uma série de agressões contra a Venezuela, e defendeu sua suspensão do Mercosul. Trata-se de um fato importante que merece uma reflexão mais de fundo, pois esta é a primeira derrota eleitoral das forças progressistas desde a eleição em 1998 de Hugo Chávez.
A situação no Brasil também não deixa de ser complexa. Os onze meses que marcam o ano de 2015 têm se caracterizado por intensas disputas, e com fortes oscilações políticas. As forças conservadoras não deixaram de operar para derrubar o governo da presidenta Dilma.
Devemos destacar que a nossa tática partidária de lutar por uma ampla frente única contra o impeachment revelou-se correta até aqui. A articulação de um amplo movimento em defesa da democracia e dos preceitos democráticos tem mobilizado vários segmentos da sociedade e vem contribuindo com o refluxo da bandeira golpista do impeachment.
As importantes jornadas de rua organizadas pela Frente Brasil Popular, e pela Frente Povo Sem Medo, pelo movimento sindical, estudantil e de mulheres, levaram às ruas dezenas de milhares de pessoas em defesa da democracia e pela retomada do crescimento. Tais atos foram uma demonstração de força dos movimentos sociais e das forças políticas. Merecem ainda destaque a chamada “primavera das mulheres”, em luta contra a agenda conservadora no Congresso, e as ocupações dos estudantes nas escolas de São Paulo, desmascarando a política educacional do PSDB neste estado.
Desde o final de outubro, é possível notar um certo arrefecimento da crise política, condição indispensável para a melhora do ambiente econômico. A atuação da presidenta Dilma em liderar a reforma ministerial, bem como os esforços dirigidos a reforçar a articulação política no Congresso começaram a dar seus resultados.
O primeiro deles é uma mudança na postura da presidenta Dilma, que vem assumindo iniciativas de articulação política e capitaneou a reforma ministerial destinada à recomposição da base de apoio no Congresso Nacional. Soma-se a este fato o desgaste do presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, que a cada dia que passa se encontra mais isolado e com dificuldades para impor a agenda do impeachment.
Entre as vitórias obtidas nos últimos dias, uma possui uma importância especial: a aprovação, na Comissão Mista do Congresso, da lei que altera a meta fiscal de 2015. Com o novo texto, o Congresso autoriza a substituição do superávit de 1,13% do Produto Interno Bruto (PIB), por um déficit de aproximadamente R$119,9 bilhões, ou 2,08% do PIB – sendo que R$ 57 bilhões deste total estão destinados ao pagamento dos repasses atrasados do Tesouro aos bancos públicos. Os setores mais irresponsáveis da oposição buscaram obstruir essa votação com o intuito de levar o governo a ficar fora do estabelecido, e com isto fundamentar uma nova ação do impeachment. Adicionalmente, a última semana desarmou a chamada “pauta bomba”, com a aprovação da manutenção dos vetos da presidenta Dilma. Mesmo que por uma curta margem essas vitórias demonstraram um novo quadro de articulação da base no Congresso.
Ainda dentro do cenário político nacional, merece ser analisada a disputa que ocorre hoje em torno do PDMB. Tal Partido é uma força tradicionalmente localizada ao centro do espectro político brasileiro, congregando uma constelação de forças políticas regionais. O deslocamento do centro, da aliança com as forças conservadoras, foi o que permitiu em grande medida as vitórias que levaram Lula e Dilma à presidência da República. O movimento que ocorre hoje busca quebrar essa aliança que dá sustentação aos nossos governos.
A divulgação do documento Uma ponte para o Futuro, elaborado pela Fundação do PMDB, busca ser a base de um novo consenso nacional. Mas, na verdade, ele poderia ser denominado “uma ponte para o neoliberalismo”. O texto em questão propõe, entre outros temas, o fim das vinculações previstas na Constituição; término da política de indexação dos salários e benefícios da previdência; fim do regime de partilha no Pré-sal; adesão a acordos comerciais com os EUA, independentemente dos parceiros do Mercosul. É um documento que vai de encontro à própria memória do patrono da fundação do partido, doutor Ulysses Guimarães, que promulgou a Constituição Cidadã – que instituiu elementos do Estado de bem-estar social, conquistado em 1988.
