A expansão do PIB no primeiro trimestre é ilusória e o governo Temer tem contribuído para minar as perspectivas de retomada da demanda.
Por Pedro Paulo Zahluth Bastos *
O resultado apresentado pelo IBGE para o Produto Interno Bruto do primeiro trimestre de 2017 foi comemorado pelo governo como sinal de que a austeridade e as reformas neoliberais estariam no caminho certo para assegurar a recuperação. Alguns analistas menos refinados, como Alexandre Schwartsman, chegaram inclusive a antecipar o resultado positivo em 2017 como “prova” de que a austeridade (fiscal, monetária e social) sequer pode ser responsabilizada por qualquer queda do PIB em 2015.
A questão deve ser analisada em três partes: 1) os dados apresentados sinalizam uma recuperação?; 2) São confiáveis?; 3) Qual a esperança e o impacto real da austeridade e das reformas neoliberais na demanda agregada?
Primeiro, o IBGE não apresentou uma recuperação cíclica da demanda agregada, mas um aumento circunstancial da oferta agropecuária, que cresceu 13,4%. Ironicamente, o Plano Safra, cuja preservação foi um dos motivos alegados pelos austeros para o impeachment de Dilma Rousseff, colabora tanto para este resultado positivo quanto São Pedro, que não dependeu de São Meirelles.
Ao contrário. A contribuição do governo Temer é negativa: o envolvimento no escândalo da Carne Fraca do ex-ministro da Justiça, Osmar Serraglio, prejudicará a pecuária no segundo trimestre, reforçando o papel da entressafra agrícola para uma provável retração do PIB setorial em relação ao primeiro trimestre.
Segundo: o dado positivo é pouco confiável, pois reflete a mudança metodológica do IBGE que levou a uma descontinuidade da série do maior setor, o de serviços. Não há como saber se o resultado de 0% para os serviços é o início da recuperação, pois o ex-presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, parece ter prestado o desserviço de acelerar o fim da série antiga para fins de propaganda do governo Temer, como o sindicato do IBGE sugeriu. Com isso, só deixaremos de comparar alhos com bugalhos no segundo trimestre.
Assim, lamentavelmente, pode ocorrer a situação esdrúxula, trimestre a trimestre de 2017, de observarmos o setor de serviços andar de lado ou até cair, enquanto apresentará recuperação em relação ao trimestre correspondente de 2016, cuja base é diferente e inferior do que aquela da nova metodologia de pesquisa. Aliás, os serviços retraíram 2,3% em março frente a fevereiro de 2017.
Terceiro: qual a esperança da austeridade e das reformas neoliberais para recuperar a demanda agregada? A ideia central é que o excesso de consumo prejudica a poupança. Torna-se necessário, portanto, cortar o consumo para aumentar a poupança e, por consequência, o investimento. A esperança é que a austeridade hoje trará a bonança amanhã.
Os austeros normalmente usam valores agregados como consumo e poupança, mas pregam a austeridade dos trabalhadores e do Estado, identificados ao consumo, para proteger os capitalistas, identificados à poupança. O argumento é que o excesso de consumo dos trabalhadores e de pressão dos cidadãos por consumo público prejudicam a poupança dos capitalistas, que investem menos e geram crescimento menor, prejudicando no futuro os próprios trabalhadores e os cidadãos dependentes de serviços e transferências do governo.
Qual o motivo do excesso de consumo? No fundo, a democracia. Ela é responsável pelo “populismo econômico” que prejudica a poupança, seja pelo aumento “artificial” do salário mínimo, seja pela alta do consumo público representado pelo gasto social e as transferências na forma de bolsas, pensões e aposentadorias. Logo, a irracionalidade consumista da democracia deve ser contida por regras escritas por tecnocratas neoliberais: economistas ligados a partidos conservadores, bancos, consultorias e instituições financiadas por empresários que “poupam”.
O problema é que o argumento de que a austeridade gera crescimento da poupança pública ou privada não para em pé. John Maynard Keynes chamou isto de paradoxo da poupança: quando todos querem poupar, a retração do gasto reduz a renda e, portanto, o valor da poupança corrente. A queda da receita fiscal também frustra a meta de poupança pública, e se o governo cortar gastos para acompanhar a receita menor, vai reduzir a renda e a poupança agregada ainda mais.
