A cruzada de Dilma para baixar a Selic e, mais à frente, a decisão de reduzir os subsídios concedidos pelo BNDES para enfrentar o problema fiscal, entre outras decisões, azedaram as relações com o setor industrial, que assumiu o protagonismo do golpe.
Por Fernando Nogueira da Costa*
A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE-MINFAZ) divulgou, no dia 09/05/2016, o primeiro Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira. O documento foi elaborado com base nos dados da declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) fornecidos pela Receita Federal do Brasil (RFB).
Em sua apresentação, a SPE-MINFAZ destacou que “os números de 2014, declarados pelos contribuintes à RFB em 2015, mostram que o 0,1% mais rico da população brasileira, ou 27 mil pessoas em um universo de 27 milhões de declarantes do IRPF, afirmaram possuir R$ 44,4 bilhões em rendimento bruto tributável e R$ 159,7 bilhões em rendimento total bruto. Eles possuem 6% da renda bruta e 6% dos bens e direitos líquidos do país. Essa parcela mais abastada também aufere uma renda 3.101% superior ao rendimento médio dos declarantes de IRPF e possuem uma quantidade de bens e direitos 6.448% superior à média”.
Em uma primeira análise das tabelas apresentadas, vislumbra-se também que apenas 8,4% (2,268 milhões) dos declarantes na faixa acima de 20 salários mínimos – R$ 14.480 em 2014 e R$ 17.600 em 2016 – receberam em 2014 cerca de 30,4% da renda tributável, 46,4% da renda total e possuíam 59,4% dos bens e direitos totais. É mais uma evidência de como a concentração de riqueza supera em muito a concentração de renda.
Na série temporal de 2007 a 2013, construída a partir das DIRPF, há uma notável estabilidade do percentual de declarantes até 20 salários mínimos: inicia-se e termina-se com 91,6%. Em 2010 e 2011, caiu respectivamente para 90,7% e 90,2%. Em outras palavras, na retomada do impacto da crise de 2008-2009, os mais ricos acima de 20 salários mínimos ganharam proporcionalmente mais rendimentos totais.
Porém, depois houve a “Cruzada da Dilma” contra os juros reais mais elevados do mundo. A Selic começou a cair em 01/09/2011 de 12,5% a.a. a 12%, chegando a 7,25% em 10/10/2012, e permanecendo neste patamar até 17/04/2013, quando se elevou para 7,5% e daí atingiu 14,25% em 29/07/2015, nível que se mantém há sete reuniões do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central), ou seja, até o golpe contra Dilma.
Em termos de bens e direitos, inclusive ativos imobiliários e automotores em seus valores históricos, a tabela acima sugere o impacto de tal “cruzada” na apropriação de riqueza pelas castas que se situam na faixa de rendimentos acima de 20 salários mínimos: queda de 63,2% em 2011 para 59,4% em 2012 e 2013. Intolerável!
A SPE-MINFAZ destacou também que, “em relação à alíquota efetiva, obtida por meio da divisão da renda tributável pela quantidade de declarantes de cada faixa de salário mínimo, percebe-se que quanto mais elevado é o estrato de renda, maior é a tributação.
No entanto, a partir da faixa 40 salários mínimos, os acréscimos na alíquota efetiva vão se reduzindo. Destaca-se, também, que a alíquota efetiva da faixa de renda superior a 160 salários mínimos foi reduzida ao longo do tempo, passando de 21,3% em 2007 para 20,8% em 2013, enquanto todos os outros estratos tiveram uma majoração da alíquota efetiva”. Em outras palavras, demonstra a ingratidão política dos ricaços por essa “compensação” ocorrida apenas no último ano da série 2007-2013…
Em 2011, primeiro ano do mandato governamental da Presidenta Dilma, o PIB cresceu 3,9%; o nível de desemprego foi reduzido a 6%; o índice de desigualdade de Gini caiu; as despesas do governo federal com relação ao PIB foram mantidas no mesmo nível da média do quadriênio anterior; o rating soberano do Brasil foi elevado pelas agências S&P e Moody’s; o superávit primário foi de 2,9% do PIB; o déficit nominal do setor público foi de 2,5%; e a relação dívida bruta/PIB caiu de 51,8% para 51,3%. Popularidade alta…
Em 2012, foram adotadas duas políticas marcantes. Uma, a monetário-creditícia, era correta, dado o extraordinário nível do juro na economia brasileira: baixar a taxa de juros básica de referência e forçar a competição no mercado de crédito por parte dos bancos públicos no intuito de diminuir o spread entre a taxa de empréstimo concedido e a taxa de depósito captado. Outra, a financeira, era incorreta sob o ponto de vista dos investidores, dada a histórica volatilidade da taxa de inflação e das consequentes variações da taxa de juro básica no Brasil, embora justificável sob o ponto de vista do Tesouro Nacional: forçar a troca de títulos de dívida pública pós-fixados (LFTs) por prefixados (LTNs) e índices de preços (NTNs).
