Do site Carta Maior:
A Argentina viveu, nesta sexta-feira (2/9), mais uma multitudinária manifestação contra a administração do presidente Mauricio Macri. A chamada Marcha Federal reuniu mais de 200 mil opositores ao atual governo no centro de Buenos Aires, além de outros protestos menores que se replicaram em outras províncias do país.
Centenas de milhares de pessoas foram às ruas contra uma política econômica macrista. Medidas que vão do aumento das tarifas de serviços básicos (água, gás e energia elétrica) ao corte de despesas com programas sociais, além de outros ajustes que levaram ao aumento do desemprego, da inflação e também dos níveis de pobreza.
O desagrado da população com as políticas de Macri conseguiu unir até mesmo algumas entidades com diferenças históricas, especialmente as centrais sindicais. A marcha foi convocada por mais de cem organizações sociais diferentes. Todas elas estavam representadas nas ruas de Buenos Aires.
Alguns sindicatos aproveitaram a mobilização para anunciar sua intenção de realizar um novo protesto no dia 16 de setembro, desta uma greve. A possível comunhão destas iniciativas pode se transformar na primeira greve geral a ser enfrentada pela direita argentina, menos de um ano depois de reassumir o poder – a data sugerida não foi escolhida por acaso, já que, no mesmo dia, haverá uma Audiência Pública determinada pela Justiça para se discutir a legitimidade e os efeitos do aumento da tarifa de gás, uma das medidas macristas mais contestadas pela população.
Para o líder sindical Hugo Yasky, da CTA (Central dos Trabalhadores da Argentina), “este ato marca um novo momento de confluência do movimento sindical com os movimentos sociais, com o movimento estudantil, com os organismos de direitos humanos, os pequenos produtores, os trabalhadores informais, unidade com as organizações de esquerda, com os cooperativistas, todo o mapa do campo popular que o neoliberalismo quer ver quebrado, dividido”. Yasky assumiu que sua entidade viu no atual cenário uma oportunidade para relevar desavenças do passado em nome de uma ação conjunta pelos interesses de todos. “Se construímos unidade para a luta por justiça social e emancipação, seremos invencíveis, e o hoje é o dia para plantear isso. Somos os protagonistas de uma mudança profunda, porque este povo não se ajoelhará diante do poder econômico e da repressão”, afirmou ele, recordando que outros protestos sindicais realizados este ano enfrentaram a ação violenta da polícia argentina.
A Marcha Federal rememora a experiência da resistência ao neoliberalismo nos Anos 90. Há cerca de vinte anos, uma marcha federal também sacudiu o país, constituindo um marco de resistência às políticas de ajuste e privatização adotadas naquele então pelo governo de Carlos Menem. Agora, a história se repete, mas a teoria já diz que isso nunca acontece do mesmo jeito. Em artigo para o jornal argentino Página/12, o analista político Diego Conno explica que “o formato atual do neoliberalismo na Argentina não é mera cópia do passado, e sim sua versão mais acabada, e por isso mesmo muito mais virulenta. Por outro lado, a situação dos setores populares tampouco é idêntica: há uma experiência sedimentada das lutas e da resistência, em cada ato, e cada mobilização”. Conno acredita que essa mesma lógica da experiência das lutas vale não só para a Argentina, mas também para toda a América Latina, incluindo o Brasil.
Repercussões de um só lado
Muitas figuras opositoras ao governo de Macri estiveram presentes na Marcha Federal, ou manifestaram seu apoio através de declarações ou mensagens pelas redes sociais. Entre os que estiveram in loco, se destacam muitas figuras históricas do kirchnerismo, como os ex-ministros Jorge Taiana (Relações Exteriores), Daniel Filmus (Educação), Carlos Tomada (Trabalho) e Agustín Rossi (Defesa), além do ex-candidato presidencial (derrotado por Macri em 2015) e ex-governador da Província de Buenos Aires, Daniel Scioli.
