Os que colocam acima de tudo seus interesses econômicos e financeiros, ignorando a ética e o direito, estão reagindo indignados porque o Senado, no exercício de sua competência constitucional, numa primeira decisão sobre a perda do mandato da Presidente Dilma Rousseff decidiu pela procedência da acusação e numa segunda decisão, sobre a suspensão dos direitos políticos da acusada, decidiu que não deveria ser aplicada essa pena.
Por Dalmo de Abreu Dallari*, no Jornal do Brasil
A decisão foi do Senado, no exercício de sua competência constitucional, na sessão de julgamento presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que, por disposição constitucional, estava presidindo o tribunal especial constituído de Senadores, sem ter qualquer participação nas decisões desse tribunal.
Quem acompanhou o julgamento, que foi transmitido diretamente pela televisão, viu, com toda a clareza, que o Presidente Lewandowski teve desempenho louvável, com absoluto respeito aos preceitos constitucionais e legais, mantendo-se absolutamente independente e imparcial, agindo racionalmente,com toda a firmeza e segundo os parâmetros éticos e jurídicos, apesar da extrema dificuldade decorrente da inevitável presença de fatores emocionais,influindo sobre o comportamento de participantes do julgamento,e do confronto de interesses entre acusadores e defensores da Presidente Dilma.
É importante assinalar que o Ministro Ricardo Lewandowski não foi julgador, não proferiu voto e nem de longe sugeriu que os votantes adotassem uma ou outra posição, em nenhuma das duas votações. No desempenho de seu encargo legal, limitou-se a assegurar a normalidade das votações, sem manifestar, de qualquer modo, direta ou indiretamente, sua opinião sobre qualquer dos pontos a serem decididos.
Quanto ao ponto quem vem dando margem a reações enfurecidas e irracionais de acusadores da Presidente deposta, ou seja, a realização de duas votações, para decidir, em primeiro lugar, sobre a perda do mandato e, em segundo lugar, sobre a suspensão de seus direitos políticos, é conveniente e oportuno lembrar aqui dois elementos, um de fato e outro teórico-jurídico, que trazem contribuição relevante para a avaliação do que ocorreu no julgamento da Presidente Dilma Rousseff, com duas votações independentes.
Quando, em 1992, ocorreu o julgamento do então Presidente da República Fernando Collor, o Senado teve que decidir se a decisão sobre a perda do mandato e sobre a suspensão dos direitos políticos poderiam ser tratadas como duas penalidades, levando, portanto, a duas decisões. O que ocorreu foi que antes da primeira decisão o acusado renunciou ao mandato presidencial, pretendendo com isso tornar sem objeto a proposta de cassação do mandato, uma vez que em decorrência da renúncia ele já não seria mandatário.
Percebendo que a maioria dos julgadores já havia deixado evidente que votaria a favor do impeachment, ele se adiantou e renunciou ao mandato. Pretendia, com isso, impedir a segunda decisão, relativa à suspensão dos direitos políticos. Entretanto, os Senadores decidiram que a perda do objeto quanto à cassação do mandato, que era uma das penas, não impedia a decisão sobre a suspensão dos direitos políticos e realizou a segunda votação, decidindo positivamente sobre a aplicação da pena de suspensão dos direitos.
A decisão do Senado está registrada na Resolução nº 101, de 1992, que tem a seguinte redação: “Art. 1º. É considerado prejudicado o pedido de aplicação da sanção de perda do cargo de Presidente da República, em virtude da renúncia ao mandato apresentada pelo Senhor Fernando Affonso Collor de Mello e formalizada perante o Congresso Nacional, ficando o processo extinto nessa parte. Artigo 2º. É julgada procedente a denúncia por crimes de responsabilidade previstos nos artigos 85, incisos IV e V, da Constituição Federal, e artigos 8º, ítem 7, e 9º, item 7, da Lei nº 1079, de 10 de Abril de 1950. Art. 3º. Em consequência do disposto no artigo anterior, é imposta ao Senhor Fernando Affonso Collor de Mello, nos termos do artigo 52, parágrafo único, da Constituição Federal, a sanção de inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Esse é o precedente histórico, quando o Senado decidiu considerar que a cassação do mandato e a suspensão dos direitos políticos devem ser tratados como penalidades autônomas, sujeitas, portanto, a dois julgamentos.
Outro elemento de grande valia que, por várias razões, é absolutamente oportuno lembrar e ressaltar agora, é a opinião do eminente constitucionalista Michel Temer, que na presente circunstância tem posição política de muita relevância, sendo o sucessor constitucional da Presidente cujo mandato foi cassado.
Em sua obra “Elementos de Direito Constitucional” (Ed. Revista dos Tribunais), publicada em 1982, o ilustre mestre da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo trata expressamente do entendimento dos preceitos constitucionais que fixavam as regras sobre o processo de impeachment, em termos absolutamente iguais aos da presente Constituição. Em primeiro lugar, coloca a seguinte questão: “Se o Presidente da República renunciar ao seu cargo quando estiver em curso o processo de responsabilização política, deverá ele prosseguir ou perde o seu objeto, devendo ser arquivado?” A resposta do Professor Michel Temer é absolutamente clara e incisiva: “A inabilitação para o exercício de função pública não decorre da perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilização. Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal.”
Esse foi, precisamente, o entendimento da maioria dos Senadores que participaram do julgamento do processo de impeachment a Presidente Dilma Rousseff. Os que agora agridem o Ministro Ricardo Lewandowski, com afirmações ou insinuações grosseiras e sem qualquer fundamento, deixam evidentes sua intolerância, sua ignorância e seu despreparo para a vida pública. Com efeito, quem tiver razoável preparo intelectual e compromisso com a ética e for capaz de raciocinar com equilíbrio e bom senso, sem deixar-se levar pela intolerância ou por considerar que seus interesses foram contrariados, há de reconhecer que o desempenho do Ministro Ricardo Lewandowski foi exemplar e inatacável.