Paradoxalmente, é o crescimento do gasto que permite o aumento da poupança. Isto vale inclusive para o crescimento do consumo. Exceto em uma situação raríssima em que todos os recursos existentes estejam plenamente ocupados, o aumento da demanda de bens de consumo aumenta também a demanda de trabalhadores, de insumos e de bens de capital para investimento. À medida que a demanda corrente aumenta, a capacidade ociosa cai, elevando a poupança e os lucros, incentivando investimentos. Não surpreende que o consumo e o investimento caíram simultaneamente por vários trimestres e de novo em 2017 (-0,1% e -1,6).
Os neoclássicos austeros, ao contrário, partem de um “bolo” fixado em que uma fatia (o investimento) só pode aumentar se outra (o consumo) diminuir. Seu erro é que não há como afirmar que a economia está sempre em situação de pleno emprego de recursos. É por isso que o último bastião da noção de que a austeridade gera crescimento foi desmontado no mês passado, quando o principal proponente da ideia, o professor de Harvard Alberto Alesina, demonstrou o contrário.
Se austeridade não gera crescimento, pode ser que o objetivo dos que a propõe seja este por estarem desinformados, ou pode ser que não seja gerar crescimento, embora não possam admitir. Se não for o crescimento, o objetivo da austeridade pode ser exatamente o de trazer os efeitos que traz: distribuir ganhos para rentistas e empregadores, e prejuízos para trabalhadores e cidadãos carentes, sob o argumento que o aumento da poupança é prioridade para restaurar o crescimento.
É verdade que a austeridade tem um efeito tardio que amplia a capacidade de gasto dos portadores de títulos públicos: ela aumenta sua riqueza (e não a poupança corrente). Segundo o IPEA, o multiplicador do pagamento de juros é baixo, 0,71, mas seu efeito se acumula no tempo e muda na conjuntura. Quando os juros caem, portadores de títulos podem ser estimulados a transferir parte da riqueza financeira anabolizada pela austeridade para ativos reais, animando um pouco o gasto, suprema ironia, em consumo de luxo capitalista e em investimentos na compra e modernização de ativos públicos e privados vendidos na bacia das almas.
Não posso prever quando o PIB se recuperará sob efeito disto, da recomposição de estoques ou das exportações, a ponto de superar a contração do consumo dos trabalhadores e dos investimentos que os atendiam, assim como do gasto público. Posso garantir que, quando ocorrer, credores da dívida pública e economistas austeros vão dizer comprovada “cientificamente” a tese de que a recessão iniciada em 2015 resultou da queda de juros até outubro de 2012, e que a recuperação em algum momento de 2017 ou 2018 resultou da austeridade iniciada em 2015.
*É professor associado do Instituto de Economia da Unicamp
A questão deve ser analisada em três partes: 1) os dados apresentados sinalizam uma recuperação?; 2) São confiáveis?; 3) Qual a esperança e o impacto real da austeridade e das reformas neoliberais na demanda agregada?
Primeiro, o IBGE não apresentou uma recuperação cíclica da demanda agregada, mas um aumento circunstancial da oferta agropecuária, que cresceu 13,4%. Ironicamente, o Plano Safra, cuja preservação foi um dos motivos alegados pelos austeros para o impeachment de Dilma Rousseff, colabora tanto para este resultado positivo quanto São Pedro, que não dependeu de São Meirelles.
Ao contrário. A contribuição do governo Temer é negativa: o envolvimento no escândalo da Carne Fraca do ex-ministro da Justiça, Osmar Serraglio, prejudicará a pecuária no segundo trimestre, reforçando o papel da entressafra agrícola para uma provável retração do PIB setorial em relação ao primeiro trimestre.
Segundo: o dado positivo é pouco confiável, pois reflete a mudança metodológica do IBGE que levou a uma descontinuidade da série do maior setor, o de serviços. Não há como saber se o resultado de 0% para os serviços é o início da recuperação, pois o ex-presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, parece ter prestado o desserviço de acelerar o fim da série antiga para fins de propaganda do governo Temer, como o sindicato do IBGE sugeriu. Com isso, só deixaremos de comparar alhos com bugalhos no segundo trimestre.
Assim, lamentavelmente, pode ocorrer a situação esdrúxula, trimestre a trimestre de 2017, de observarmos o setor de serviços andar de lado ou até cair, enquanto apresentará recuperação em relação ao trimestre correspondente de 2016, cuja base é diferente e inferior do que aquela da nova metodologia de pesquisa. Aliás, os serviços retraíram 2,3% em março frente a fevereiro de 2017.
