quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Desconstruindo os discursos econômicos que compramos



  
Em função do seu PIB nominal, o Brasil é considerado a 7ª economia mundial. Todavia, tem o 79º PIB per capita do mundo segundo um levantamento divulgado pela revista Global Finance Magazine, referente a 2015. Além disso, segundo dados da The Heritage Foundation, o Brasil tem apenas a 48° arrecadação per capita do mundo (2016), duas ou três vezes menor que a de países desenvolvidos.

O Brasil arrecada, em média, US$ 5 mil por pessoa (2016) com uma carga tributária de 34% do PIB. Esse é o recurso que municípios, estados e União têm para se manter, pagar salários e promover políticas públicas. Países como Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Canadá, Japão e Espanha arrecadam mais de US$ 10 mil por pessoa com uma carga tributária igual ou menor que a nossa.

Quando economistas ouvidos pela imprensa comercial usam o tamanho da carga tributária para exigir “retorno em serviços do Estado” e comparar o Brasil com outros países, via de regra, não informam esse dado fundamental.

Como pode essa diferença de arrecadação per capita? A variável do PIB é a que importa aqui, os países desenvolvidos têm economias mais diversificadas, logo, têm uma produção maior e mais valorizada. Ademais, temos uma grande população, um grande território e sérias desigualdades regionais.

Para ofertar serviços públicos como os dos países mencionados (note que não citei países escandinavos nem a Alemanha) teríamos que arrecadar duas ou três vezes mais impostos per capita. Com o perfil de economia atual, o Brasil, para isso, teria que ter uma carga tributária de mais de 100% do PIB. Isso mesmo.

É inequívoco que a eficiência do gasto público tem muito a se aperfeiçoar, que há desperdício e falta de gestão na administração pública, que reformas como a tributária e a política são urgentes, mas mágicas não existem. Usar a porcentagem da carga tributária em relação ao PIB para sustentar que o Brasil gasta mal é uma simplificação. Nossa carga tributária é mal distribuída (incide demasiadamente sobre consumo e serviços), injusta e regressiva (quem menos ganha e tem paga mais), mas mesmo se ajustada, para que os muito ricos passem a pagar mais impostos, sem mudanças no perfil dependente da nossa economia pouco iremos avançar.

Um projeto de país que não olhe para essas dinâmicas tende ao fracasso. A re-industrialização do Brasil é improtelável, bem como o fortalecimento da renda das famílias, impulsionando assim o principal motor da economia, o mercado interno. Para que isso ocorra, devemos nos pautar em dados e olhar para experiências exitosas no resto do mundo. A opinião pública hegemônica no campo econômico tem interditado algumas verdades que precisam ser ditas, dentre elas:

– Não temos a maior carga tributária do mundo (25° posição mundial no quesito).

– A corrupção que ocupa quase a totalidade dos noticiários não é a razão fundamental para a baixa qualidade ou inexistência de alguns serviços públicos.

– Nem todo serviço público é de baixa qualidade. Na saúde, por exemplo, os procedimentos de excelência estão no SUS. Na educação, a pesquisa de ponta e o ensino qualificado estão nas instituições públicas federais.

– Temos poucos servidores públicos comparado com o resto do mundo, algo em torno de 12% da força de trabalho empregada (OCDE). Cerca de três vezes menos servidores públicos do que em países desenvolvidos.

– A relação dívida pública/PIB não está entre as maiores do mundo, o Brasil está na 46° posição (2016) no mundo. Embora a tendência seja de crescimento da dívida, com a redução dos juros e retomada da atividade econômica esse se torna um problema contornável. O problema da dívida pública brasileira não é o seu tamanho, mas o pagamento dos juros que devem ser cobertos pelo superávit primário.

O discurso que prega a diminuição do Estado, privatizações e políticas de cortes não costuma dar luz às informações aqui expostas. Os vilões da vez são os servidores públicos e a gratuidade de direitos como educação e saúde. As experiências recentes no sul da Europa (Portugal, Espanha e Grécia) mostram que a austeridade não é o caminho, o próprio FMI reconheceu os limites das políticas de ajustes neoliberais.

A tese da redução pura e simples do Estado fere a inteligência e não se sustenta quando confrontada com os dados e com os casos de países que garantem serviços de qualidade e dignidade às suas populações. Mesmo assim, esse mantra encontra eco na classe média brasileira e em seus canais de debate. Daí o papel disruptivo de divulgar as informações aqui presentes e desmentir o discurso que atribui ao Estado o lugar da ineficiência e da corrupção.

*Gregório Durlo Grisa é professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul e pós-doutorando em Sociologia pela UFRGS – CNPQ.


 Fonte: Le Monde Diplomatique

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