Blog do Renato
Um excelente trabalho histórico, que desmonta – como fina ironia, notável erudição e firmeza intelectual – as imposturas da reação burguesa, desnudando os profundos vínculos entre liberalismo, fascismo, colonialismo e belicismo. Uma leitura indispensável para quem leva a sério o tema da revolução socialista.
Por Domenico Losurdo.
Boris Kustodiev - Bolshevik (1920)
A União Soviética cede o lugar à Santa Rússia, a bandeira vermelha à tricolor czarista, Leningrado volta a se chamar São Petersburgo, os sovietes são bombardeados ou dissolvidos por Boris Yeltsin para serem substituídos pelas dumas, de feliz memoria czarista, numerosos partidos comunistas, entre os quais o italiano, mudam precipitadamente de nome para sublinhar sua diferença com respeito ao processo histórico iniciado com o Outubro de 1917: a nostalgia do bons tempos antigos se difunde não apenas entre os leitores de folhetins transbordantes de amores e lagrimas dos rebentos das desaparecidas dinastias, mas também entre não poucos expoentes de uma historiografia e jornalismo sempre mais acriticamente “revisionista” e encontra, enfim, sua consagração nas tomadas de posição de João Paulo II, empenhado em retratar o nosso século como o século do pecado. Convém então dar uma espiada no mundo assim ternamente transfigurado pelos suspiros e pelas mistificações da ideologia dominante, o mundo revirado ou colocado radicalmente em crise pela revolução bolchevique.
Belle époque e ancien regime
No inicio do século XX, nenhuma nuvem revolucionaria parecia turvar a atmosfera encantada (para as cabeças coroadas e as classes dominantes) da belle époque. Em 1910, até um funeral, o de Eduardo VII da Inglaterra, deu ocasião para um extraordinário desfile e uma impressionante demonstração de força e de esplendor dos potentados e dignitários do antigo regime. No cortejo fúnebre, atrás “da carroça de canhão sobre a qual está colocado o corpo do soberano defunto”, destacam-se o “ginete favorito do rei-imperador” e, mantido na coleira por um lacaio escocês, “Cesar, o fox-terrier branco amadíssimo pelo defunto rei”. Depois, como recorda Amo J. Mayer, desdobra-se um séquito estupefaciente e grandioso. O rei Jorge V a cavalo guiava uma cintilante tropa de reis, de duques reais e de príncipes herdeiros, todos igualmente a cavalo. Havia nove monarcas, sem exceção descendentes de Guilherme, o taciturno, dispostos em uma ordem de precedência determinada pelo parentesco. Na primeira fila. ladeando o novo rei ainda não consagrado, cavalgavam o duque de Connaught e o imperador Guilherme II da Alemanha, respectivamente irmão e sobrinho de Eduardo. O kaiser Guilherme, o mais impávido entre os senhores da guerra da Europa, destacava-se “firme em sua cela como um centauro, seu semblante era severo e composto como o de uma estátua romana”. Nas sucessivas fileiras, cavalgavam Haakson da Noruega, Jorge da Grécia, Alfonso da Espanha, Fernando da Bulgária, Frederico da Dinamarca, Manuel de Portugal e Alberto da Bélgica. Nessa augusta procissão, Nicolau da Rússia era representado pelo irmão, o grão-duque Mikhail; Francisco José I do Império austro-húngaro pelo herdeiro designado, o arquiduque Francisco Fernando; e Vitor Emanuel III da Itália pelo primo, o duque de Aosta. Entre os notáveis a cavalo encontravam-se ainda príncipes e duques representando a Holanda. a Suécia, a Romênia, o Montenegro, a Sérvia. a Turquia, o Egito, o Japão, o Sião, os Estados alemães e a família real inglesa. O príncipe Tsai-tao da China e seu séquito estavam na sétima das doze carruagens de Estado, enquanto Theodore Roosevelt, que representava o presidente dos Estados Unidos, William Howard Taft, ocupava a oitava juntamente com Stephen Pichon, ministro do Exterior da França, que representava o presidente Fallières.
Três anos depois, em fevereiro de 1913, a Rússia festejava o terceiro centenário da dinastia Romanov: “o calendário repleto de celebrações culminou na grandiosa, magnífica procissão do Palácio de Inverno à catedral de Kazan para o solene Te Deum. A assembleia de dignitários reunida para o rito de ação de graças era composta, não diversamente do que no passado, por aristocratas, burocratas, oficiais e diplomatas, quase todos demais com cintilantes espadas no flanco e paramentados em resplandecentes uniformes cobertos de adornos”. Sim, o tempo parecia ter se interrompido, e durante tais festividades Nicolau 11, “o Imperador e autocrata de todas as Rússias”, não podia deixar de reviver na memória a cerimônia que, em 1896, uma vez transcorrido o luto de um ano prescrito pela morte de Alexandre III, havia confirmado a sua ascensão ao trono. Naquela ocasião, documentou o historiador Marc Ferro, haviam lhe prestado homenagem Henrique da Prússia, irmão de Guilherme II, o príncipe de Connaught, irmão do rei da Inglaterra, Nicolau de Montenegro, o príncipe herdeiro da Grécia, o da Romênia, três grão-duques, uma rainha, dois monarcas reinantes, doze príncipes herdeiros e outros dezesseis entre príncipes e princesas”.
A cerimônia esteve à altura deste seleto público; recorda Mayer:
Em 14 de maio, depois que o coro da corte acompanhou a Fanfarra de Tchaikovsky, a imperatriz viúva Maria Fëdorovna guiou o cortejo dirigido ao mais sagrado templo da Rússia para a cerimônia de coroação, a coroa caminhou sob um baldaquino sustentado por dezesseis notáveis de alto nível, seu manto de cor púrpura sustentado por quatro cavalheiros e dois mestres de caça. A imperatriz apenas havia tomado lugar na catedral, quando trinta e dois oficiais trouxeram-lhe um magnífico baldaquino sustentado por dezesseis estacas aos pés da Escadaria Vermelha, onde trinta e dois generais renderam- lhe a troca, mas foi só́ depois que o protopop Janysev aspergiu água benta no caminho da procissão, e dois metropolitanos difundiram rios de incenso sobre os emblemas imperiais na entrada da catedral, que Nicolau e Alexandra emergiram para tomar lugar sob o baldaquino, e dirigir-se assim para o lugar da cerimônia. O imperador vestia o uniforme das Guardas Preobajenski e as condecorações das ordens de Alexandre e Sant’Andrea; sua consorte um hábito de brocado de prata bordado pelas freiras do convento Ivanóvski, e adornado pelas insígnias da Ordem de Santa Catarina. Juntos na Igreja, foram escoltados até os dois preciosos tronos sagrados que remontam aos séculos XVII e XV, e o ritual teve início.
Inumeráveis outras cerimônias do gênero (em Viena, em 1908, no sexagésimo aniversário do interminável reino de Francisco José; em Roma, em 1911, no quinquagésimo aniversário do reino da Itália sob os Savoia; em Potsdam, em 1913, no vigésimo quinto aniversário do reino de Guilherme 11) escandiram a belle époque. Neste momento, não obstante a hemofilia do herdeiro do trono vindo à luz em 1913, a mesma dinastia Romanov parece sólida e até inabalável, tanto mais que, longe de estar isolada, adapta-se perfeitamente à paisagem política da época, ainda em larga medida marcada por um antigo regime que vê̂ fundir-se numa única e harmônica família as casas reinantes na Europa, sem distinguir ou inserir diafragmas entre a autocrática Rússia, a Prússia militar-feudal e a liberal Inglaterra: primo de Guilherme 11, Nicolau 11 é por sua vez sobrinho da rainha Vitoria, e os Hohenzollern, os Romanov e os Assia-Hannover gostam de se reunir, por ocasiões de festas e noivados, em torno de Cristiano IX, rei da Dinamarca, que é como o chefe da família, sendo ao mesmo tempo, graças aos matrimônios das filhas, o avô do czar e o sogro do futuro Eduardo VII da Inglaterra.
