Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A presença do capitão do Exército William Pina Botelho, infiltrado entre um grupo de manifestantes presos em São Paulo durante protesto de 4 de setembro, não pode ser tratada como um episódio banal da conjuntura. Envolve um fato grave, que deve ser apurado e esclarecido, pois diz respeito às liberdades e direitos fundamentais de todo cidadão brasileiro.
A pergunta a ser esclarecida é básica: o capitão agia por conta própria ou obedecia a superiores? Neste caso, quem eram? O que pretendiam?
Numa situação política inteiramente diferente, a incapacidade de responder com clareza a estas questões, após o atentado a bomba no Riocentro em 30 de abril de 1981, antecipou a ruína do governo João Figueiredo, o último presidente-general do período militar. O silêncio dos superiores e a impunidade dos envolvidos colocou em risco o processo de democratização.
A repetição da mesma atitude, 38 anos depois, tem implicações equivalentes, ainda que a conjuntura seja outra, não custa repetir, ainda que a delicadeza do momento não possa ser ignorada. Mais uma vez, o silêncio e o segredo implicam em proteger ações que podem - escrevi podem - representar uma ameaça a democracia.
Em 1981, o país vivia sob uma ditadura. No Brasil de 2016, vigora a Constituição de 1988, onde se informa, no artigo 5 que:
“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".
Essa afirmação cristalina implica no seguinte. Sem uma boa explicação para a presença de um capitão do Exército entre jovens que exerciam o direito constitucional de “reunir-se pacificamente” para protestar contra o golpe de 31 de agosto, estamos diante de um ato subversivo e ilegal.
Uma das novidades essenciais da Constituição de 1988 é a subordinação das Forças Armadas ao poder civil, expressão da soberania popular. Elas podem atuar na defesa da ordem interna - mas a mando do Presidente da República, o que torna o esclarecimento da linha de comando uma questão fundamental.
Todo Estado nacional tem a obrigação de defender os interesses do país e os direitos de sua população, atividade que, no mundo inteiro, implica na existência de um serviço secreto, com várias ramificações.
Para evitar abusos e distorções, que em determinadas circunstâncias podem colocar a própria democracia e os direitos dos cidadãos em risco, esse trabalho deve ser monitorado e seus responsáveis devem prestar contas à sociedade. Não é preciso, obviamente, revelar segredos nem dados que devem permanecer na condição de confidenciais.
Mas é necessário conhecer e debater a orientação que recebem, as prioridades que obedecem, os métodos de trabalho que utilizam. A prestação de contas da CIA ao Congresso norte-americano é um ritual permanente da vida política de Washington. O mesmo ocorre em outros países.
A infiltração de um cidadão em determinada atividade pode ser legítima, do ponto de vista dos direitos do cidadão, quando se destina a impedir crimes.
Mas pode se transformar numa ação condenável, quando não tem amparo legal.
Também podem produzir coisa muito pior, como acontecia com agentes infiltrados em organizações de esquerda sob o regime militar, que encaminhavam militantes para a tortura e a morte.
O caso Riocentro é um exemplo típico de um grau mais avançado de periculosidade que se pode atingir, numa situação inteiramente fora de controle. Foi uma provocação montada por um grupo de militares, inclusive um oficial, interessados em bloquear o processo de democratização, a partir de um atentado à bomba que faria um número incalculável de vítimas, presentes a um show de 1 de maio.
O episódio mostra que a transparência é tão necessária como o segredo. Se podem ser úteis para os interesses do país, essas atividades são um meio clássico de criminalizar militantes patrióticos e combativos, que têm todo direito de se manifestar, e não podem ser alvo de armadilhas e truques destinados a justificar medidas punitivas.
Quem garante que as facas de cozinha e outros objetos cortantes que hoje são exibidos regulamente pela TV depois de toda manifestação não fazem parte de uma clássica plantação policial destinadas a confundir e condenar inocentes?
Lembrando a ressalva "sem armas", incluida no artigo 5 da Constituição mencionado parágrafos acima, o truque parece uma providência obvia para dar uma grosseira fachada de legalidade prisões e detenções, vamos combinar.
Nada garante, por outro lado, que outras denúncias, infinitamente temerárias, não possam vir ser fabricadas no futuro.
A investigação sobre o atentado de 1981 foi um exercício típico de uma ditadura em fase apodrecida, quando se tornara incapaz de produzir mentiras críveis. Tentou-se, numa encenação de teatro ruim, sustentar a versão de que o atentado fora obra de uma organização terrorista de esquerda. Naquele tempo, nem era preciso acreditar no que os generais diziam. Bastava entender que, a depender daquele governo, a verdade jamais seria revelada. E nunca foi.
Único sobrevivente conhecido do atentado, o capitão Wilson não respondeu a inquérito e anos depois foi promovido a coronel. Antes de passar para a reserva, tornou-se instrutor num colégio militar, em Brasília. A preservação do capitão, cumpriu uma função política maior. Ajudou a preservar um aparato que, com um passivo de crimes jamais investigado, preparava-se para atravessar a transição para a democracia sem sobressaltos nem correções. Como se veria nos anos seguintes, nenhum oficial responsável pelos crimes de tortura e assassinato sentou-se no banco dos réus.
Num país onde o Ministro da Justiça anunciou a prisão de cidadãos acusados de um crime muito grave – terrorismo – é mais do que urgente esclarecer a atividade do capitão William. Alguma duvida?