Surgiu um problema de “dor-no-bolso” quando, depois de a Selic ter alcançado 7,25% aa em outubro de 2012 e permanecido nesse patamar por seis meses, o COPOM retomou sua elevação contínua em abril de 2013 e terminou o ano de 2014 em 11,75% aa. Com a consequente “marcação-a-mercado” de prefixados, investidores perderam riqueza financeira. Passaram a culpar (e se opor a) o governo social-desenvolvimentista. Cortaram gastos, inclusive de investimentos, em tentativa de recuperação patrimonial.
O Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual faz parte o presidente do Banco Central (BCB), além dos ministros da Fazenda e do Planejamento, manteve a mesma TJLP (0,4167% a.m.) em todos os meses de 2013 e 2014, só sendo elevada de 5% a.a. para 5,5% a.a. no primeiro trimestre de 2015. Um ano depois alcançou 7,5% a.a., porém o subsídio implícito dos empréstimos do BNDES já tinha aumentado, enormemente, pois a crescente Selic tinha alcançado 14,25% a.a. desde setembro de 2015.
Em 2014, PIB cresceu 0,1% e o PIB per capita caiu. Porém, a taxa de desemprego caiu para 4,3% da PEA em dezembro, de acordo com dados da PME, divulgados pelo IBGE. Foi a menor taxa da série histórica, iniciada em março de 2002.
Houve déficit em conta corrente de US$ 104 bilhões ou 4,3% do PIB. O superávit primário foi negativo: -0,6% do PIB. O déficit nominal do setor público atingiu 6,1% do PIB, ou seja, o dobro dos três anos anteriores. A relação dívida bruta/PIB iniciou uma dinâmica – cresceu de 51,7% em 2013 para 57,2% em 2014 – que causou a perda do rating da S&P em 2014, que seria seguida posteriormente pelas outras agências.
Em 2015, com o ajuste fiscal, o PIB caiu -4,05%. O desemprego atingiu 11 milhões de trabalhadores. O déficit nominal do setor público em 2016 ameaçava repetir os 10% do PIB de 2015 e o déficit primário caminhava para 2% do PIB. Pior, a relação dívida bruta/PIB reforçou sua dinâmica preocupante para agências de avaliação de risco: de 66% do PIB em 2015 estimava-se atingir 74% em 2016 e talvez 80% em 2017.
Isto ocorreu pela elevação do numerador, já que a contração da oferta de LFTs levou os investidores as trocarem por operações compromissadas que inflam a dívida bruta – se o BCB emitisse títulos próprios para lastrear suas operações de overnight não ocorreria isso. As compromissadas tinham sido elevadas antes devido à expansão das reservas cambiais e à esterilização de seu impacto em oferta excessiva de moeda nacional. Mas o quociente elevou-se também pela queda absoluta do denominador: a depressão acumulada do PIB, em 2015 e 2016, foi estimada em cerca de 7%. Junto com a renda cai a arrecadação tributária e agrava a situação fiscal e da dívida mobiliária.
O impacto inicial dos empréstimos do Tesouro ao BNDES na Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) é nulo, uma vez que a ampliação dos saldos de títulos em mercado é compensada na mesma magnitude pelo aumento dos créditos junto ao BNDES. Entretanto, ao longo do tempo dos contratos, o diferencial entre o custo de emissão da dívida pública (passivo para o Tesouro Nacional) e o retorno dos financiamentos do BNDES (ativo para o Tesouro Nacional) eleva a DLSP neste mesmo montante.
O Governo Federal, considerando o problema fiscal, em 2015, buscou reduzir o impacto fiscal dos subsídios concedidos pelo BNDES. Com relação aos subsídios financeiros, ao final de 2015 foram reduzidos em R$ 30,5 bilhões os limites de recursos equalizáveis no âmbito do PSI. Adicionalmente, elevou as taxas de juros dos financiamentos contratados em 2015. Por fim, o governo decidiu não prorrogar o referido programa, o que resultou no encerramento do prazo para novas contratações em 31/12/2015. Azedou de vez a relação de favorecimentos aos industriais. A FIESP assumiu o protagonismo golpista.
* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)
Fonte: Brasil Debate
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