Essas deslumbrantes cerimônias respondem também a uma acurada manipulação político-social. Um ilustre teórico da Inglaterra vitoriana, Walter Bagehot, tinha na sua época teorizado explicitamente que o consenso da multidão considerada infantil devia ser obtido distraindo a sua atenção das “necessidades físicas comuns” e canalizando seu entusiasmo para ideias ou espetáculos grandiosos e fascinantes, fazendo apelo “a algum vago sonho de glória, ou ao império ou ainda à nacionalidade”, a “algo de sugestivo que pareça transcender a realidade” e a “vida ordinária”.
Tal manipulação não deixa de obter sucessos, ainda uma vez sem distinção, no âmbito da única esplêndida família europeia do antigo regime, entre uma dinastia e a outra. Dois milhões de pessoas assistem religiosamente aos funerais de Eduardo VII.
Ainda mais impetuoso foi o entusiasmo mostrado pelos russos por ocasião da coroação de Nicolau U. É Marc Ferro ainda que’ recorda que depois do desfile, o público vindo de toda a Rússia se reagrupou no campo Choynka apinhando-se sobre os estrados para a tradicional distribuição de presentes. Desde as 6 da manhã, cada um buscava obter os melhores lugares. De repente, a massa se precipitou para frente como se fosse seguida pelo fogo. As últimas filas se espremeram sobre as primeiras em uma confusão indescritível, e foram milhares as vitimas esmagadas e sufocadas. Poucos instantes depois, quando o público pode dar-se conta do ocorrido, nada mais havia a fazer. No chão foram recolhidos 1.282 cadáveres e entre 9.000 e 20.000 feridos”.
Após ter assumido as despesas das exéquias e conceder mil rublos para cada família atingida, o czar agradeceu ao povo russo pela sua impetuosa manifestação de afeto, “um comovente consolo depois desses difíceis dias”.
Direitos civis, políticos e econômico-sociais
O antigo regime é a antítese da democracia. Do gozo dos direitos políticos são excluídos, em primeiro lugar, as mulheres. Na Inglaterra, Emmeline Pankhurst, que dirige o movimento das eleitoras, é obrigada a visitar periodicamente as prisões pátrias. Mas Lenin observa que, no país clássico da tradição liberal, não apenas as mulheres são privadas da cidadania política: o direito eleitoral “é ainda limitado o bastante para excluir o estrato inferior propriamente proletário”; além disso, alguns estratos privilegiados continuam a gozar do voto plural que será́ completamente suprimido somente em 1948.
Também onde o sufrágio masculino tornou-se universal ou quase universal, ele acaba neutralizado pela presença da Câmara Alta que é apanágio da nobreza e das classes mais privilegiadas. No Senado italiano têm assento, na qualidade de membros natos, os príncipes da Casa de Savoia; todos os outros são nomeados em vida pelo rei, sobre indicação do presidente do Conselho. O Senado italiano apresenta “numerosas semelhanças de família” com todas as outras Câmaras altas europeias que, com exceção da francesa, não são eletivas, mas caracterizadas por “uma mescla de hereditariedade e de nomeação real”. Na Grã̃-Bretanha, a Câmara Alta, excetuados poucos bispos e juízes, é inteiramente hereditária. Até no que diz respeito ao Senado da Terceira República francesa, que todavia tem nas costas uma série ininterrupta de agitações revolucionárias culminadas na Comuna, é de notar que ele resulta de uma eleição indireta e é constituído de modo a “garantir uma marcada super-representação das aldeias e dos pequenos centros contra Paris e as cidades maiores”, em completa vantagem, assim, da conservação político-social.
Se atravessamos o Atlântico, o quadro se apresenta, sob alguns aspectos, até pior. Contrariamente aos mitos correntes, também nos Estados Unidos estamos muito distantes do sufrágio “universal”. Deixemos de lado os peles- vermelhas, ou melhor, os seus sobreviventes que tiveram reconhecida pelo Congresso a qualidade de cidadãos americanos apenas em 1924 (Estados como o Novo México e o Arizona recusaram-lhes o direito de voto até 1948). Não vão melhor as coisas no que concerne aos negros; mas deve-se acrescentar que não poucos brancos pobres estão excluídos dos direitos políticos (as restrições raciais e censitárias serão totalmente canceladas somente no decênio 1960-70).
Mas da democracia como hoje a compreendemos fazem parte também os “direitos sociais e econômicos” sancionados pela Declaração universal dos direitos do homem adotada pela ONU em 1948. Pois então, foi o grande patriarca do neoliberalismo, Friedrich August von Hayek, quem denunciou o fato de que a teorização de tais direitos remete à influência por ele considerada funesta da “revolução marxista russa”.
Naturalmente, o movimento operário não esperou o 1917 para lutar pelo reconhecimento de tais direitos. Mas a reação da classe dominante foi frequentemente brutal, e não apenas na Rússia czarista. Dois anos depois da faustosa cerimônia da coroação de Nicolau II, em Milão o general Bava Beccaris recebe intrepidamente a tiros de canhão a multidão que protesta pelo encarecimento do pão, assassinando uma centena de indefesos e merecendo com este feito de armas uma alta condecoração do rei Umberto.
Nesse mesmo período, um eminente estadista americano (Theodore Roosevelt que depois de exercer a presidência dos Estados Unidos participaria do solene cortejo fúnebre de Eduardo VII) formula nestes termos sua filosofia política e social: a ordem “será́ mantida a qualquer custo; se for preciso disparar, dispararemos, e não tiros de festim ou acima das cabeças das pessoas”; “agrada-me ver as tropas ou a brava Guarda Nacional malhar a multidão, sem excessivos escrúpulos pelo derramamento de sangue”; “como foi suprimida a Comuna de Paris, assim se podem suprimir os sentimentos que animam agora uma grande parte do nosso povo, tomando dez de seus líderes, colocando-os contra um muro e fuzilando-os. Penso que se chegará a isto”.