Jorge Taiana, que além de ex-ministro é o atual presidente do Parlasul (o Parlamento do Mercosul), afirmou que “as mais de 200 mil pessoas presentes (na marcha) mostram que os trabalhadores argentinos não se resignam a perder os seus direitos”. Por sua parte, o também ex-ministro Daniel Filmus considera que “o mais importante da marcha foi mostrar o caráter transversal da insatisfação com o governo, porque aqui não está só um setor político, estão os trabalhadores, os estudantes, as organizações sociais e principalmente os argentinos das províncias ou das regiões periféricas de Buenos Aires, que são os que mais estão sofrendo com os aumentos das tarifas”.
Essa impressão contrasta com a única reação governista a respeito da Marcha Federal, de autoria do ministro do Trabalho, Jorge Triaca. Segundo ele, “a manifestação mostrou claras motivações políticas e ideológicas”, porém, afirmou também que “a Argentina é um país que permite o dissenso, pois há liberdade, e apesar de que devemos reconhecer este momento de dificuldades, acredito que estamos transitando a um cenário melhor no futuro”. Triaca foi o único membro do governo a dar declarações sobre os protestos. Embora o presidente Mauricio Macri tenha podido driblar facilmente o tema com a viagem à China para a reunião do G-20, outras figuras importantes da cúpula macrista também alteraram as suas agendas com viagens ao interior, como a própria vice-presidente Gabriela Michetti e os subsecretários da área econômica, que não viajaram à Ásia.
Através das redes sociais, a ex-presidente argentina Cristina Kirchner contestou o comentário de Triaca, embora sem fazer alusão direta ao seu autor. “Creio que o governo (de Macri) é muito ideológico. Eles sempre atribuem a nós uma carga ideológica, mas as medidas deles são muito mais, pois eles acham que o modelo pode funcionar até mesmo com um índice de desemprego de dois dígitos, e ainda assim insistem na precarização e flexibilização do mercado laboral. É incompreensível que, diante desses efeitos, eles não estejam pensando `bom, vamos mudar as políticas´”, afirmou a ex-mandatária, através das suas redes sociais.
Demissões, educação sabotada e medo de represálias
Muito mais que políticos conhecidos, as ruas de Buenos Aires se encheram de histórias de problemas cotidianos e maiores dificuldades causadas pelas medidas neoliberais de Mauricio Macri.
Histórias como a do trabalhador Hugo Balderrama, que participa de uma cooperativa de construção na província de Jujuy (noroeste do país), e que afirma que “as políticas orçamentárias do governo para com as regiões visam sabotar os programas de infraestrutura e de serviços básicos”. Ele conta que, no caso dos serviços, até mesmo os salários estão sendo afetados, afetando a centenas de funcionários públicos da saúde e da educação só em sua província.
Balderrama também foi a Buenos Aires para protestar contra a prisão de Milagro Sala, a líder social de Jujuy, cuja prisão, em janeiro deste ano, é considerada uma prisão política por parte das organizações sociais argentinas.
O caso de Milagro Sala fez com que muitas organizações sociais tenham receios em expor nomes e rostos a reportagens jornalísticas. Por exemplo, a professora Juana Cartes, da Associação de Professores da Província de Cuyo (no centro-oeste do país), diz que muitos dos seus colegas preferem evitar a identificação dos participantes da marcha, com medo de represálias por parte do poder público local, aliado de Macri. Ela mesma aceitou dar entrevista ao jornal Página/12, mas pediu para não ser fotografada.
Quem também reclama das medidas de Macri, mas especialmente no caso da política para a educação, é a professora Rocío Rodríguez, de Mar del Plata. “Estamos aqui porque estão destruindo todos os planos educativos pelos quais nós lutamos, um retrocesso muito graves, causado pelas demissões, pelo corte de verbas e pelo descaso com os pedidos por melhor infraestrutura”. Rodríguez reclama que as políticas públicas que estão sendo prejudicadas “eram os primeiros avanços a um maior acesso e melhor qualidade na educação dos mais pobres”. Por sua parte, seu esposo, Ignacio Iriarte, denunciou uma maior repressão policial na cidade de Mar del Plata, cujo intendente (Carlos Arroyo) é do mesmo partido de Mauricio Macri, e que desde o começo do ano tem havido maior impunidade na região a respeito das ações de grupos neonazis.
