Nesse período de mais de dez meses do segundo governo de Dilma Rousseff viveu-se uma incessante marca pendular, de marchas e contramarchas, sem um desfecho que levasse até mesmo a uma relativa normalidade política.
*Por Renato Rabelo
No entanto, o curso político deste mês de outubro – com manifestações mais amplas contrárias ao impeachment, intervenção do STF repondo os termos da legalidade, a reforma ministerial que criou novo clima, o próprio disparate jurídico que permeia o “novo” pedido de impedimento apresentado pelas forças conservadoras mais reacionárias e o afundamento político e moral do presidente da Câmara, parceiro primordial das forças anti-Dilma – tudo isso levou de forma convergente a atenuar a investida pelo impeachment.
O governo Dilma responde a outro contexto mais complexo e desafiador, de crises externa e interna, do que o período do ciclo político dos dez primeiros anos, iniciado em 2003.
Em grande medida os assinalados erros da presidenta foram resultantes de tentativas, principalmente desde 2011, para buscar novas respostas para continuar reforçando a linha de manter o desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social.
É preciso reconhecer que tem havido um grande esforço da presidenta Dilma, honesta e responsável, comprometida em avançar na transição para novo ciclo de desenvolvimento nacional com progresso social, democracia e soberania nacional.
Em contraste, tem sido da inteira responsabilidade da maioria da oposição, e a maior parte da “grande” mídia, a instrumentalização da crise, a exacerbação da situação econômica, incitando a desconfiança e o derrotismo, exploração de descontentamento de camadas da população, levando-as à exasperação. A oposição não tem apresentado nenhuma alternativa de projeto para o país, uma completa nulidade.
Fixou-se exclusivamente em gestionar arbitrariamente um “terceiro turno”, ausente de qualquer compromisso com as conquistas democráticas, tudo valendo pela sua volta ao governo da República. Em verdade sua alternativa consiste na lógica concreta, não mais disfarçada, do quanto pior, melhor, não só agindo para desconstruir o governo Dilma, mas, indo além para valer seus intentos, assumindo posições de desconstrução do país. O seu plano está vincado: descrédito e destituição da presidenta Dilma; desmoralização e criminalização do PT; crescente investida contra o ex-presidente Lula, tudo mobilizando de sua parte para impedir a volta do ex-presidente em 2018.
Entrementes diante de tal desiderato dedicado somente ao célere complô golpista, em íntimo conciliábulo com o presidente da Câmara, o efeito de tipo bumerangue se volta de cheio contra o próprio condutor – o PSDB, o seu presidente e seus acólitos. A sua base política e social, setores conservadores, grupos dominantes da economia e da própria mídia hegemônica e certas camadas da sociedade se deram conta que já estava minada a credibilidade do PSDB, agindo então pela sua sujeição a novo procedimento. Registra-se ultimamente um apelo sagaz para que o PSDB “comece tudo de novo” (Merval Pereira, porta voz da cúpula da Organizações Globo).
O efeito desse carão resultou no assim qualificado “novo” discurso do PSDB: rompimento com o presidente da Câmara, indicação de que não se somará agora em aprovar as denominadas “pautas bomba” no Congresso. Se for apenas um fingimento, seu descrédito ainda será maior.
Esse “novo” propósito, se praticado, não significa uma mudança de rumo do PSDB e seus aliados. Não! Pode-se dizer que realmente é uma flexão tática, pontual, para manter o seu objetivo estratégico – a destituição da presidenta da República, soberana e legalmente eleita. É mais um lance, aparentemente para “moralizar” o impeachment e seguir seus manda chuvas, num momento considerado por eles decisivo.
Hoje, mesmo diante do refluxo do impeachment, não se deve semear ilusões. O curso político atinge uma situação na qual a oposição persiste ainda em tramar em duas direções: primeiro, o impeachment da presidenta, apelando agora na tentativa de aliança com uma parte do PMDB; segundo, a cassação da presidenta e do seu vice, pela via judicial. Esperar ou mesmo impor a renúncia, sempre encontrou uma resposta antagônica, altiva e decidida da presidenta. A segunda direção está em um horizonte distante e mesclado de circunstâncias desconhecidas.
O que resta até aqui é a primeira direção. As condições resultantes deixam no ar um espectro, ou mais precisamente indicam uma tendência que converge para uma tentativa de encontrar um programa mínimo entre os diversos setores conservadores com poder. E reúne fundamentos nas ideias e propostas de seus intelectuais, economistas e acadêmicos, para formação de “novo consenso nacional” para “saída da crise”, proposta recentemente apregoada por Fernando Henrique Cardoso, que expressa opinião de outros lideres do PSDB. Mas, essa solução entre eles demanda o afastamento da presidenta Dilma e, requer para isso, o convencimento de pelo menos uma parte representativa do PMDB.
Evidente que FHC e companhia estão de olho no recente documento, “Uma ponte para o futuro”, apresentado pela Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, que servirá de debate no seio deste partido, sendo de pronto tão festejado e aclamado pela mídia hegemônica.
Assim tentam galvanizar um quase consenso entre a maioria da classe dominante brasileira, partindo do ponto de vista e de propostas: Abolir ou flexibilizar as vinculações orçamentárias inscritas na Constituição, para resolver de forma estrutural o deficit fiscal; fim da “superindexação” do salário mínimo e desvinculando-o do piso da previdência; a validade da negociação entre empresa-trabalhador, acima da CLT; volta do regime de concessões na exploração da camada do pré-sal e fim da exigência de conteúdo nacional. Além de questões relacionadas ao desmanche da importante integração continental soberana e das parcerias estratégica estabelecidas pelo Brasil, fora da imposição das potencias hegemônicas.
Esse “novo consenso” não é aplicado, segundo seus autores, em consequência da “inércia” e “paralisação” do governo Dilma. Mas, a realidade também é dita explicitamente: a presidenta é contra essas “mudanças”, que leva ao desmonte das conquistas sociais, da soberania e da democracia. Assim, em proveito da verdade transparece o que ela defende e sustenta, preservando conquistas básicas e históricas. Portanto, afastar a presidenta Dilma, além de ser um golpe na conquista democrática alcançada, estará em xeque múltiplas outras conquistas do Brasil atual, que exige maiores passos, como a concretização das reformas estruturais democráticas, para o avanço civilizacional do Brasil.
Neste momento de desmascaramento da ação golpista e de aparente trégua, o governo precisa firmar sua estratégia e retomar a iniciativa. Ter em conta tarefas prioritárias imediatas, salientado a consolidação da reforma ministerial, conduzida pela presidenta e concluir o ajuste fiscal, tornando possível a estabilidade política. Há uma crescente consciência de importantes personalidades e autoridades de que o centro de gravidade da crise é política, contaminando e artificializando todo conjunto. Até o ex-presidente norte-americano, Bill Clinton, declarou que há “poucos lugares no mundo” para ser tão otimista como no Brasil, em palestra recente em nosso país.
Há crescente consenso de que já deve estar na ordem do dia puxar o ritmo de retomada do crescimento da economia, com base em objetivos comuns: taxa de juros mais baixa, inflação controlada, câmbio competitivo – ponto favorável na situação econômica atual – quadro fiscal equilibrado. Destravar logo os investimentos em infraestrutura e na área de petróleo e gás.
É justo e oportuno que se amplie o debate de ideias sobre o caminho e objetivos econômicos, sobre a necessidade e a luta pelas reformas estruturais democráticas. É urgente ir em frente.
*Ex-presidente nacional do PCdoB
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