A chaga do racismo
Os bons tempos antigos, idolatrados por todos os empenhados em demonizar a Revolução de Outubro, apresenta porém uma chaga ainda pior. Enquanto na Rússia czarista se açulam os pogroms contra os judeus, nos Estados Unidos a fúria racista se desata contra os negros, os quais, além dos direitos políticos, são privados também dos mais elementares direitos civis. No primeiro ano do século XX, foram linchados nos Estados Unidos mais de 100 negros e antes do estouro da primeira guerra mundial, a cifra salta para mais de 1.100. A crueldade dos racistas não conhece limites: não poucas vezes as vitimas são queimadas vivas. O apartheid é estendido em alguns casos até aos elevadores. Assiste-se a uma “nova escravização” dos negros obrigados a trabalhar por salários de fome impostos não pelo mercado, mas pela força bruta dos patrões brancos. Um extremista chega até a teorizar a necessidade de “assassinar e riscar da superfície da terra” os negros de modo a neutralizar “a ameaça nacional terrível, infausta” que fazem pesar sobre a civilização americana e “ariana”. O mito ariano não foi utilizado apenas em relação às populações de cor. Na Itália, uma difundida publicidade estigmatiza os meridionais como uma raça inferior, não ariana, “mediterrânea” e “suja”. Objeto de discriminação racial tornaram-se os rebeldes e marginalizados. Entre o fim do século XIX e o início do XX, desenvolve-se nos Estados Unidos um movimento que pretende impedir a procriação aos elementos inclinados ao delito, bloqueando assim a transmissão das tendências criminosas e liberando a sociedade de um lastro inútil: entre 1907 e 1915 trinta Estados decretam leis de esterilização forçada, que deve sujeitar, segundo a legislação de Indiana (o primeiro Estado que se move nessa direção), “delinquentes habituais, idiotas, imbecis e violentadores”. Não faltaram os que propugnaram a aplicação de tal legislação também aos vagabundos (no mais das vezes negros). Trata-se de tendências e ideias que encontramos até em Winston Churchill!
O império e a colônia
Porém, voltemos por um instante à morte de Eduardo V. O seu sucessor Jorge V, depois de ter sido coroado rei em Londres, toma parte na Índia, no ano seguinte, da cerimônia que o eleva à dignidade de imperador.
Paramentados com as vestes da coroação, os longos mantos sustentados por pajens ricamente vestidos que eram vários príncipes indianos, as Suas Majestades Imperiais subiram os degraus do palco que se elevava altíssimo e isolado no centro do anfiteatro. Recostados sobre dois tronos resplandecentes circundados de objetos cerimoniais e emblemas, aceitaram as homenagens dos seus servidores e súditos. Lorde Hardinge, o governador geral, na sua veste política e com as flutuantes insígnias da Ordem da Estrela da Índia, subiu sobre o palco mantendo uma posição inclinada, e enfim, se ajoelhou e beijou a mão do rei imperador. Depois que os membros do conselho do vice- rei cumpriram a sua reverência aos pés do palco, foi a vez dos altivos e imponentes – mas submissos – marajás da Índia c dos chefes tribais das zonas de fronteira de render homenagem ao seu senhor. (A.J. Mayer)
A esta esplêndida cerimônia e a outras análogas, com as quais as grandes potências coloniais buscavam imprimir a representação da sua infinita superioridade na mente dos “indígenas”, corresponde a realidade de um domínio que se permite recorrer à servidão e a uma forma mais ou menos camuflada de escravidão e até mesmo ao massacre em larga escala. Como observou Hannah Arendt, “a Bélgica reduz a população indígena (do Congo) de 20-40 milhões em 1890 para 8 milhões em 1911″. Talvez o genocídio das “raças inferiores” pareça indiretamente teorizado ou sugerido. Theodore Roosevelt assim se exprime: “Não chego ao ponto de crer que só́ índio morto é índio bom, mas creio que, na prática, é verdade nove casos em cada dez; isso sem aprofundar demais o caso do décimo”.
Nas colônias da Europa “civil” e liberal aparecem até campos de concentração, onde a Inglaterra entre 1898 e 1900, recolhe os bôeres rebeldes ou suspeitos, inclusive mulheres e crianças. Por causa das terríveis condições de vida e da consequente profusão de doenças e epidemias no interior dos campos de concentração (a expressão começa a entrar em uso próprio a partir da guerra anglo-bôer), a mortalidade atinge uma taxa elevadíssima. A indignação generaliza-se na medida em que a repressão atinge uma população de origem europeia e não simples indígenas da África. O tratamento infligido a esses últimos é assim descrito e justificado por um autor destinado a depois tornar-se célebre, antes de se tornar marca registrada das autoridades do Terceiro Reich: “Os bôeres cristãos” – observa Ludwig Gumplowicz “consideram os homens da selva e os hotentotes não como homens mas como seres que é lícito exterminar à guisa de caçada no bosque”.
Em busca de “uma pequena guerra vitoriosa”
Vimos o teórico da Inglaterra vitoriana teorizar a possibilidade e a necessidade de conquistar o consenso da multidão infantil mediante “algo de sugestivo” ou “algum vago sonho de glória”. Nesta categoria incluem-se certamente as esplêndidas cerimônias que vimos, mas também as expedições e as conquistas coloniais, bem como os conflitos de maiores dimensões: a multidão que se esmaga para assistir à coroação de Nicolau 11 ou aos funerais de Eduardo VII acaba por morrer nas trincheiras e na lama da primeira guerra mundial. “Uma pequena guerra vitoriosa”, “uma pequena esplêndida guerra” é o sonho, nos inícios do século, do ministro de polícia do governo czarista e de Theodore Roosevelt. Na Itália, Vilfredo Pareto se excita mais ainda, quando, em 1904, escreve: “Se há uma grande guerra europeia, o socialismo é jogado para trás pelo menos por um meio século e a burguesia fica salva durante esse tempo”. E nos inícios do gigantesco conflito, deflagrado em primeiro lugar por causa das insanáveis contradições que laceram as potências imperialistas, mas que é também utilizado pelas classes dominantes para desviar a atenção dos problemas internos, o cálculo parece realizar-se: em toda parte cria-se um clima de sagrada união nacional que na Rússia contagia, inesperadamente, também o marxista George Plekhânov e o anarquista Piotr Kropótkin, de modo que 1914 apresenta-se como “o ano de glória do czarismo; na Europa e no mundo entoa-se um coro que proclama o fim do marxismo e da luta de classes, dado que, como mais tarde observará, irônico e triunfante, Pareto, com a eclosão da guerra com a participação dos diversos partidos socialistas, “o preceito do mestre [Marx]: ‘proletários de todos os países, uni-vos’ transformou-se implicitamente em outro: ‘proletários de todos os países, assassinai-vos”’.
Certamente, o delírio da multidão dura pouco: a realidade das trincheiras se encarrega de fazê-la tomar juízo; e com ela sobressaem em primeiro plano a lei marcial, os pelotões de execução, as dizimações (1). No Parlamento, o ministro “reformista” Leonida Bissolati revoltado com os deputados pacifistas ou com todos os não suficientemente belicosos, urra: “pela defesa do país, eu estarei pronto para disparar sobre todos vocês!”. Para não morrer, para não ser obrigado a morrer, não poucas vezes os soldados procedem à automutilação: “tímpanos perfurados com pregos, cegueira procurada espargindo nos olhos secreções blenorrágicas, abcessos obtidos com injeções subcutâneas de benzina, petróleo ou piche, mãos decepadas com golpes de sapa ou trituradas sob grandes pedras, tiros de arma de fogo disparados à queima-roupa nas mãos ou nos pês”. Mas a justiça militar tudo vê̂, seus espiões estão por toda parte, e não poucos dos automutilados acabam condenados à morte; para não perder tempo, um general italiano, Antonio Graziani, procede à inspeção das trincheiras constantemente acompanhado do pelotão de execução.