A Argentina viveu, nesta sexta-feira (2/9), mais uma multitudinária manifestação contra a administração do presidente Mauricio Macri. A chamada Marcha Federal reuniu mais de 200 mil opositores ao atual governo no centro de Buenos Aires, além de outros protestos menores que se replicaram em outras províncias do país.
Centenas de milhares de pessoas foram às ruas contra uma política econômica macrista. Medidas que vão do aumento das tarifas de serviços básicos (água, gás e energia elétrica) ao corte de despesas com programas sociais, além de outros ajustes que levaram ao aumento do desemprego, da inflação e também dos níveis de pobreza.
O desagrado da população com as políticas de Macri conseguiu unir até mesmo algumas entidades com diferenças históricas, especialmente as centrais sindicais. A marcha foi convocada por mais de cem organizações sociais diferentes. Todas elas estavam representadas nas ruas de Buenos Aires.
Alguns sindicatos aproveitaram a mobilização para anunciar sua intenção de realizar um novo protesto no dia 16 de setembro, desta uma greve. A possível comunhão destas iniciativas pode se transformar na primeira greve geral a ser enfrentada pela direita argentina, menos de um ano depois de reassumir o poder – a data sugerida não foi escolhida por acaso, já que, no mesmo dia, haverá uma Audiência Pública determinada pela Justiça para se discutir a legitimidade e os efeitos do aumento da tarifa de gás, uma das medidas macristas mais contestadas pela população.
Para o líder sindical Hugo Yasky, da CTA (Central dos Trabalhadores da Argentina), “este ato marca um novo momento de confluência do movimento sindical com os movimentos sociais, com o movimento estudantil, com os organismos de direitos humanos, os pequenos produtores, os trabalhadores informais, unidade com as organizações de esquerda, com os cooperativistas, todo o mapa do campo popular que o neoliberalismo quer ver quebrado, dividido”. Yasky assumiu que sua entidade viu no atual cenário uma oportunidade para relevar desavenças do passado em nome de uma ação conjunta pelos interesses de todos. “Se construímos unidade para a luta por justiça social e emancipação, seremos invencíveis, e o hoje é o dia para plantear isso. Somos os protagonistas de uma mudança profunda, porque este povo não se ajoelhará diante do poder econômico e da repressão”, afirmou ele, recordando que outros protestos sindicais realizados este ano enfrentaram a ação violenta da polícia argentina.
A Marcha Federal rememora a experiência da resistência ao neoliberalismo nos Anos 90. Há cerca de vinte anos, uma marcha federal também sacudiu o país, constituindo um marco de resistência às políticas de ajuste e privatização adotadas naquele então pelo governo de Carlos Menem. Agora, a história se repete, mas a teoria já diz que isso nunca acontece do mesmo jeito. Em artigo para o jornal argentino Página/12, o analista político Diego Conno explica que “o formato atual do neoliberalismo na Argentina não é mera cópia do passado, e sim sua versão mais acabada, e por isso mesmo muito mais virulenta. Por outro lado, a situação dos setores populares tampouco é idêntica: há uma experiência sedimentada das lutas e da resistência, em cada ato, e cada mobilização”. Conno acredita que essa mesma lógica da experiência das lutas vale não só para a Argentina, mas também para toda a América Latina, incluindo o Brasil.
Repercussões de um só lado
Muitas figuras opositoras ao governo de Macri estiveram presentes na Marcha Federal, ou manifestaram seu apoio através de declarações ou mensagens pelas redes sociais. Entre os que estiveram in loco, se destacam muitas figuras históricas do kirchnerismo, como os ex-ministros Jorge Taiana (Relações Exteriores), Daniel Filmus (Educação), Carlos Tomada (Trabalho) e Agustín Rossi (Defesa), além do ex-candidato presidencial (derrotado por Macri em 2015) e ex-governador da Província de Buenos Aires, Daniel Scioli.
