domingo, 16 de novembro de 2014

Mídia: governo argentino saúda anúncio de Dilma


O governo argentino comemorou a decisão da presidenta Dilma Rousseff de impulsionar um debate sobre a democratização da mídia no primeiro semestre de 2015, anunciada na semana passada em entrevista a O Globo.

Por Darío Pignotti*, na Carta Maior

Martin Sabbatella, responsável por organizar a batalha jurídica, política e “cultural” contra o grupo Clarín.

“Esta decisão de Dilma é um passo rumo à construção de uma mudança séria para que avancemos rumo a democracias profundas”, disse Martin Sabbatella, designado pela presidenta Cristina Kirchner a fazer cumprir a lei de mídia, vista com resistência pela velha mídia.

Sabbatella é o responsável por organizar a batalha jurídica, política e “cultural” contra o grupo Clarín, comparável por seu poder e capacidade de desestabilização ao conglomerado Globo no Brasil, ou o Televisa, no México, paradigmas dos latifúndios midiáticos latino-americanos.

“No calor dos governos democráticos e populares, como o da presidenta Dilma, da presidenta Cristina e de outros governantes da nossa Pátria Grande latino-americana está amadurecendo um processo de questionamento das mídias de propriedade concentrada, que eu considero uma ameaça à democracia”, declarou Sabbatella de Buenos Aires em entrevista por telefone à Carta Maior.

O anúncio feito por Dilma repercute na Argentina, influencia em seu trabalho para que as empresas apliquem a lei antimonopolista aprovada em 2009 no Congresso?

Eu saúdo esta notícia. É importante que a presidenta Dilma tenha proposto esta discussão porque tudo o que pode avançar no Brasil dará impulso ao trabalho nos países da região com governos populares e democráticos. Por isso, a reeleição de Dilma foi recebida com muita alegria na Argentina. É uma vitória de todos os que querem continuar a construção de sociedades mais justas.

Se olharmos com perspectiva, veremos a presidenta Dilma dentro de uma tendência continental que busca melhorar nossas democracias. A concentração da palavra por meio de meios oligopólicos não é um problema local, e não pode ser enfrentado como um problema local. Assim como há cumplicidade entre a grande mídia para censurar o que acontece em nossos países é importante que haja solidariedade e cooperação entre nós para lugar por sociedades onde haja pluralidade de vozes.

Globo e Clarín

A grande imprensa brasileira desinforma ao dizer que a lei argentina favorece a censura.

Tenho conhecimento de que a mídia em Brasil diz que a lei argentina prejudica a liberdade de expressão. Isso é de uma mentira absoluta. O que a lei busca é uma verdadeira liberdade de expressão para que todos tenham um lugar no cenário público. É natural que estes veículos nos ataquem porque nossa proposta representa uma ameaça para as posições dominantes, não importam as fronteiras.

Se no Brasil se diz que a Globo é o principal partido oposicionista, na Argentina, o Clarín é o principal articulador da oposição. Formula a agenda e a estratégia da oposição partidária. Em nossos países, esses grandes veículos se dão o direito de impor sua vontade aos poderes democraticamente constituídos, portam-se como se fossem verdadeiros partidos, mas não concorrem nas eleições. Se essas mídias querem disputar o poder, que se apresentem como partidos, inscrevam-se formalmente no registro eleitoral.

Tornam a clandestinidade institucional política, operam fazendo pressão...

E é assim. Não devemos nos esquecer de que seu poder é produto geralmente de manobras ilegais. Por exemplo, na Argentina, a posição dominante do Clarín se construiu no mercado chantageando a concorrência, com ações desleais, é uma empresa que operou para levar à bancarrota outras empresas, pressionando anunciantes.

E uma vez que se apropriam do mercado midiático, usam esse poder para impor condições aos poderes políticos, para pressionar as instituições democráticas. Tudo isto tem graves consequências políticas porque o Clarín usou sua capacidade de manipulação da opinião pública para que vários governos se dobrassem diante de seus interesses.

Até o momento, o grupo Clarín não se repartiu, como a lei exige?

Eles estão realmente preocupados porque terão que aplicar a lei, que a Suprema Corte já declarou constitucional há um ano. A Corte disse que se não colocar freio na voracidade das empresas, não será possível garantir a diversidade nem a pluralidade da comunicação. E depois, o relator da ONU para a Liberdade de Expressão disse o mesmo que a Corte, e elogiou a lei.

Nestes momentos, ao verem que vão perder seus privilégios, eles [Clarín] estão buscando todas as maneiras possíveis para violar a lei através de ações dilatórias. O Clarín quis burlar a lei, disse que venderia suas empresas e não vendeu. Uma vez revelados esses jogos dilatórios para se adequar à lei e deixar de ser oligopólicos, hoje o Estado decidiu que devem se adequar, ou seja, que se desfaçam de empresas para que haja um mercado em que impere uma concorrência leal entre as empresas. Mas é preciso esclarecer que esta lei não se ocupa somente de criar um mercado competitivo.

Que outros aspectos a lei contempla?

A lei aprovada com amplo apoio do Congresso pretende que a comunicação não seja um produto a mais dentro da oferta do mercado. A comunicação é um direito fundamental, por isso a lei garante o direito à informação para melhorar a democracia, porque se o Estado não regulamentar, a democracia enfraquece.

A lei estabelece também que haja pluralidade de vozes. E como garantir isso? Com a obrigação de que um terço das mídias seja de propriedade privada, um terço pública e um terço das organizações sociais, universidades, sindicatos etc. A comunicação não pode ser vista somente como um negócio.

A lei e a política de mídia aplicadas representam um balanço muito importante porque foram criadas numerosas rádios, novos canais de televisão, novas produtoras, vão se multiplicar as horas de conteúdo audiovisual independente em que se fala do país, de sua cultura, de sua memória, de sua identidade porque se alterou o mapa da comunicação, hoje há uma Argentina comunicacional renovada.

*Dario Pignotti é repórter do jornal Página12 e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo.
Martin Sabbatella, responsável por organizar a batalha jurídica, política e “cultural” contra o grupo Clarín.

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