Sim, o povo não quer a guerra; e, todavia – brada o democrata Guido Dorso -, veremos assim mesmo “uma minoria audaz e genial que arrastará pela goela esta turba de mulas e de covardes a morrer como heróis ou a vencer como triunfantes”. Também gravemente feridos, estes “covardes” não suscitam compaixão: um outro democrata, Gaetano Salvemini, observa ao governo que é desaconselhável mandá-los “passar o período de convalescença em família porque os seus discursos sobre os perigos, os incômodos e as mortes em guerra teriam ‘efeitos psicológicos perigosíssimos”’. Não há salvação nem para os mutilados ou para os que ficaram abalados demais no ânimo: é bom que se abstenham do matrimônio – esta é a respeitável opinião do padre Gemelli, que sugere “remédios eugênicos negativos que têm o propósito de impedir ou ao menos limitar o nascimento de indivíduos portando no seu organismo ou na sua vida psíquica os traços indeléveis do sofrimento padecidos pelos genitores por causa da guerra”. Estamos, agora, para usar as palavras de Rosa Luxemburgo, no “genocídio”: “a cante de canhão carregada sobre os trens em agosto e setembro [1914] e patrioticamente exaltada, apodrece agora na Bélgica, nos Vosges(2), na Masúria (3) em campos de morte sobre os quais o lucro passa a sua face inexorável”. As cerimônias com as quais a esplêndida família do antigo regime celebrava o seu poder e a sua glória” estão suspensas: “cada soberano por graça divina aponta para aniquilá-lo, exige e celebra “o extermínio em massa” que, a partir de agora, “tomou-se assunto de todos os dias”. O “genocídio” da primeira guerra mundial parece evocar outros. A Rússia czarista (autocrática mas envolvida em uma relação estreita de aliança e de solidariedade com os países liberal-democráticos) deporta os judeus, suspeitos de pouca fidelidade, para zonas de confinamento. Um deputado da Duma assim descreve as modalidades da operação: em Radom, na Polônia central, às 23 horas, “a população é informada que deve abandonar a cidade, com a ameaça de que qualquer pessoa que for surpreendida na aurora será́ enforcada (…) Devido à falta de meios de transporte, velhos, inválidos e paralíticos devem ser carregados. Polícia e gendarmes tratam os judeus como criminosos. Um trem foi completamente lacrado; quando finalmente o reabriram, a maior parte dos que estavam dentro agonizava”.
Do meio milhão de judeus deportados, cem mil não sobreviveram. Mas o clima de histeria e loucura é contagioso: nos Estados Unidos o reverendo Nevell Dwight Hillis “proclama do púlpito a convicção segundo a qual os alemães são geneticamente tarados e propõe um plano de extermínio do povo alemão mediante a esterilização forcada de dez milhões de machos”. Sim, Rosa Luxemburgo tem razão. Agora em todos os países envolvidos no feroz conflito há uma “atmosfera de assassínio ritual”, um clima que já́ fede a “solução final”. Este é o mundo caro aos nostálgicos dos bons tempos antigos; este é o mundo contra o qual se levanta a Revolução de Outubro.
Golpe de Estado ou revolução?
Em nossos dias, é quase um lugar comum definir Outubro como um golpe de Estado, mais ainda, culpado de ter enxotado “a democracia que estava se edificando sobre as alíneas do czarismo e havia de levar o país ao Ocidente.
O Ocidente, Kerenski e a democracia
Em realidade, os governos e as burguesias dos países da Entente (Inglaterra, França, Rússia e Itália), depois de terem esperado que a derrubada do czarismo relançasse a participação da Rússia na guerra “democrática” contra os Impérios Centrais (Áustria-Hungria e Alemanha), viam com profunda desconfiança a nova situação e a “desordem” criadas com a revolução de Fevereiro e se colocam na busca frenética de um homem forte. É o próprio Alexandr Kerenski quem denuncia, nas suas memórias, o auxílio de todos os gêneros alimentícios fornecidos pelo Ocidente a todos os “complôs militares” que visassem a “instauração de uma ditadura”.
Se não são os seus aliados ocidentais, é Kerenski que representa a causa da democracia? O dirigente menchevique é um fervoroso chauvinista, decidido a prosseguir a guerra a todo custo: mais tarde, confessará candidamente que, nas suas intenções, a revolução de Fevereiro devia servir para tornar a deslanchar as operações militares da Rússia, bloqueando qualquer tentativa de “paz separada”.
Mas a nova situação criada favorece o desenvolvimento das reivindicações nacionais dos povos tradicionalmente oprimidos pelo czarismo: entre os primeiros a exigir a independência estão a Polônia e a Finlândia. Disposto a concessões no que diz respeito à Polônia já́ ocupada pelas tropas alemãs, o governo provisório é intransigente sobre a Finlândia. O chauvinismo caminha pari passu com o não reconhecimento dos direitos dos povos oprimidos.
Como logo fazem notar os bolcheviques: não “é digno do socialismo, mas nem mesmo do simples democratismo tratar deste modo as nações oprimidas” – observa Vladimir Ilich Ulianov, chamado Lenin, que portanto, ao menos sobre este ponto, é quem representa a causa da democracia.
Guerra e mobilização total
A escolha pela continuação da guerra é, ao mesmo tempo, uma escolha pelas medidas totalitárias impostas por uma guerra total. O zelo belicista dos mencheviques leva um dos seus, Plekhânov, a publicar um artigo (cheio de desprezo não só́ para com os comunistas ou socialistas de esquerda, mas também para com os “tolstoianos” e todos os “pacifistas chorões”) sobre “O povo da Itália” dirigido por Benito Mussolini, futuro líder do fascismo mas já́ neste momento empenhado em reivindicar o punho de ferro em prejuízo daqueles contra quem também brada o expoente menchevique.
Em julho, Kerenski lança uma ofensiva militar: a palavra de ordem dominante é a da disciplina que implica o férreo controle dos soldados pacifistas e até o recurso ao fuzilamento; consequentemente, aumenta o peso e “a autoridade dos oficiais czaristas”.
Os sentimentos e a vida dos soldados e das massas urbanas contam bem pouco: é necessário manter firmes os objetivos de guerra e demonstrar aos Aliados que a nova Rússia está decidida a lutar e a prosseguir o massacre até o fundo: nos fins de julho, é reintroduzida a pena de morte também para os civis. Naturalmente, Kerenski sabe muito bem que tal linha politica se choca contra a crescente vontade de paz do povo russo e com a resistência organizada de um partido politico bem preciso, que é o bolchevique.
O braço de ferro é inevitável. A direita no seu complexo aspira a um Louis Cavaignac, o general que soube desbaratar impiedosamente a revolta operária de junho de 1848 em Paris e que, na Rússia, parece dever encamar no dirigente menchevique: “Tomado presidente do conselho a partir de julho e sob a constante pressão dos embaixadores dos aliados, Kerenski pensa seriamente em instaurar, nesta situação de emergência, um tipo de ditadura”; com tal fim, vale-se da colaboração do general dos Cossacos e comandante supremo, Lavr Georgevich Komilov, o qual, porém, tenta ele mesmo um golpe de Estado, que pode ser contraminado só́ com a ajuda decisiva do partido bolchevique.
A superioridade moral dos bolcheviques
Cito aqui o historiador Ernst Noite, fervoroso anticomunista, que em tal circunstância deixa escapar uma significativa descrição do comportamento dos bolcheviques:
Eles opuseram um exército de agitadores às tropas avançadas do comandante supremo para convencê-las de que, obedecendo aos seus oficiais, agiriam contra os seus mais autênticos interesses, prolongando a guerra e aplainando a estrada para a restauração do czarismo. E assim, na marcha sobre Petrogrado, e antes ainda em diversas localidades do país, as tropas sucumbem à força de persuasão de argumentos que simplesmente articulavam os seus desejos e as suas angústias mais profundas e dos quais nem haviam tomado consciência. Para nenhum dos oficiais presentes poderia ter sido possível esquecer como os seus soldados debandavam, não sob o fogo das granadas, mas sob a tempestade das palavras.
