terça-feira, 24 de maio de 2016

Renata Mielli discursa em ato político com a presença de Dilma



  
Confira a íntegra do discurso:

Me coube, nesta noite, a responsabilidade de falar neste ato político que abre o 5º Encontro de Blogueiros e ativistas digitais representando o movimento social que está hoje nas mais variadas frentes de luta defendendo a democracia no nosso país.

Desde que o Senado Federal acolheu a denuncia contra a presidenta Dilma Rousseff e a afastou de sua função, há 8 dias, que se multiplicam os atos, as ocupações, as marchas, as intervenções culturais. 

A resistência democrática tem a cara da diversidade do povo brasileiro: é negra, indígena, branca, mulata, é feminina, é da cidade, da floresta e das águas, é moleca, jovem, madura e cravejada com as marcas do tempo nos rostos de quem não imaginava mais ter que lutar para defender a democracia.

Queria começar homenageando todos estes brasileiros e brasileiras que estão aqui e nas ruas cerrando fileiras para derrotar o golpe e para impedir que o Brasil mergulhe em mais um período de exceção, de ataque aos direitos duramente conquistados nos últimos anos, de subordinação acrítica do país aos interesses do imperialismo norte-americano e das grandes corporações internacionais.

Não nos enganemos quanto aos objetivos do processo político que está em curso no nosso país: Ele quer acabar com a inserção soberana do Brasil no mundo; enfraquecer a construção de um pólo de países que questionam política e economicamente os Estados Unidos e seu poder imperialista. O protagonismo do Brasil na construção dos Bric's é uma ameaça à ordem econômica internacional. O objetivo do golpe é sabotar a integração da América Latina e colocar um ponto final na Unasul e no Banco do Sul. É para desmontar a indústria nacional e a política de conteúdo nacional, para privatizar as empresas públicas que sobreviveram ao desmanche neoliberal dos anos 90, para reduzir o papel do Estado e atacar direitos sociais e trabalhistas.

A direita conservadora, que teve seu projeto político rejeitado pela soberania do voto nas quatro últimas eleições, não viu outro meio de impor ao país sua agenda antipopular senão o do golpe.

Inconformada com mais uma derrota, a direita iniciou em 26 de outubro de 2014 uma campanha oposicionista inconsequente, que aprofundou a crise econômica, disseminando intolerância e gerando uma grande instabilidade política no país. Assumiram a tática do quanto pior melhor [para eles] para atacar o projeto político que, com todas as suas limitações e apesar de muitos erros cometidos, trouxe mais dignidade e qualidade de vida ao povo brasileiro. 

O processo de impeachment conduzido pelo parlamento contra a presidenta Dilma é baseado em fatos que não configuram crime de responsabilidade. Sem crime de responsabilidade, qualquer tentativa de abreviar um mantado conferido pelo povo é ilegal, é golpe contra a democracia e suas instituições.

O que define o Estado Democrático de Direito é o respeito às leis vigentes no país, o respeito à Constituição Federal. Quando há violação de direitos e regras estabelecidas a democracia corre risco. E é isto que está em curso no Brasil. 

A palavra golpe tem incomodado muita gente, porque é uma palavra dura, é uma palavra que carrega em cada uma de suas letras uma força simbólica terrível para muitos homens e mulheres de nosso continente. O golpe nos remete à dor física da repressão policial, da tortura, do sequestro da liberdade. 

Não aceitam a palavra golpe porque não há tanques nas ruas. Mas talvez este golpe seja ainda mais terrível porque se desenvolve sob a máscara da legalidade.

No dia 12 de maio de 2016, o Brasil entrou numa máquina do tempo e foi levado de volta para o passado. Voltamos para a época do governo dos homens brancos e ricos. Só dos homens. Eu os tenho chamado de homens de ternos pretos. Sempre impecáveis, elegantes, eles se reúnem como corvos ao redor de uma mesa para repartir as riquezas do país entre si. Esta, presidenta, é a descrição da foto de Michel Temer e seus acéclas ocupando o Palácio do Planalto. 

Os homens brancos, ricos e de terno preto prestam continência ao mercado e este já deu sua orientação: rever o tamanho do Sistema Único de Saúde, rescindir contratos do Minha Casa, Minha Vida, autorizar a cobrança de mensalidades nas universidades, reduzir programas como o FIES e o ProUni, iniciar o programa de desestatização para privatizar os bancos públicos, a Petrobras, os Correios. Nenhuma das coisas que eu citei é especulação, elas já estão sendo colocadas em prática nestes dias. 

Eles vão varrer o país, mas não é da corrupção. Vão varrer as políticas públicas de reparação das desigualdades sociais, que atavam o racismo, a violência e o preconceito contra as mulheres. 

Em governos de orientação neoliberal, o que impera são as políticas de mercado. O Estado é mínimo, como já deu para ver pelo enxugamento do governo. Afinal, o grande vilão do neoliberalismo é o Estado. Quanto menor, melhor [para eles]. Ele só não é extinto para oficializar o tempo da supremacia das corporações, porque as corporações se locupletam com o Estado e este serve ao seu propósito de ser o instrumento de repressão social para reprimir as manifestações por direitos e em defesa da democracia. 