A presença do capitão do Exército William Pina Botelho, infiltrado entre um grupo de manifestantes presos em São Paulo durante protesto de 4 de setembro, não pode ser tratada como um episódio banal da conjuntura. Envolve um fato grave, que deve ser apurado e esclarecido, pois diz respeito às liberdades e direitos fundamentais de todo cidadão brasileiro.
A pergunta a ser esclarecida é básica: o capitão agia por conta própria ou obedecia a superiores? Neste caso, quem eram? O que pretendiam?
Numa situação política inteiramente diferente, a incapacidade de responder com clareza a estas questões, após o atentado a bomba no Riocentro em 30 de abril de 1981, antecipou a ruína do governo João Figueiredo, o último presidente-general do período militar. O silêncio dos superiores e a impunidade dos envolvidos colocou em risco o processo de democratização.
A repetição da mesma atitude, 38 anos depois, tem implicações equivalentes, ainda que a conjuntura seja outra, não custa repetir, ainda que a delicadeza do momento não possa ser ignorada. Mais uma vez, o silêncio e o segredo implicam em proteger ações que podem - escrevi podem - representar uma ameaça a democracia.
Em 1981, o país vivia sob uma ditadura. No Brasil de 2016, vigora a Constituição de 1988, onde se informa, no artigo 5 que:
“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".
Essa afirmação cristalina implica no seguinte. Sem uma boa explicação para a presença de um capitão do Exército entre jovens que exerciam o direito constitucional de “reunir-se pacificamente” para protestar contra o golpe de 31 de agosto, estamos diante de um ato subversivo e ilegal.
Uma das novidades essenciais da Constituição de 1988 é a subordinação das Forças Armadas ao poder civil, expressão da soberania popular. Elas podem atuar na defesa da ordem interna - mas a mando do Presidente da República, o que torna o esclarecimento da linha de comando uma questão fundamental.
Todo Estado nacional tem a obrigação de defender os interesses do país e os direitos de sua população, atividade que, no mundo inteiro, implica na existência de um serviço secreto, com várias ramificações.
Para evitar abusos e distorções, que em determinadas circunstâncias podem colocar a própria democracia e os direitos dos cidadãos em risco, esse trabalho deve ser monitorado e seus responsáveis devem prestar contas à sociedade. Não é preciso, obviamente, revelar segredos nem dados que devem permanecer na condição de confidenciais.
Mas é necessário conhecer e debater a orientação que recebem, as prioridades que obedecem, os métodos de trabalho que utilizam. A prestação de contas da CIA ao Congresso norte-americano é um ritual permanente da vida política de Washington. O mesmo ocorre em outros países.
A infiltração de um cidadão em determinada atividade pode ser legítima, do ponto de vista dos direitos do cidadão, quando se destina a impedir crimes.
Mas pode se transformar numa ação condenável, quando não tem amparo legal.
Também podem produzir coisa muito pior, como acontecia com agentes infiltrados em organizações de esquerda sob o regime militar, que encaminhavam militantes para a tortura e a morte.
O caso Riocentro é um exemplo típico de um grau mais avançado de periculosidade que se pode atingir, numa situação inteiramente fora de controle. Foi uma provocação montada por um grupo de militares, inclusive um oficial, interessados em bloquear o processo de democratização, a partir de um atentado à bomba que faria um número incalculável de vítimas, presentes a um show de 1 de maio.
O episódio mostra que a transparência é tão necessária como o segredo. Se podem ser úteis para os interesses do país, essas atividades são um meio clássico de criminalizar militantes patrióticos e combativos, que têm todo direito de se manifestar, e não podem ser alvo de armadilhas e truques destinados a justificar medidas punitivas.
Quem garante que as facas de cozinha e outros objetos cortantes que hoje são exibidos regulamente pela TV depois de toda manifestação não fazem parte de uma clássica plantação policial destinadas a confundir e condenar inocentes?
Lembrando a ressalva "sem armas", incluida no artigo 5 da Constituição mencionado parágrafos acima, o truque parece uma providência obvia para dar uma grosseira fachada de legalidade prisões e detenções, vamos combinar.
Nada garante, por outro lado, que outras denúncias, infinitamente temerárias, não possam vir ser fabricadas no futuro.
A investigação sobre o atentado de 1981 foi um exercício típico de uma ditadura em fase apodrecida, quando se tornara incapaz de produzir mentiras críveis. Tentou-se, numa encenação de teatro ruim, sustentar a versão de que o atentado fora obra de uma organização terrorista de esquerda. Naquele tempo, nem era preciso acreditar no que os generais diziam. Bastava entender que, a depender daquele governo, a verdade jamais seria revelada. E nunca foi.
Único sobrevivente conhecido do atentado, o capitão Wilson não respondeu a inquérito e anos depois foi promovido a coronel. Antes de passar para a reserva, tornou-se instrutor num colégio militar, em Brasília. A preservação do capitão, cumpriu uma função política maior. Ajudou a preservar um aparato que, com um passivo de crimes jamais investigado, preparava-se para atravessar a transição para a democracia sem sobressaltos nem correções. Como se veria nos anos seguintes, nenhum oficial responsável pelos crimes de tortura e assassinato sentou-se no banco dos réus.
Num país onde o Ministro da Justiça anunciou a prisão de cidadãos acusados de um crime muito grave – terrorismo – é mais do que urgente esclarecer a atividade do capitão William. Alguma duvida?
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