Portanto, os bolcheviques logram bloquear a contrarrevolução, contrapondo de modo organizado à força militar do exército argumentos que encontram profunda ressonância nos soldados. A sua superioridade não está no uso mais desenvolto da violência. Compreende-se agora a influência crescente dos sovietes e a afirmação no seu interior da hegemonia dos bolcheviques, e compreende-se outrossim o alarme das classes dominantes: “Para a grande burguesia, para os chefes militares” da Rússia – observa o historiador Marc Ferro – é chegada a hora de “por fim ao duplo poder, desembaraçar-se dos sovietes, prender os bolcheviques e fuzilar os dirigentes”.
A tais preparativos não são completamente estranhos os mencheviques, agora convencidos da necessidade “de recorrer à força contra os seus irmãos rebeldes”, e isto é contra os bolcheviques. Dada a irredutibilidade do contraste sobre o tema da guerra e da paz e em uma situação caracterizada pelo esfacelamento das estruturas estatais e da presença de um duplo poder (o governo provisório de uma parte, os sovietes de outra), a prova de força é inevitável, “e é vão perguntar quem começou”.
Não apenas o recurso à violência não caracteriza exclusivamente a ação dos bolcheviques, mas estes conquistam o poder político em primeiro lugar em virtude da hegemonia que logram exercitar no âmbito do movimento de massa agora incontível. Sobretudo, radicalizando-se, a rede dos sovietes começa a formar uma espécie de Estado paralelo ao qual provavelmente falta uma cabeça: em outubro esta cabeça é o partido bolchevique.
Inversamente, o Estado legal tem seguramente uma cabeça, o governo provisório, mas os vários organismos não respondem mais às suas ordens no momento em que os sovietes controlam a vida do país. Em Petrogrado, mas também em outras cidades e entre as tropas, os bolcheviques conquistaram agora a maioria no interior dos sovietes: sovietes dos deputados, sovietes dos comitês de fábrica, sovietes dos comitês de bairro etc. Podem assim apossar-se do poder e fortalecer-se graças a uma insurreição armada que abrevia, de algum modo, sua tomada de controle sobre o país.
Algo diferente de um golpe de Estado! Quando depois de Outubro, Kerenski tenta uma contraofensiva, as tropas por ele reunidas debandam “sob o ímpeto da agitação”, como ocorreu precedentemente com as tropas de Komilov. Citamos ainda uma vez Ernst Noite que todavia também fala em golpe de Estado; porém, os fatos apresentados pelo historiador são um constante esquecimento do parti pris do ideólogo. Em realidade, não só́ a conquista mas também a conservação do poder por parte dos bolcheviques não se logra explicar sem a sua capacidade de exercer uma hegemonia política.
Em 1919, enquanto está em curso a ofensiva contra o poder soviético desencadeada por Alexandr Vasilievich Kolchak, Churchill se opõe à ideia de uma trégua militar entre os dois beligerantes (que deveria ter tomado possível o socorro alimentício para uma população civil famélica) com um argumento sobre o qual vale a pena refletir: a trégua só́ teria prejudicado as tropas de Kolchak, que acabariam por dissolver-se sob o choque da “propaganda bolchevique que é ainda mais considerável que as armas bolcheviques” .
Como se vê̂, é um estadista “ocidental”, sempre pronto a pintar o bolchevismo como um fenômeno de pura violência, que prefere o recurso às armas e teme o confronto pacífico das opiniões. Tanto mais ridículo resulta este mito da ideologia dominante, se consideramos que o citado historiador acaba reconhecendo a contragosto não só́ o forte consenso popular de Outubro, mas definitivamente a falta de alternativa à revolução bolchevique e ao seu conteúdo socialista: “Este ímpeto das grandes massas para se apropriar daquilo de que até então estavam privadas – a autoestima, a participação, a cultura – assume as formas mais disparatadas, e mesmo se Lenin o tivesse desejado, dificilmente teria podido impedir que os operários assumissem o controle das fábricas e que falassem cada vez mais em socialismo”.
A reação russa e a guerra como laboratório do nazismo e do fascismo
Quantos livros foram escritos para assimilar o comunismo ao nazismo ou ao fascismo, como formas diversas de ditaduras ou de regimes totalitários? Porem, se estudamos a história da Rússia do século XX, damo-nos conta de que a ideologia e os métodos que depois se tornaram próprios do fascismo e do nazismo emergem e se desenvolvem progressivamente como reação exatamente ao movimento revolucionário russo.
Sindicatos amarelos e organizações protofascistas
Na tentativa de enfrentá-lo, no inicio deste século, um funcionário do Ministério do Interior do governo czarista, Sergei Vasilievich Zubatov, teve uma ideia audaz: promover uma espécie de sindicato amarelo sob o olho vigilante da polícia, com o objetivo de arrancar do movimento tendencialmente socialista a sua base social. Todavia, tal iniciativa acaba por estimular uma transbordante agitação que, escapando a todo controle do alto, desemboca depois na revolução de 1905. Nem por isto a reação czarista desiste da tentativa de buscar instrumentos novos de luta, copiando, eventualmente, também dos próprios inimigos. Se malogrou a tentativa de por em pé́ um sindicato amarelo, prenhe de um sinistro futuro revela-se em contrapartida o recurso a uma outra medida radicalmente inovadora, à primeira vista incompatível com a ideologia tradicional da autocracia. Trata- se da organização de um movimento politico. que busca ganhar amplo consenso também entre os estratos populares, fazendo apelo a uma demagogia ao mesmo tempo nacional e social. Tal movimento não hesita em inserir as massas na vida politica, mas em apoio à autocracia; faz apelo aos operários e aos camponeses para cerrar fileiras em torno do czar, contraminando as manobras dos agitadores e sobretudo dos intelectuais subversivos denunciados como judeus e de qualquer maneira estranhos à realidade nacional russa.
O antissemitismo permite manifestar o conflito político-social e colocá-lo na conta das manobras e da agressão traiçoeira de um inimigo, insidioso e pérfido, da nação; um inimigo que, sendo protagonista de uma espécie de guerra não declarada, pode e deve ser tratado com todos os rigores do código militar de guerra. Mas há um outro ponto a sublinhar: já́ alguns anos antes da revolução de 1905, os falsários da polícia secreta czarista forjaram os Protocolos dos sábios de Sino, em que os judeus são retratados como empenhados por um lado em desenvolver um complô̂ pelo domínio mundial e por outro em enriquecer-se ulteriormente, e parasitariamente, às expensas do povo trabalhador, servindo-se além disso para tais objetivos do movimento operário e socialista, o qual, por isso mesmo, é incluído entre os inimigos da Santa Rússia e das massas populares. Tudo isso aplaina a estrada para a fusão da demagogia social e nacional, para a teorização de uma espécie de socialismo nacional, em última análise para a criação de movimentos e partidos reacionários com uma base social de massa (isto que constitui uma característica essencial do fascismo e do nazismo).