Jorge Taiana, que além de ex-ministro é o atual presidente do Parlasul (o Parlamento do Mercosul), afirmou que “as mais de 200 mil pessoas presentes (na marcha) mostram que os trabalhadores argentinos não se resignam a perder os seus direitos”. Por sua parte, o também ex-ministro Daniel Filmus considera que “o mais importante da marcha foi mostrar o caráter transversal da insatisfação com o governo, porque aqui não está só um setor político, estão os trabalhadores, os estudantes, as organizações sociais e principalmente os argentinos das províncias ou das regiões periféricas de Buenos Aires, que são os que mais estão sofrendo com os aumentos das tarifas”.
Essa impressão contrasta com a única reação governista a respeito da Marcha Federal, de autoria do ministro do Trabalho, Jorge Triaca. Segundo ele, “a manifestação mostrou claras motivações políticas e ideológicas”, porém, afirmou também que “a Argentina é um país que permite o dissenso, pois há liberdade, e apesar de que devemos reconhecer este momento de dificuldades, acredito que estamos transitando a um cenário melhor no futuro”. Triaca foi o único membro do governo a dar declarações sobre os protestos. Embora o presidente Mauricio Macri tenha podido driblar facilmente o tema com a viagem à China para a reunião do G-20, outras figuras importantes da cúpula macrista também alteraram as suas agendas com viagens ao interior, como a própria vice-presidente Gabriela Michetti e os subsecretários da área econômica, que não viajaram à Ásia.
Através das redes sociais, a ex-presidente argentina Cristina Kirchner contestou o comentário de Triaca, embora sem fazer alusão direta ao seu autor. “Creio que o governo (de Macri) é muito ideológico. Eles sempre atribuem a nós uma carga ideológica, mas as medidas deles são muito mais, pois eles acham que o modelo pode funcionar até mesmo com um índice de desemprego de dois dígitos, e ainda assim insistem na precarização e flexibilização do mercado laboral. É incompreensível que, diante desses efeitos, eles não estejam pensando `bom, vamos mudar as políticas´”, afirmou a ex-mandatária, através das suas redes sociais.
Demissões, educação sabotada e medo de represálias
Muito mais que políticos conhecidos, as ruas de Buenos Aires se encheram de histórias de problemas cotidianos e maiores dificuldades causadas pelas medidas neoliberais de Mauricio Macri.
Histórias como a do trabalhador Hugo Balderrama, que participa de uma cooperativa de construção na província de Jujuy (noroeste do país), e que afirma que “as políticas orçamentárias do governo para com as regiões visam sabotar os programas de infraestrutura e de serviços básicos”. Ele conta que, no caso dos serviços, até mesmo os salários estão sendo afetados, afetando a centenas de funcionários públicos da saúde e da educação só em sua província.
Balderrama também foi a Buenos Aires para protestar contra a prisão de Milagro Sala, a líder social de Jujuy, cuja prisão, em janeiro deste ano, é considerada uma prisão política por parte das organizações sociais argentinas.
O caso de Milagro Sala fez com que muitas organizações sociais tenham receios em expor nomes e rostos a reportagens jornalísticas. Por exemplo, a professora Juana Cartes, da Associação de Professores da Província de Cuyo (no centro-oeste do país), diz que muitos dos seus colegas preferem evitar a identificação dos participantes da marcha, com medo de represálias por parte do poder público local, aliado de Macri. Ela mesma aceitou dar entrevista ao jornal Página/12, mas pediu para não ser fotografada.
Quem também reclama das medidas de Macri, mas especialmente no caso da política para a educação, é a professora Rocío Rodríguez, de Mar del Plata. “Estamos aqui porque estão destruindo todos os planos educativos pelos quais nós lutamos, um retrocesso muito graves, causado pelas demissões, pelo corte de verbas e pelo descaso com os pedidos por melhor infraestrutura”. Rodríguez reclama que as políticas públicas que estão sendo prejudicadas “eram os primeiros avanços a um maior acesso e melhor qualidade na educação dos mais pobres”. Por sua parte, seu esposo, Ignacio Iriarte, denunciou uma maior repressão policial na cidade de Mar del Plata, cujo intendente (Carlos Arroyo) é do mesmo partido de Mauricio Macri, e que desde o começo do ano tem havido maior impunidade na região a respeito das ações de grupos neonazis.
* Com informações do jornal argentino Página/12.
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