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Jesus era comunista? Claro que era! Ele foi o "primeiro comunista"? Claro que não! No que o cristianismo se tornou depois de alguns séculos após o seu início no século I, é outra questão. Segundo os Evangelhos Canônicos - Lucas, Mateus, João, Marcos - e as epístolas de Paulo - bem como a maioria dos Evangelhos Apócrifos (que não entraram na Bíblia), que narram o que teriam sido as pregações de Jesus, ele defendeu com ardor a organização de um novo modo de vida baseado no compartilhamento dos bens dos membros do seu movimento entre si. Criticou duramente os ricos e poderosos daquela época e defendeu o pagamento IGUAL para horas diferentes de trabalho (parábola dos trabalhadores da vinha) Ora, Karl Marx definiu assim como deveria funcionar a relação entre trabalho e consumo na sociedade comunista: "de cada um segundo o seu trabalho a cada um segundo a sua necessidade". Fico imaginando quantos comunistas atuais se doem ao ler isso.
O cristianismo primitivo, entre o século I e IV, durante um longo tempo se organizou com base nesses princípios. Mais ainda, diferente de muitos "cristãos" de hoje, os cristãos primitivos agregavam para o seu movimento a "escória" da sociedade: pobres em geral, escravos, desencaminhados de todo tipo, entre homens e mulheres. E gente rica, para entrar, tinha que doar seus bens para a comunidade e viver comunitariamente.
Tem gente que se dói - à esquerda e à direita - pelo aplicação do termo "comunista" a Jesus. Ora, meus caros, de esquerda e de direita (especialmente os liberalóides defensores do capitalismo concentrador de renda/riqueza e gerador de miseráveis aos bilhões ao redor do mundo), a defesa de uma sociedade IGUALITÁRIA (comunista, portanto), remonta a PLATÃO, que por volta de 427 ANTES DE CRISTO, produziu o magnífico "República", na qual ele defendeu com todas as letras o fim da propriedade privada (entre os cidadãos atenienses). E muito antes dele, como sabemos todos - ao menos os que estudaram um pouquinho de história na vida - a história humana vivenciou uma longa fase, dezenas de milhares de anos, de COMUNISMO PRIMITIVO, existente ainda hoje nas sociedades indígenas da América e em regiões da África. Sociedades estruturadas na completa ausência de propriedade privada sobre meios de produção e socialização plena das colheitas, caça, pesca, coleta.
Especialmente em Lucas no evangelho "Atos dos Apóstolos', que tem como centro o modo de vida e de pensar dos primeiros cristãos, estão parábolas de grande crítica social bem como descritas a organização das primeiras comunidades cristãs no século I. Agora, claro, qualquer historiador mediano sabe que os Evangelhos foram escritos DÉCADAS depois do que teria sido a vida de Jesus. Porém, esses textos, ao menos nos primeiros dois séculos e meio, foram a base fundante dos diversos movimentos e comunidades cristãs, posto que existiam várias e o cristianismo primitivo não era exatamente UMA IGREJA, mas sim comunidades independentes e muitas vezes com interpretações teológicas distintas sobre um monte de coisas, inclusive sobre o caráter divino de Jesus.
O cristianismo se tornou mais pra frente religião do Estado Romano, do Império Romano e foi completamente transformado na sua essência social para servir como anteparo a um poder decadente e assim seguiu até o colapso final da civilização romana no final do século V. Na Idade Média, a nobreza feudal, donas das terras e os reis dos diversos reinos que foram organizados após o colapso romano, instrumentalizaram e foram instrumentalizados pelo clero católico para perpetuar seu poder e o cristianismo tornou-se uma correia de transmissão daqueles poderes ao povo, disseminando a apatia, a ideia de que era preciso sofrer em vida para garantir a salvação da alma. Excelente argumento para quem quer que o povo seja apenas uma massa inerte de trabalhadores.
No final do século XIX e início do século XX, Friederich Engels, parceiro de Karl Marx na construção do Socialismo Científico, ESTUDOU o cristianismo primitivo e publicou livros sobre o assunto, com um olhar bastante positivo para o movimento dos seguidores de Jesus de Nazaré. Uma coisa era olhar o cristianismo nos primórdios. Outra era analisar o papel da Igreja Católica como aliada das classes dominantes desde a Idade Média e até o século XIX e de lá para cá. Leiam parte do primeiro parágrafo do texto "Contribuição Para a História do Cristianismo Primitivo", publicado por Engels em 1895:
"A história do cristianismo primitivo oferece curiosos pontos de contato com o movimento operário moderno. Como este, o cristianismo era, na origem, o movimento dos oprimidos: apareceu primeiro como a religião dos escravos e dos libertos, dos pobres e dos homens privados de direitos, dos povos subjugados ou dispersos por Roma. Os dois, o cristianismo como o socialismo operário, pregam uma libertação próxima da servidão e da miséria; o cristianismo transpõe essa libertação para o Além, numa vida depois da morte, no céu; o socialismo coloca-a no mundo, numa transformação da sociedade. Os dois são perseguidos e encurralados, os seus aderentes são proscritos e submetidos a leis de exceção, uns como inimigos do gênero humano, os outros como inimigos do governo, da religião, da família, da ordem social. E, apesar de todas as perseguições, e mesmo diretamente servidos por elas, um e outro abrem caminho vitoriosamente."
Além de Engels, a notória militante Rosa de Luxemburgo e Karl Kautsky,militantes comunistas do Partido Social Democrata Alemão, se debruçaram com esmero para estudar o cristianismo primitivo e traçaram perfis semelhantes daquele movimento:avançado e igualitarista.
Pra galera da "esquerda" que se dói porque considera que COMUNISMO é apenas o sistematizado por Marx-Engels, ancorado no materialismo histórico-dialético, sugiro ESTUDAR os evangelhos (e os três teóricos acima, só pra ficar com algumas referências), antes de ficar tachando o Papa Francisco - e quem mais encontra em Jesus e no cristianismo primitivo fortes elementos comunizantes - de demagogo. O debate sobre se Jesus foi ou não uma figura histórica, real, é menos importante do que entender como funcionavam as comunidades cristãs primitivas, que eram reais, muito bem documentadas e progressivamente passaram a ter grande importância social e política. Por isso Engels, Rosa, Kautsky e um enorme número de historiadores se dedicam a entender aquela fase do movimento cristão. Para a galera da direita, sugiro fortemente repensar crenças e práticas e prestar mais atenção ao que o Papa Francisco chama de "cristãos de fachada", que, segundo ele, só ótimos para mostrar aos outros que acreditam em Jesus mas não fazem absolutamente nada para tentar mudar o mundo desgraçadamente desigual que nos cerca. E reparem que não estamos falando de dar esmola para pobre. Afinal, segundo o próprio papa, "São os comunistas que pensam como os cristãos".
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