Tal projeto ou tendência torna-se mais claro ulteriormente, depois da Revolução de Fevereiro. Agora não se trata mais de fazer referencia a uma dinastia totalmente desacreditada e nem à instituição monárquica enquanto tal; no ínterim houve a experiência da primeira guerra mundial, celebrada nos diversos países como momento privilegiado de realização de uma comunidade nacional intimamente coesa, que desmente de uma vez por todas o “mito” marxista da luta de classes e que, para salvaguardar a sua harmonia interior, é chamada a enxotar com punho de ferro os agitadores que do exterior buscam turvá-la e manchá-la. A experiência ideologicamente transfigurada da comunidade das trincheiras, que aparentemente quebra as diferenças de censo e de casta, fundindo todos os combatentes sem distinção em uma mística unidade nacional, conduz à teorização de uma sorte de socialismo de guerra: e eis então a possibilidade de atrair ex-revolucionários (como Boris Savinkov, o ex-terrorista dos anos 1900-1905), já́ alinhados, no momento da deflagração do primeiro conflito mundial, a favor de uma presumida guerra de defesa nacional e patriótica. Toma forma assim, para citar o historiador francês Marc Ferro, “um modelo antirrevolucionário que apresenta analogias com o modelo fascista”. É um juízo compartilhado por um respeitado historiador do antissemitismo, Leon Poliakov, que caracteriza a União do Povo Russo e dos Cem Negros como “organizações protofascistas” .
Reação antibolchevique e antissemitismo
Recrutando em particular nos meios antissemitas, organizações como a União do Povo Russo c os Cem Negros conseguem não poucos sucessos, como desponta também das intervenções alarmadas e dramáticas de Lenin: semeando “a desconfiança e o ódio entre as nacionalidades que ela oprime”, recorrendo às “instigações infames, a corrupção e a utilização do álcool”, a reação czarista faz de tudo para empurrar “as massas inocentes aos pogrom”, para “fazer incitar as ralés da nossa maldita ‘civilidade’ capitalista”. Para a reação, o Outubro é a prova decisiva do papel nefasto desenvolvido no processo revolucionário pelos judeus, fortemente presentes no grupo dirigente bolchevique. Na véspera da derrubada dos Romanov, é o mesmo Lenin a esclarecer que, exatamente enquanto vítimas preferenciais do “ódio czarista”, exatamente enquanto constituem “a nação mais oprimida e mais perseguida”, os judeus fornecem “um alto percentual de dirigentes (em relação ao número total da população judaica) ao movimento revolucionário”, e, sobretudo, “têm o mérito de dar, em comparação com as outras nacionalidades, um percentual mais elevado de internacionalistas”. A reação, em contrapartida, não se cansa de bradar contra o complô. Poderosamente alimentado pelos Brancos e pelas forças contrarrevolucionárias, o antissemitismo amplia, ulteriormente, a sua base social de massa. Seguem-se pogrom de dimensões maciças. No fim de março de 1919, enquanto promove leis severíssimas contra a agitação antissemita, Lenin pronuncia um discurso que é gravado em disco de modo a atingir também os milhões de analfabetos: “O ódio contra os judeus se mantém firmemente apenas onde o jugo dos proprietários de terras e dos capitalistas afundou os operários nas trevas da ignorância. Apenas pessoas completamente ignorantes, completamente embrutecidas, podem acreditar nas calúnias difundidas contra os judeus. São resíduos da Idade Media (…)”. Desponta mais uma vez o alarme (:10 dirigente bolchevique, ainda que, contrariamente à sua análise, ou às suas esperanças, poucos anos depois o antissemitismo tenha acabado por espalhar-se também em um país nitidamente mais desenvolvido e onde o analfabetismo na prática havia desaparecido. Como foi justamente observado, os crimes nazistas relegaram a segundo plano os massacres das gerações precedentes, de modo que poucos estão a par do prelúdio que se desenvolveu de 1918 a 1920.
Vimos o caráter “protofascista” que tendeu a assumir a reação contra a revolução de 1905; é uma tendência que se acentua ulteriormente em 1917 e no curso da luta contra o Outubro. Nesse sentido, alguns historiadores (em particular Konrad Heiden) são da opinião que a política nazista tem “as suas fontes espirituais na Rússia dos Czares, no ambiente dos Cem Negros e dos Russos ‘puros”’. Os emigrados russos exercem um papel importante na difusão do antissemitismo. Ainda assim, o nascente movimento nazista tira da emigração russa e antibolchevique não só́ ideias, mas também meios financeiros é até militantes e quadros em medida não negligenciável.
O Ocidente e o mito do complô̂ judeu-bolchevique
Porém, para compreender adequadamente o último ponto é preciso ter presente que, se por um lado foi duramente combatido pelos bolcheviques, o antissemitismo encontra um terreno muito fértil em todo o Ocidente. Também nos países de tradição liberal mais consolidada, prospera, depois do Outubro, o mito da conspiração mundial judaico-bolchevique, para cuja difusão contribuíram poderosamente os emigrados russos em fuga do pais dos sovietes. O mesmo Poliakov, de modo algum indulgente em relação ao Estado nascido da revolução bolchevique, acaba por reconhecer: “Todos os países burgueses estão expostos à propaganda dos Brancos que em ultima análise se reduz à equação ‘bolchevismo = judaísmo”’.
Para Churchill, Lenin é o grande mestre e chefe de uma seita formidável, a mais formidável do mundo”. Para que não reste nem a sombra de uma dúvida, eis que o estadista inglês intervém, alguns dias depois, com um ulterior esclarecimento: “Querem destruir toda fé́ religiosa que consola e inspira o ânimo humano. Crêem no soviete internacional dos judeus russos e polacos. Nós continuamos a crer no Império britânico”. Na Inglaterra, não bastam meias medidas; remontam até a Revolução francesa e também nela descobrem ou redescobrem a secreta trama judaica. Trata-se, como se vê̂, de uma velha tese, mas que, foi então novamente reativada e renovada por uma autora inglesa, Nesta Webster, logo citada favoravelmente por Winston Churchill. À tese da continuidade do complô̂ judaico da Revolução francesa à de Outubro talvez faltasse um elo. A lacuna é logo preenchida: os ”tipógrafos oficiais de Sua Majestade” tratam de imprimir a edição inglesa dos Protocolos dos sábios de Sino, pouco tempo depois citada com grande evidência pelo Times, como prova ou indício da ameaçadora manobra conspiratória que estava encurralando o Ocidente.
Tal é o terror suscitado pela revolução de Outubro que a tese do complô̂ “judaico-bolchevique” atravessa o Atlântico e atinge um país no qual, até aquele momento, o fenômeno do antissemitismo era quase desconhecido, mesmo porque o tradicional bode expiatório era constituído por um diferente grupo étnico, isto é, pelos negros. Primeiramente com a guerra e depois com a revolução de Outubro, a situação muda: a cruzada contra o perigo judaico- bolchevique adquire vigor suficiente a ponto de gabar-se da participação na primeira fila também de Henry Ford, o magnata da indústria automobilística, que funda com tal propósito uma revista de grande tiragem, o Dearborn independem: os artigos nela publicados são reunidos em novembro de 1920 em um volume, O judeu internacional, claro que logo torna-se um ponto de referencia do antissemitismo internacional, a ponto de poder ser considerado “sem dúvida o livro que mais contribuiu para a celebridade dos Protocolos no mundo”. É verdade que, algum tempo depois, Ford é obrigado a renunciar à sua campanha, mas nesse ínterim foi traduzido na Alemanha e encontrou grande fortuna.