Não obstante seja certo que a investida pelo impeachment sofreu reveses, ela não está derrotada. Mas o substancial é que devemos aproveitar o arrefecimento da crise política para avançarmos na adoção de medidas econômicas que contribuam para a retomada do crescimento.
Temos de ter ousadia para enfrentar a crise e superar a política de juros altos. De 2013 até hoje a taxa Selic dobrou com um crescimento de 7 pontos, sem, no entanto, reduzir a inflação – que neste ano poderá chegar à casa dos dois dígitos. Soma-se a isto a inutilidade de personificar o problema econômico. Não se trata de o ministro ser Joaquim Levy ou Henrique Meirelles, até porque a diretriz da política econômica quem determina é a presidenta Dilma. Hoje, precisamos de estabilidade política, redução de juros e de um elenco de outras medidas para a retomada do crescimento.
O momento é de guinada na política. É chegada a hora de fortalecer uma nova narrativa que supere a do ajuste fiscal, a do corte no orçamento. Torna-se necessário contribuir para criar uma expectativa distinta, e isto se dá com medidas concretas orientadas para a retomada do crescimento. Mesmo que adequado ao novo cenário, é necessário fazer o resgate das principais propostas que levaram Dilma Rousseff à vitória em 2014.
É neste espírito que celebramos a aprovação do texto–base para a repatriação, do exterior, de recursos de brasileiros – uma das medidas que compunham o ajuste fiscal, com a qual a União espera arrecadar entre 100 e 150 bilhões de reais, contribuindo para a constituição de fundos para os estados e municípios.
Adicionalmente, temos que adotar posturas para reanimar setores importantes da economia brasileira – com destaque para o setor industrial, que vem continuamente perdendo espaço na balança de exportação. Uma das chaves para reverter esse cenário é a adoção de uma política cambial consequente. Merece destaque o fato de nos últimos meses a depreciação ter chegado a 40%. Seus efeitos são positivos para a retomada da atividade industrial, pois a torna mais competitiva no exterior. É necessário, ao mesmo tempo, que a taxa de câmbio tenha certa estabilidade e diminua sua oscilação, permitindo algum nível de previsibilidade para o investidor deste setor.
Outra ação possível é a identificação de setores específicos que podem ter as alíquotas de importação elevadas, estimulando a produção nacional. Um caso concreto é o do setor do aço. Devido à existência de excesso de oferta, na atualidade quase 62,5% (1,5 milhão de toneladas) do aço plano usado para a fabricação, de carros, refrigeradores e na construção civil vêm de fora do país, e poderiam facilmente ser substituídos por aço produzido por empresas brasileiras.
Os setores de Petróleo e Gás, mesmo com todas as dificuldades no ambiente internacional, possuem condições de mobilizar toda uma cadeia produtiva em nível nacional. Somente entre 2010 e 2014 a Petrobras foi responsável por 8,8% do total dos investimentos realizados no país (algo em torno a 1,8% do PIB). No entanto, o Plano de Negócios e Gestão (PNG) sofreu uma redução de 33%, em comparação com o ano de 2014. O governo deve buscar formas de recompor as receitas da Petrobras para que flua a sua capacidade de mobilizar distintos setores da economia.
Devemos realizar um debate sério sobre a utilização, ou não, de nossas reservas cambiais – que hoje somam US$ 369 bilhões –, com o intuito de investir em algum setor estratégico da nossa economia.
Em uma outra frente, é necessário acelerar os acordos de leniência com os conglomerados empresariais envolvidos na operação Lava Jato. Estas empresas possuem capilaridade para dinamizar vários setores da economia.
Finalmente, destaco que para enfrentar esse conjunto de desafios é necessário que tenhamos um partido forte e organizado em todas as esferas do país para enfrentar os desafios de nossa época. O processo de conferências que estamos prestes a finalizar busca preparar o PCdoB para a batalha eleitoral de 2016. Construir um partido com a coragem de lutar pelo Brasil.
* Luciana Santos é presidenta nacional do PCdoB.
Intervenção da Abertura da reunião da Comissão Política Nacional (CPN) do PCdoB, realizada em 23 de novembro, na cidade de São Paulo.
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