Terceiro: qual a esperança da austeridade e das reformas neoliberais para recuperar a demanda agregada? A ideia central é que o excesso de consumo prejudica a poupança. Torna-se necessário, portanto, cortar o consumo para aumentar a poupança e, por consequência, o investimento. A esperança é que a austeridade hoje trará a bonança amanhã.
Os austeros normalmente usam valores agregados como consumo e poupança, mas pregam a austeridade dos trabalhadores e do Estado, identificados ao consumo, para proteger os capitalistas, identificados à poupança. O argumento é que o excesso de consumo dos trabalhadores e de pressão dos cidadãos por consumo público prejudicam a poupança dos capitalistas, que investem menos e geram crescimento menor, prejudicando no futuro os próprios trabalhadores e os cidadãos dependentes de serviços e transferências do governo.
Qual o motivo do excesso de consumo? No fundo, a democracia. Ela é responsável pelo “populismo econômico” que prejudica a poupança, seja pelo aumento “artificial” do salário mínimo, seja pela alta do consumo público representado pelo gasto social e as transferências na forma de bolsas, pensões e aposentadorias. Logo, a irracionalidade consumista da democracia deve ser contida por regras escritas por tecnocratas neoliberais: economistas ligados a partidos conservadores, bancos, consultorias e instituições financiadas por empresários que “poupam”.
O problema é que o argumento de que a austeridade gera crescimento da poupança pública ou privada não para em pé. John Maynard Keynes chamou isto de paradoxo da poupança: quando todos querem poupar, a retração do gasto reduz a renda e, portanto, o valor da poupança corrente. A queda da receita fiscal também frustra a meta de poupança pública, e se o governo cortar gastos para acompanhar a receita menor, vai reduzir a renda e a poupança agregada ainda mais.
Paradoxalmente, é o crescimento do gasto que permite o aumento da poupança. Isto vale inclusive para o crescimento do consumo. Exceto em uma situação raríssima em que todos os recursos existentes estejam plenamente ocupados, o aumento da demanda de bens de consumo aumenta também a demanda de trabalhadores, de insumos e de bens de capital para investimento. À medida que a demanda corrente aumenta, a capacidade ociosa cai, elevando a poupança e os lucros, incentivando investimentos. Não surpreende que o consumo e o investimento caíram simultaneamente por vários trimestres e de novo em 2017 (-0,1% e -1,6).
Os neoclássicos austeros, ao contrário, partem de um “bolo” fixado em que uma fatia (o investimento) só pode aumentar se outra (o consumo) diminuir. Seu erro é que não há como afirmar que a economia está sempre em situação de pleno emprego de recursos. É por isso que o último bastião da noção de que a austeridade gera crescimento foi desmontado no mês passado, quando o principal proponente da ideia, o professor de Harvard Alberto Alesina, demonstrou o contrário.
Se austeridade não gera crescimento, pode ser que o objetivo dos que a propõe seja este por estarem desinformados, ou pode ser que não seja gerar crescimento, embora não possam admitir. Se não for o crescimento, o objetivo da austeridade pode ser exatamente o de trazer os efeitos que traz: distribuir ganhos para rentistas e empregadores, e prejuízos para trabalhadores e cidadãos carentes, sob o argumento que o aumento da poupança é prioridade para restaurar o crescimento.
É verdade que a austeridade tem um efeito tardio que amplia a capacidade de gasto dos portadores de títulos públicos: ela aumenta sua riqueza (e não a poupança corrente). Segundo o IPEA, o multiplicador do pagamento de juros é baixo, 0,71, mas seu efeito se acumula no tempo e muda na conjuntura. Quando os juros caem, portadores de títulos podem ser estimulados a transferir parte da riqueza financeira anabolizada pela austeridade para ativos reais, animando um pouco o gasto, suprema ironia, em consumo de luxo capitalista e em investimentos na compra e modernização de ativos públicos e privados vendidos na bacia das almas.
Não posso prever quando o PIB se recuperará sob efeito disto, da recomposição de estoques ou das exportações, a ponto de superar a contração do consumo dos trabalhadores e dos investimentos que os atendiam, assim como do gasto público. Posso garantir que, quando ocorrer, credores da dívida pública e economistas austeros vão dizer comprovada “cientificamente” a tese de que a recessão iniciada em 2015 resultou da queda de juros até outubro de 2012, e que a recuperação em algum momento de 2017 ou 2018 resultou da austeridade iniciada em 2015.
*É professor associado do Instituto de Economia da Unicamp
Fonte: Carta Capital
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