Mais tarde, hierarcas nazistas de primeiro plano, como von Schirach e até Henrich Himmler, diriam que se inspiraram nele ou que dele tomaram as sementes. O segundo, em particular, narra ter compreendido “a periculosidade do judaísmo” apenas a partir da leitura do livro de Ford: “para os nacional-socialistas foi uma revelação”. Segue depois a leitura dos Protocolos dos sábios de Sino: “Estes dois livros nos indicaram a via a ser percorrida para livrar a humanidade aflita do maior inimigo de todos os tempos, o judeu internacional”; como é claro, Himmler faz uso de uma fórmula que ecoa o título do livro de Henry Ford. Poderia tratar-se de testemunho em parte interessante e instrumental. É um dado de fato, porém, que nos colóquios de Hitler com Dietrich Eckart, a personalidade que teve sobre ele a maior influência, o Henry Ford antissemita está entre os autores mais frequente e positivamente citados. E, por outro lado, segundo Himmler, o livro de Ford teria exercido, juntamente com os Protocolos, um papel “decisivo” não apenas em sua formação como também na do Führer. O fato é que O judeu internacional continua a ser publicado com grande honra no Terceiro Reich com prefácios que sublinham o decisivo mérito histórico do autor e industrial americano (ao ter trazido à luz a “questão judaica”) e evidenciam uma sorte de linha de continuidade de Henry Ford a Adolf Hitler. Há de se acrescentar que, ainda em nossos dias, o livro do magnata americano da indústria automobilística continua apreciadíssimo nos ambientes neonazistas (na Itália foi publicado pelas Edizioni di Ar e ocupa bela posição, juntamente com os discursos de Hitler, no catálogo da editora de Franco Giorgio Freda).
Dos pogroms ao genocídio
Voltemos à Rússia. No curso da sua guerra não declarada e “contrária ao direito dos povos” (Gramsci), o Ocidente não hesita em aliar-se com as forcas mais reacionárias e até com os grupos antissemitas. Reconstruamos os fatos sempre guiados por historiadores não suspeitos de simpatias filo- bolcheviques. No verão de 1918, as forcas britânicas desembarcadas no norte da Rússia procedem a uma propaganda maciça com panfletos antissemitas lançados pelos ares. Alguns meses depois, verificam-se pogroms de assombrosas proporções nos quais perdem a vida cerca de sessenta mil judeus: “Diz-se que os aliados, agora empenhados na sua invasão da Rússia, tinham apoiado secretamente os pogroms” (segundo narra o historiador George L. Mosse). E portanto daquilo que foi chamado o “prelúdio” do genocídio nazista participam não apenas grupos da Bielorrússia, mas também as forcas da Entente. Emerge aqui uma linha de continuidade que, dos pogroms tradicionais da Rússia czarista, conduz, através dos massacres em larga escala perpetrados pelos Brancos, ou seja, pelas tropas anti- bolcheviques apoiadas pela Entente e através, outrossim, da psicose do complô̂ hebraico-bolchevique que transborda também no Ocidente, até o nazismo e a solução final. Ainda durante a segunda guerra mundial, nas regiões da Europa oriental ocupadas pelo Terceiro Reich, pogroms locais, atiçados ou encorajados pelas autoridades nazistas, são chamados a flanquear ou a estimular aquela que então se apresentava como a “solução final”.
Na vertente oposta é de notar que, no curso da segunda guerra mundial, ao celebrar o 24° aniversário da Revolução de Outubro e falando à Moscou cercada pelo exército nazista, Stalin denuncia o Terceiro Reich como “uma cópia do regime reacionário que na Rússia existiu sob o nome de czarismo”: os hitleristas “organizam pogroms medievais contra os judeus, assim como os organizava o regime czarista”. Por severo que possa ser o juízo sobre a atitude do desapiedado ditador assumida contra as minorias nacionais e étnicas (incluídos os judeus) e sua identidade cultural e religiosa, Stalin aponta de qualquer modo para um problema de continuidade histórica sobre o qual convém refletir: depois da revolução bolchevique, o uso dos Protocolos dos sábios de Sino. passa das mãos da policia czarista e da reação russa, através de Henry Ford, para as da Gestapo que, depois da Operação Barbarossa (4), apressa-se a completar no Leste a caça ao judeu já́ iniciada pelas tropas brancas apoiadas pela Entente anglo-francesa.
Da guerra ao fascismo
M as nesse ponto não se pode deixar de fazer ao menos uma consideração de caráter geral que ultrapassa os confins da Rússia. Não se compreende nada do fascismo e do nazismo sem ter presente o clima que se cria em toda a Europa em seguida à deflagração da primeira guerra mundial, justificada, legitimada e talvez liricamente cantada e transfigurada por um alinhamento variado mas amplíssimo, com respeito ao qual apenas os bolcheviques e revolucionários tem a coragem de colocar-se na oposição. Ao menos nos primeiros meses, a conflagração e carnificina desumanas são frequentemente celebradas como algo de “grande e maravilhoso” (Max Weber): arregimentando toda a população em uma mobilização total e fundindo-a em uma comunidade nacional aparentemente harmônica, toda animada pelo coro de um sentimento patriótico que não quer saber nada de conflitos políticos e sociais, a guerra se apresenta às classes dominantes, para além dos objetivos imperiais perseguidos, como a solução longamente buscada para um problema angustiante; ela é vivida, para usar as palavras do historiador inglês George L. Mosse, “como instrumento para abolir a estrutura de classes” e por definitivamente fora do jogo o movimento operário organizado e o marxismo. Na Itália, já́ alguns anos antes, Benedetto Croce havia acusado os socialistas de terem destruído a “consciência da unidade social” e se lamentava da “decadência geral do sentimento de disciplina social; os indivíduos não se sentem mais ligados a um grande todo, submetidos a ele, nele cooperantes, tirando o seu valor do trabalho que cumprem no todo”. Em 1914, a guerra já́ iniciada (mas a Itália ainda não se alinhara no flanco da Entente), Croce parece individualizar a realização do cobiçado “grande todo” na Alemanha imperial, toda unida no seu esforço de guerra, do qual participa lealmente, na sua grande maioria, também o movimento socialista e sindical: “Para mim acendeu-se a esperança de um movimento proletário enquadrado e resoluto na tradição histórica de um socialismo de Estado e nação (…) Creio que os socialistas alemães, que se sentiram um todo com o Estado alemão e com a sua férrea disciplina, serão os verdadeiros. promotores do futuro da sua classe”. O “grande todo” longamente cobiçado e constantemente colocado em perigo pela teoria marxista da luta de classes encarna-se agora, aos olhos do filósofo idealista, na organização e militarização de toda a população e da classe operária, a qual longe então de constituir-se uma ameaça para a classe dominante, aceita docilmente imolar- se sobre o campo de batalha. Ainda vários anos depois – o fascismo já́ está no poder -, Croce continua a celebrar a “fornalha de fusão” da guerra e a contrapor o patriotismo de Mussolini e dos socialistas alemães ao irresponsável pacifismo daqueles italianos (para não falar comunistas). O “socialismo de Estado ou de nação” não parece estar distante do programa político daquele que inicia a marcha que o conduz enfim a tornar-se guia do fascismo louvando primeiro o intervencionismo e depois, agitando, em contraposição ao movimento operário e marxista, a palavra de ordem de uma “trincheirocracia” fundada sobre o “trabalho que volta das trincheiras”. Tanto mais esta aproximação resulta legitima se temos presente o fato de que, ao celebrar o “socialismo de Estado ou de nação”, Croce lembra o último Antonio Labriola, “socialista e patriota, e até imperialista, fautor da guerra, fautor das conquistas coloniais”. Não há dúvida: o filósofo napolitano não se afastará jamais do liberalismo (não privado de simpatias, ao menos inicialmente, pela energia antissocialista e anticomunista das brigadas fascistas); resta o fato de que os motivos aqui vistos acabam por ser herdados e radicalizados pelo fascismo e pelo nazismo os quais buscaram “superar” o marxismo e a luta de classes, ocultando os conflitos sociais internos mediante um “socialismo” de guerra, que realiza a unidade do “grande todo” graças à “fornalha de fusão” das aventuras militares e das agressões imperialistas. Pois então, a tudo isto têm o mérito de terem se contrapostos, desde o estouro do primeiro conflito mundial, Lenin e os bolcheviques. Por esta sua atitude, são estigmatizados por Croce como estúpidos “moralistas políticos”, dado que põem em discussão o direito do Estado de sacrificar os próprios cidadãos ou súditos sobre o altar da sua vontade de potência. Togliatti responde ao filósofo liberal acusando-o de querer afastar “o Estado da consciência dos indivíduos”, pondo “entre eles um abismo (…). O Estado volta a ser uma abstração, porque se lhe tirou o sustento concreto da vontade moral dos indivíduos”. “É um resquício da antiga transcendência, uma sombra do velho Deus”. E então, o Estado que, segundo Croce, tinha o direito de empenhar-se livremente na guerra seguindo o seu instinto vital e de potência e sacrificando em massa os seus cidadãos, tal Estado aparece aos olhos de Togliatti como nada mais que a superficial secularização do velho Moloch devorador de homens. Contra tal devorador Estado-Deus, e a sua totalitária pretensão de dispor de poder absoluto de vida e de morte sobre seus cidadãos ou súditos estourava a revolução de Outubro. Esta ultima representa, para Togliatti, a recusa consequente de toda “concepção política que atribui ao Estado uma vontade supra-individual” .
