Para Ladislau Dowbor, há um mal-estar na sociedade que corre paralelamente com a desgovernança dos países. O mundo, como na Idade Média, volta a se cobrir de muros e arames farpados. Tudo tem relação com a voracidade do lucro e da rentabilidade.
Por Antônio de Paiva Moura*
Primeiro: No plano do meio ambiente, a destruição da vida no planeta; contaminação das águas, destruição da cobertura vegetal e liquidação da fauna. No momento que redijo este texto vem na tela a notícia de que o presidente dos EUA, Donald Trump, anuncia a saída de seu país do acordo de Paris. Ele alega que esse acordo é uma enganação da China para diminuir a força de seus concorrentes.
Segundo: A desigualdade crescente em progressão geométrica abala e fragiliza a economia no planeta. As oito famílias mais ricas do mundo têm mais rendas e bens que a metade da população mundial. É assustador o fato de 99% de a população mundial ter somente 1% (um por cento) da riqueza global.
Acontece que a camada subalterna da sociedade, composta por assalariados, profissionais autônomos, pequenos agricultores, jovens na expectativa de trabalhar, aposentados e desempregados, perdeu a capacidade de colocar em prática as políticas, a governança e a capacidade de decidir sobre o processo decisório. Então, para onde foi esse poder?
Para os grandes grupos de intermediação financeira. Para Dowbor, a economia é globalizada, mas o poder político é fragmentado entre as nações. O monopólio e os oligopólios crescem e dominam a produção de bens de capital e serviços. A advogada americana Karen Hudes, que trabalhou vinte anos no departamento jurídico do Banco Mundial, foi demitida por ter revelado corrupção nas organizações internacionais controladas pelo banco. Para ela, há uma “super-entidade” composta por um grupo de 147 organizações; uma colossal corporação que controla a metade da economia mundial e literalmente imune às leis de qualquer país. Um dos interesses do Banco Mundial é manter e aprofundar as dívidas internas e externas dos países. É, portanto, um poder oculto que atua nos subterrâneos.
Ortega y Gasset que não viveu na era da comunicação de massas nos oferece esclarecimento no sentido de compreender como nasce e se desenvolve o poder na sociedade contemporânea. O mando é o exercício normal da autoridade. O mandato se funda na opinião pública, hoje como há dez mil anos. A opinião pública é formada ao longo do tempo histórico: na vida em sociedade, na família, na igreja, no ambiente de trabalho, na escola e nos momentos livres dos indivíduos. Henri Mendras diz que as opiniões públicas são de uma estabilidade espantosa. Os comícios, os programas eleitorais, a propaganda massiva e repetitiva nos meios de comunicação não conseguem mudar opinião de ninguém. Apenas as opiniões que já estão prontas são reforçadas. Mas as opiniões são divergentes e múltiplas. O que levou parte da sociedade brasileira, em 1964, a apoiar o golpe militar foi o reforço da opinião já existente, de que o país ia ser dominado pelo comunismo e acabaria com o cristianismo. Como afirma Ortega y Gasset:
O homem-massa se considera no direito de ser vulgar. Não dá razão aos outros, mas se mostra decidido a dar sua opinião a todo instante e em qualquer lugar que se encontre. Impossibilitado de formar idéias concretas e razoáveis, apela para a violência como forma de solução. Na década de 1980 as opiniões contrárias se convergiram e colocaram fim ao regime ditatorial.
A restauração da democracia na América Latina, a partir da primeira década do corrente século, oportunizou a abertura dos governos à participação dos cidadãos, de maneira a promover políticas públicas com mais eficiência. Além do crescimento econômico, houve um aumento do IDH, índice de desenvolvimento humano. Em 2010 a ONU considerou o Brasil como de índice de desenvolvimento humano elevado, porque naquela década havia tido um crescimento de 24% do IDH. No mesmo período a renda per capita das famílias brasileiras cresceu 32%, passando de R$ 591,00 para R$ 783,00.
Apesar de as empresas que atuam no país terem aumentado enormemente a margem de lucro, ainda não estão satisfeitas. Para desmontar a democracia social vigente, passaram a comprar os representantes do povo nos três poderes constituídos da República: executivo, legislativo e judiciário. Foi assim que Eduardo Cunha se elegeu presidente da Câmara dos Deputados; retirou do Congresso o apoio ao Governo Dilma e daí sua destituição do poder. O governo fantoche de Temer foi obrigado a enviar ao Congresso as propostas de reforma da previdência e de desfiguração da consolidação das leis do trabalho. Essas reformas exigidas pelo grande capital têm o objetivo de transferir da previdência pública para a privada um grande potencial de rendas. A flexibilização das leis trabalhistas permitirá a diminuição do custo trabalho e aumento do lucro.
Max Weber (1864-1920), no livro A Ética Protestante e o Espírito Capitalista, escrito bem antes do surgimento do liberalismo econômico, já destacava que a auri sacra fames (maldita fome de ouro) torna-se explicita através da crueldade com que as grandes nações econômicas operam sobre os países pobres. Nicolau Maquiavel (1469- 1527), na obra O Príncipe, destacou ainda que o ser humano, na sua grande maioria, é movido pela constante busca da acumulação material, onde tudo é possível e plausível quando é buscado o lucro.
*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.
Fonte: Brasil de Fato
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