Artigo de Magda Becker Soares - professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG
Discutir uma escola sem partido convoca evidenciar sua impossibilidade, e não só porque é mais uma tentativa de censura — neste caso, felizmente, das mais ineficazes, porque pretende calar aqueles cuja função, por atribuição da Constituição e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é formar crianças e jovens para a cidadania, de que são princípios fundamentais a liberdade de expressão e o desenvolvimento da criticidade; é uma impossibilidade (uma ingenuidade?) porque se constrói sobre pressupostos que não se sutentam.
Escola sem partido: a expressão remete inevitavelmente a partido político, embora se venha negando que seja esta a intenção. Escola sem partido seria a escola incontaminada por partidos políticos? Por algum dos 35 partidos que, surpreendentemente, o país tem hoje? Acredita-se que cada um desses 35 partidos defende próprias e exclusivas convicções sociais, políticas, morais, religiosas — defende uma “ideologia” — , e pretenda impô-la às escolas? Impossível.
Por outro lado, se sem partido se refere a posicionamentos pessoais de professores — sociais, políticos, morais, religiosos (ideológicos?) — a falácia está em supor que o ser humano é capaz de se manter “neutro” em suas interações, sejam sociais, sejam, como pretende a escola sem partido, pedagógicas. A proibição de “doutrinação” comete o equívoco de julgar que as convicções de um ser humano, neste caso o professor, só se manifestam pela palavra: supõe-se que, proibindo a palavra, fica proibida a “doutrinação”. Um equívoco, porque não são só as palavras que expressam convicções, mas o ser humano como um todo, que, ainda que tenha a palavra proibida, revela-se por seu modo de agir, de decidir, por seus comportamentos; pode-se até tentar calar o professor, mas não se calam as mensagens que ele comunica por meios não verbais, mesmo se tenta “censurar-se”. Impossível.
Além disso, há na educação básica em nosso país, atualmente, mais de 2 milhões de professores. É possível transformar tantas centenas de professores em robôs que se limitem a repetir conteúdos? como se também conteúdos pudessem ser “neutros”: é possível falar de forma “neutra” da escravidão? do Holocausto? das guerras? do terrorismo? da miséria do mundo? é possível levar a literatura aos alunos sem os textos, os livros, pois estes nunca são “neutros”? Impossível.
E mais: serão os alunos, os quase 50 milhões de alunos das escolas brasileiras, os seres passivos que supõe a Escola sem Partido, a “audiência cativa” que se deixa facilmente influenciar pelos professores? O que dizer então da indisciplina, que tão frequentemente os professores enfrentam? o que dizer dos movimentos estudantis que invadem as ruas, que ocupam as escolas? Impossível.
Escola sem partido? Só como ficção. Felizmente.
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* Artigo publicado originalmente pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da UFMG
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