Falência e refundação do marxismo
Ao motivo ideológico do “grande todo” e da “fornalha de fusão” conecta se, imediatamente, um outro. Em 1917, ao sublinhar o que considera a falência ou superação do marxismo, Croce escreve: “O conceito de potência e de luta, que Marx tinha transportado às classes sociais, parece agora retornado das classes aos Estados”. Mais uma vez, o conflito político-social é externalizado: a luta de classes cede o lugar à adesão do proletário à respectiva burguesia nacional em luta contra um inimigo externo. Tinha ido ainda mais longe, no ano anterior, o nacionalista Enrico Corradini que havia procurado obter um consenso social de massa para a guerra apresentando-a como um embate entre nações proletárias e nações burguesas.
Também este ulterior motivo é herdado e radicalizado pelo fascismo e nazismo os quais depois justificaram ou celebraram a segunda guerra mundial como uma luta moral contra a “plutocracia” e pela conquista de parte das nações “proletárias” do indispensável “lugar ao sol”. Desde a deflagração do primeiro conflito mundial, toda a cultura e propaganda burguesa ressoa como grito de triunfo pela adesão dos partidos socialistas à carnificina em ato. Na Itália, o nacionalista Maurizio Maraviglia escreve em 6 de agosto de 1914: “A busca dos pretextos do socialismo revolucionário c internacionalista e da democracia radical c pacifista, forcados a refundar os seus firmes propósitos e a inclinar-se diante do grandioso fenômeno da guerra, é ao mesmo tempo algo ridículo e piedoso”. Com particular satisfação, o mencionado autor lembra a confissão de “alguns amigos sindicalistas, agora de acordo em considerar lorotas sem sentido “todos aqueles lugares comuns que havíamos repetido por tantos anos sobre o proletariado internacional que ao estourar de uma nova guerra surgiria como um único homem a intimar o ‘alto lá́’ aos reis e aos exércitos”. Não, a guerra c a paixão chauvinista eram mais fortes que qualquer internacionalismo, como demonstrava também a parábola de Benito Mussolini que “não brada mais contra o militarismo vampiro, mas fala melodramaticamente do solo pátrio”. A comprazer-se com a falência do “mito” do internacionalismo e da paz está também Vilfredo Pareto, o qual observa: em 1920 se dizia que “os proletários e especialmente os socialistas a teriam impedido com a greve geral ou de outro modo. Depois de tão belos discursos, vem a guerra mundial. A greve geral não se vê̂; ao contrário, nos vários parlamentos, os socialistas aprovaram as despesas para a guerra, ou não lhes fizeram muita oposição”, mas sim, como já́ tínhamos visto, o famoso “proletários de todos os países uni-vos” achou-se implicitamente transformado em “proletários de todos os países assassinai-vos”. Também deste grito de triunfo, os beneficiários últimos acabam sendo os movimentos fascistas ou fascistóides, os quais, na Rússia como em outros países europeus, se difundem também na medida em que podem declarar falido definitivamente o socialismo fundado sobre a luta de classes no interior c sobre o internacionalismo e a paz entre as nações e proclamar o advento de uma “comunidade” cimentada no interior pela guerra e projetada agressivamente para o exterior. Os bolcheviques e os comunistas escolhem um caminho oposto: da constatação da falência da Segunda Internacional fazem proceder a necessidade de uma refundação do movimento operário c marxista que os impede de recair na vergonha da adesão ao “genocídio” da guerra imperialista e de assistir impotente – ou pior, cúmplice – à difusão de mitos políticos e sociais turvos e já́ grávidos do fascismo.
Notas de rodapé:
1. Dizimar, no lúgubre léxico militar, significa fuzilar um em cada dez soldados de uma unidade culpada de ato de indisciplina.
2. Cadeia de montanhas separando a França da Alemanha na região da Alsácia e do Reno.
3. Região lacustre ao sul da costa báltica, historicamente disputada pelos prussianos e poloneses. Em 1914 e sobretudo no glacial mês de fevereiro de 1915, russos e austro-alemães lá́ travaram uma das mais sangrentas batalhas I Grande Guerra.
4. Operação Barbarossa foi o nome de código nazista para o plano de invasão da União Soviética, desencadeado pelas hordas hitlerianas a 22 de junho de 1941.
Tradução de Eduardo Mei para a revista Crítica Marxista no. 4, de 1997. Revisão e notas de João Quartim de Moraes. Publicamos os três primeiros tópicos do estudo intitulado Dalla Rivoluzione d’Ottobre al nuovo ordine intemazionale. Os subtítulos 2 e 3 são do original, mas o título geral destes três primeiros tópicos (“Significado histórico da Revolução de Outubro”) bem como o subtítulo do 1o tópico (“Esplendor e misérias da belle époque”) são nossos. No original este primeiro tópico não tem subtítulo próprio. O leitor constatará que se trata de um excelente trabalho histórico, que desmonta – como fina ironia, notável erudição e firmeza intelectual – as imposturas da reação burguesa, desnudando os profundos vínculos entre liberalismo, fascismo, colonialismo e belicismo. Uma leitura indispensável para quem leva a sério o tema da revolução socialista.
*Domenico Losurdo é professor de Filosofia da Universidade de Urbino, Itália. Autor de importantes trabalhos de Filosofia política, entre os quais se destacam: Democracia e bonapartismo. Triunfo e decandeza del sufragio universale, Ed. Bolatti Boringhieri, Turim e Hegel, Marx e la tradizion liberale, Ed. Riuniti.
Nenhum comentário:
Postar um comentário