Quem acompanhou o julgamento, que foi transmitido diretamente pela televisão, viu, com toda a clareza, que o Presidente Lewandowski teve desempenho louvável, com absoluto respeito aos preceitos constitucionais e legais, mantendo-se absolutamente independente e imparcial, agindo racionalmente,com toda a firmeza e segundo os parâmetros éticos e jurídicos, apesar da extrema dificuldade decorrente da inevitável presença de fatores emocionais,influindo sobre o comportamento de participantes do julgamento,e do confronto de interesses entre acusadores e defensores da Presidente Dilma.
É importante assinalar que o Ministro Ricardo Lewandowski não foi julgador, não proferiu voto e nem de longe sugeriu que os votantes adotassem uma ou outra posição, em nenhuma das duas votações. No desempenho de seu encargo legal, limitou-se a assegurar a normalidade das votações, sem manifestar, de qualquer modo, direta ou indiretamente, sua opinião sobre qualquer dos pontos a serem decididos.
Quanto ao ponto quem vem dando margem a reações enfurecidas e irracionais de acusadores da Presidente deposta, ou seja, a realização de duas votações, para decidir, em primeiro lugar, sobre a perda do mandato e, em segundo lugar, sobre a suspensão de seus direitos políticos, é conveniente e oportuno lembrar aqui dois elementos, um de fato e outro teórico-jurídico, que trazem contribuição relevante para a avaliação do que ocorreu no julgamento da Presidente Dilma Rousseff, com duas votações independentes.
Quando, em 1992, ocorreu o julgamento do então Presidente da República Fernando Collor, o Senado teve que decidir se a decisão sobre a perda do mandato e sobre a suspensão dos direitos políticos poderiam ser tratadas como duas penalidades, levando, portanto, a duas decisões. O que ocorreu foi que antes da primeira decisão o acusado renunciou ao mandato presidencial, pretendendo com isso tornar sem objeto a proposta de cassação do mandato, uma vez que em decorrência da renúncia ele já não seria mandatário.
Percebendo que a maioria dos julgadores já havia deixado evidente que votaria a favor do impeachment, ele se adiantou e renunciou ao mandato. Pretendia, com isso, impedir a segunda decisão, relativa à suspensão dos direitos políticos. Entretanto, os Senadores decidiram que a perda do objeto quanto à cassação do mandato, que era uma das penas, não impedia a decisão sobre a suspensão dos direitos políticos e realizou a segunda votação, decidindo positivamente sobre a aplicação da pena de suspensão dos direitos.
A decisão do Senado está registrada na Resolução nº 101, de 1992, que tem a seguinte redação: “Art. 1º. É considerado prejudicado o pedido de aplicação da sanção de perda do cargo de Presidente da República, em virtude da renúncia ao mandato apresentada pelo Senhor Fernando Affonso Collor de Mello e formalizada perante o Congresso Nacional, ficando o processo extinto nessa parte. Artigo 2º. É julgada procedente a denúncia por crimes de responsabilidade previstos nos artigos 85, incisos IV e V, da Constituição Federal, e artigos 8º, ítem 7, e 9º, item 7, da Lei nº 1079, de 10 de Abril de 1950. Art. 3º. Em consequência do disposto no artigo anterior, é imposta ao Senhor Fernando Affonso Collor de Mello, nos termos do artigo 52, parágrafo único, da Constituição Federal, a sanção de inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Esse é o precedente histórico, quando o Senado decidiu considerar que a cassação do mandato e a suspensão dos direitos políticos devem ser tratados como penalidades autônomas, sujeitas, portanto, a dois julgamentos.
Outro elemento de grande valia que, por várias razões, é absolutamente oportuno lembrar e ressaltar agora, é a opinião do eminente constitucionalista Michel Temer, que na presente circunstância tem posição política de muita relevância, sendo o sucessor constitucional da Presidente cujo mandato foi cassado.
Em sua obra “Elementos de Direito Constitucional” (Ed. Revista dos Tribunais), publicada em 1982, o ilustre mestre da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo trata expressamente do entendimento dos preceitos constitucionais que fixavam as regras sobre o processo de impeachment, em termos absolutamente iguais aos da presente Constituição. Em primeiro lugar, coloca a seguinte questão: “Se o Presidente da República renunciar ao seu cargo quando estiver em curso o processo de responsabilização política, deverá ele prosseguir ou perde o seu objeto, devendo ser arquivado?” A resposta do Professor Michel Temer é absolutamente clara e incisiva: “A inabilitação para o exercício de função pública não decorre da perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilização. Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal.”
Esse foi, precisamente, o entendimento da maioria dos Senadores que participaram do julgamento do processo de impeachment a Presidente Dilma Rousseff. Os que agora agridem o Ministro Ricardo Lewandowski, com afirmações ou insinuações grosseiras e sem qualquer fundamento, deixam evidentes sua intolerância, sua ignorância e seu despreparo para a vida pública. Com efeito, quem tiver razoável preparo intelectual e compromisso com a ética e for capaz de raciocinar com equilíbrio e bom senso, sem deixar-se levar pela intolerância ou por considerar que seus interesses foram contrariados, há de reconhecer que o desempenho do Ministro Ricardo Lewandowski foi exemplar e inatacável.
*Dalmo de Abreu Dallari é jurista, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a opinião do Vermelho
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