Após 62 dias do início do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff o povo assiste entre perplexo e indignado a nação brasileira caminhar para um perigoso impasse, especialmente quando não restam mais dúvidas quanto ao caráter golpista desse processo.
O impasse decorre do fato de que tanto a presidenta Dilma quanto o interino Michel Temer apresentam, por razões distintas, razoável dificuldade para governar o país.
Dilma perdeu boa parte do apoio de massas e principalmente do legislativo, o que lhe retirou a chamada governabilidade. Mas manteve o apoio de praticamente todo o movimento social organizado, cuja capacidade de mobilização já foi amplamente demonstrada. Eventuais refluxos decorrem de ressaca momentânea e não propriamente da falta de causa e disposição para a mobilização. Isso lhe permite alimentar até mesmo a perspectiva de vitória nesse embate no Senado. Mas não é fácil.
Temer, por outro lado, além de não ter legitimidade e credibilidade, não tem apoio de massas e muito menos do movimento social. Sustenta-se no conluio com a classe dominante, na cumplicidade dos meios de comunicação e numa base parlamentar fisiológica e de grande volatilidade, como a presidenta Dilma já pôde constatar. Tende a perder mais apoio ainda, tanto num espectro quanto noutro da sociedade, na medida em que colocar em prática sua política regressiva e anti-povo.
Se tal impasse persistir é imperioso, portanto, que se convoque um plebiscito para antecipar as eleições presidenciais e assegurar a governabilidade de que o país necessita.
O processo de impeachment está tecnicamente demonstrado e politicamente provado que é um golpe, um atentado à democracia, cujo objetivo central é encerrar um conjunto de políticas progressistas que estavam sendo executada para retomar a pauta regressiva da era FHC (PSDB), especialmente a tentativa de privatizar a Petrobras, o pré-sal, o setor elétrico e os bancos públicos, dentre outros bens públicos.
Até mesmo o frágil argumento das pedaladas - base da peça do PSDB - não mais pode ser usado porque a própria perícia do Senado demonstrou que a presidenta Dilma não cometeu qualquer pedalada. Tese, aliás, igualmente sustentada pelo Ministério Público Federal (MPF) que emitiu parecer afirmando que atraso em pagamentos de contratos de serviços com bancos públicos (no caso BNDES) não se constitui em operação de crédito. É preciso desenhar?
Só os cínicos ou excessivamente ingênuos ainda sustentam que apoiaram o golpe contra a presidenta para combater à corrupção, a política de juros altos, a irresponsabilidade fiscal e a gastança, dentre outras malandragens sistematicamente propalada pela direita.
Aliás, nunca é demais recordar que esse “manual” é o mesmo usado em todos os golpes, não apenas no Brasil, mas em todos os quadrantes do planeta. Afora, portanto, a uma ou outra pessoa de efetiva boa fé, a maioria dos que se mobilizaram por esses “argumentos” tinham plena consciência de seu objetivo, senão vejamos.
O “governo” Temer tem se caracterizado por sucessivos escândalos de corrupção. Foi obrigado a demitir três ministros denunciados pela operação “lava jato”. Fingiu não ver o Ministério Público pedir a prisão de toda a cúpula do PMDB e de seus aliados. E olha para o outro lado enquanto a cúpula de seu “governo” e ele próprio são acusados por vários delatores de serem beneficiários de propina. Nem mais disfarçam.
No campo econômico manteve a taxa de juros em 14,15%. Ampliou o déficit fiscal de 90 para 170 bilhões e anuncia um déficit próximo a 150 bilhões reais para 2017. Rolou quase 50 bilhões de reais de dívidas dos estados, tendo como principal beneficiário o estado de São Paulo, que há mais de 20 anos é dirigido pelo PSDB, partido que pelo visto só cobra zelo fiscal dos outros, não de si próprio. E sinaliza que pretende criar e aumentar impostos!
O pacote principal de maldades, como a reforma da previdência; aumento da carga horária para 80 horas semanais como querem os empresários; e a reforma da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), dentre outras medidas de arrocho, só poderá ser aplicado se eventualmente eles conseguirem concluir o golpe no Senado.
Assim, diante de tanta corrupção, irresponsabilidade fiscal, ausência de apoio popular, gestão temerária e provinciana, seria razoável supor que aqueles que se mobilizaram contra a presidenta Dilma sob essas bandeiras voltassem às ruas.
Mas, nada! Os "patos" da FIESP desapareceram. A escória que batia panelas diante de qualquer denúncia contra o governo Dilma assiste aos escândalos tomando vinhos finos. Os fascistas do MBL e de outros grupos teleguiados a soldo dos patrões e da Central de Inteligência Americana (CIA) também sumiram, viraram candidatos por partidos golpistas (que coincidência!).
Por enquanto o povo apenas assiste, mas à medida que for tomando consciência de como o seu dinheiro é gasto ele tende a se mobilizar, especialmente quando o interino resolver pagar a fatura com os patrões e repassar para o povo todo o ônus do ajuste.
* Professor da UFAM, Doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Coordenador Nacional da Questão Amazônica e Indígena do Comitê Central do PCdoB.
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