E todo golpe, para ser viabilizado, precisa de um aparato ideológico que o sustente. Que conduza a opinião pública e diga ao povo – às vezes de forma explícita, às vezes velada – o que ele deve pensar. Esta é a função dos meios de comunicação no Brasil, mas não só. A mídia privada brasileira é a própria promotora do golpe, ela está umbilicalmente ligada ao mercado e à direita conservadora. A mídia é o golpe.

Aqui, presidenta Dilma, cometemos um erro histórico. Acreditar que seria possível levar a cabo um projeto soberano de desenvolvimento econômico para o Brasil sem garantir um ambiente de pluralidade e diversidade nos meios de comunicação. A luta pela democratização dos meios de comunicação é estratégica para o avanço de direitos, para a realização das reformas estruturais que o Brasil precisa, para a consolidação da própria democracia. 

Nós, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, nós da mídia alternativa, nós blogueiros e blogueiras, ativistas digitais, nós dos movimentos sociais temos repetido exaustivamente que sem uma comunicação democrática não há democracia.

E lutamos presidenta, lutamos desde o primeiro ano do governo do presidente Lula para tentar construir políticas públicas e normas legais modernas e democráticas para romper com o monopólio privado que domina a comunicação no Brasil. E não conseguimos. Não fomos ouvidos. A falta de compreensão dos governos progressistas sobre o caráter estratégico da pauta da comunicação resultou no não enfrentamento deste tema.

A mídia privada permaneceu sem regras, abusando do privilégio de serem a única voz a falar de forma massiva para 200 milhões de brasileiros. A mídia foi a principal articuladora da desestabilização política e econômica do país, promovendo ataques cotidianos ao governo, espetacularizando a notícia e criando um clima de ódio e terror diários que levou uma parcela considerável da sociedade a defender a bandeira do seu afastamento. A sociedade brasileira encontra-se à mercê de uma mídia concentrada e golpista. 

A luta pela democratização da comunicação não é para calar ninguém, é para que mais setores sociais possam ter o direito à expressão. Conquistamos a duras penas e com limitações a Empresa Brasil de Comunicação. Com a sua criação, em 2008, o país começou, de forma muito tardia, a cumprir o previsto no artigo 223 da Constituição Federal, que determina que as concessões de radiodifusão observem a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. A EBC estava aos poucos encontrando o seu caminho, o seu jeito de fazer uma comunicação voltada para o interesse público, construindo cidadania, promovendo diversidade e pluralidade. Isso é democratização da informação, da cultura. Isso faz pensar, mostra que uma televisão pode ser diferente. 

E isso é uma ameaça aos que se sentem donos da informação e da comunicação. O monopólio midiático do país nunca engoliu a criação da Empresa Brasil de Comunicação, tanto é que hoje a nossa experiência de comunicação pública, que ainda estava na sua primeira infância, está sendo desmontada.

Nestes anos, a luta política de embate ao discurso único dos meios de comunicação privados tem se dado a partir da mídia alternativa, da imprensa do movimento sindical, popular, estudantil, de muitos veículos de comunicação formados por comunicadores populares, dos blogs de opinião, do ativismo realizado nas redes sociais, de coletivos e cooperativas de jornalistas que ousaram trilhar um caminho próprio, longe da redação dos grandes meios de comunicação.

A mídia alternativa tem dado voz aos setores invisibilizados e criminalizados pela mídia hegemônica e feito o enfrentamento ao golpe, defendendo a democracia e direitos. 

A ação da comunicação alternativa incomoda muito o monopólio, os partidos de direita e a elite conservadora. Para tentar nos calar, eles se utilizam da Justiça, através de ações que impõe multas econômicas desproporcionais aos meios alternativos. Querem nos calar pela intimidação e pela asfixia econômica, porque ousamos fazer uma narrativa contra-hegemônica dos fatos em curso no país.

Temos sofrido a violência moral, física e até a morte de comunicadores no Brasil. A censura econômica e privada é hoje o principal obstáculo à liberdade de expressão no país. Mas se eles pensam que vão nos calar, estão muito enganados.

Neste momento estamos ocupados exigindo o retorno do MinC e a manutenção das políticas públicas de cultura, estamos lutando para impedir o fim da comunicação pública através do desmonte da Empresa Brasil de Comunicação. Temos que defender a mídia alternativa dos ataques que já estão se ampliando. Exemplo disso foi a notícia de que o contrato de patrocínio firmado com a Caixa Econômica para a realização deste evento não será honrado. O Estado não pode patrocinar eventos que discutem a democratização dos meios de comunicação, pior até, que constroem diariamente uma comunicação mais democracia, mas pode patrocinar os encontros do Instituto Millenium, onde são elaboradas as políticas para retirar os direitos sociais e que reúne a nata do golpe para patrocinar e articular o golpe.

Temos que impedir retrocessos no campo da Internet, tentando barrar projetos de lei que desfigurem uma das poucas conquistas obtidas no campo da comunicação, que foi a aprovação do Marco Civil da Internet. 

E, principalmente, temos o desafio de ao lado dos movimentos sociais defender a democracia e denunciar o golpismo em nosso país. Nossa luta está apenas no começo e sairemos vitoriosos. Venceremos. 

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