31 de março de 2016
Ser contra o impeachment se baseia na
convicção de que há muito mais em jogo do que manter o projeto de poder de um
partido específico.
Por Najla Passos, na Carta
Maior
Atenção você, esquerdista ou não, nacionalista ou
não, progressista ou não, que acredita na democracia e nas conquistas
civilizatórias, que não fecha acordo com fascistas e seus seguidores
desavisados, mas também não se sente à vontade para ir às ruas defender o
governo Dilma do ajuste fiscal, da Lei Antiterrorismo e do acordo com o PSDB
para entregar o pré-sal ao capital estrangeiro: este artigo é uma tentativa de
diálogo exatamente com você!
Por mais que a mídia e a oposição insistam em
classificar os movimentos pela democracia como uma ação exclusiva dos
apoiadores do governo petista, o que você irá encontrar nas trincheiras da luta
é algo muito mais diverso – e muito mais simbólico. As razões de todos se
unirem ali estão muito além da defesa de uma presidenta que frustra as
expectativas da maioria: elas passam pela convicção de que há muito mais em
jogo do que manter o projeto de poder de um partido específico.
Confira aqui cinco razões porque é preciso lutar
contra o golpe e pela democracia… ainda que você não tenha lá nenhuma simpatia
pelo governo Dilma:
1 – Impeachment sem crime de
responsabilidade é golpe sim!
O impeachment é um dispositivo previsto na
Constituição Federal. Portanto, perfeitamente legal, desde que respeite as
condições impostas pela própria carta magna. Uma delas é a de que o mandatário
tenha cometido crime de responsabilidade, algo que a presidenta Dilma Rousseff
não o fez. “Nós estávamos acostumados com golpes debaixo de canhões, com
tanques nas ruas, mas golpe institucional também é golpe”, alerta a senadora
Vanessa Graziotin (PCdoB-AM).
A questão é mais complexa porque existem, sim,
suspeitas de que a campanha de Dilma possa ter sido beneficiadas com doações
ilegais e até mesmo que ela tenha feito vista-grossa ou tentado interferir nas
investigações sobre a corrupção na Petrobrás. Mas são apenas suspeitas, nenhuma
delas comprovada. Pelo menos até este momento, não há sequer investigação em
curso contra a presidenta. Muito menos acusação formal. “Se não houver fato
jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra
em figurino legal e transparece como golpe”, respalda o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello.
O pedido de impeachment que tramita na Câmara tem
como base não as investigações da Operação Lava Jato, como a mídia faz parecer,
mas as chamadas “pedaladas fiscais”, aqueles adiantamentos que a presidenta
autorizou os bancos públicos a fazerem para pagar programas sociais. E isso –
nunca antes na história desse país – chegou a ser cogitado como sendo crime
responsabilidade. É prática corrente entre governadores e prefeitos. Pelo menos
17 governadores já “pedalaram”. Só o de São Paulo, o tucano Geraldo Alkimin,
autorizou 31 desses adiantamentos.
2 – Não faz sentido trocar Dilma por
Temer ou Cunha!
O pedido de impeachment contra a presidenta Dilma
se sustenta nas pedaladas fiscais que seu governo praticou na gestão passada.
Mas elas não foram responsabilidades exclusivas da presidenta. Enquanto ela estava
em viagens oficiais, seu vice, Michel Temer, também assinou algumas. Então, faz
algum sentido tirá-la do cargo para que ele assuma? Há alguma lógica nesta
proposta que não seja a de colocar no poder alguém que não foi exatamente
eleito para exercê-lo?
Mas vamos imaginar então que a chapa deles seja
cassada, que Temer também sofra um impeachment ou seja levado a renunciar. Aí
fica mais complicado ainda: o presidente da república, então, será o atual
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), este sim acusado por vários
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, réu em processo que tramita no STF.
Nessa altura, já fica difícil sustentar a tese golpista de que o impeachment é
um antídoto contra a corrupção, não é?
3 – O ‘sindicato de ladrões’ que irá
julgar Dilma não têm legitimidade para fazê-lo.
Esta semana, o mundo se espantou com a manchete
“Sindicato de ladrões irá votar o impeachment de Dilma”, estampada pelo jornal
estadunidense Los Angeles Times, na sua edição da última segunda (28). A
reportagem revela que, segundo a ONG Transparência Brasil, dos 67 deputados que
integram a comissão que irá decidir o impeachment da presidenta, 37 são
acusados de crimes muito mais graves do que as pedaladas de Dilma.
Além disso, o processo é todo ele conduzido por
Cunha, desafeto antigo da presidenta Dilma e uma criatura que, além de réu
investigado por crimes gravíssimos, tem utilizado seu cargo para manobrar – de
forma explícita – a Comissão de Ética da Câmara, com o propósito de escapar de
ter o mandato cassado ou sofrer quaisquer outras punições. Legitimidade, aí,
passou longe!
4 – Não haverá trégua política e nem
retomada do crescimento econômico!
Mas vamos fazer o exercício de imaginar que o golpe
aconteça e Temer ou Cunha assuma a presidência. O que virá depois? A tese
alardeada pelos golpistas é a de que haverá uma trégua política, o país voltará
à normalidade democrática em curto período de tempo, proporcionando assim um
ambiente favorável ao enfrentamento da crise econômica e à retomada do
crescimento. Na avaliação do professor de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani,
trata-se de pura falácia. “Se houver golpe, também haverá luta”, alerta.
Segundo ele, a sociedade brasileira não é mais
aquela de meados dos século passado, que não conseguiu reagir rapidamente às
rupturas democráticas de 1954, coroada com o suicídio de Getúlio Vargas ao
suicídio, e de 1964, quando o golpe instaurou a ditadura militar. Os movimentos
sociais que surgiram e cresceram nos últimos 30 anos irão resistir. “As elites
financeiras, políticas e midiática erram ao acreditar que a sociedade
brasileira no século 21 é a mesma do século passado. Ledo engano. Não somos
mais o país agrário com uma sociedade politicamente desorganizada”, ressalta.
Os almoços de família não voltaram a ser tranquilos
como antes, a polarização continuará se materializando em violência. Na
avaliação do professor, o mais provável é que ocorra acirramento dos ânimos, da
intolerância e da luta de classes que já está nas ruas, com os movimentos de
mulheres, de jovens secundaristas, de trabalhadores sem-teto. “A
governabilidade do país poderá depender de um Estado policial ainda mais severo
do que o utilizado em 1964. Agora, não bastará intervir nos sindicatos”,
avalia.
5 – O impeachment vai aprofundar o
ajuste fiscal e o corte de direitos!
O golpe não é um fim em si mesmo, construído ainda
que com o objetivo pouco republicano de acabar com uma força política do
espectro brasileiro. Ele é o instrumento adotado pelo conjunto de forças
golpistas que visam terminar de vez o serviço que iniciaram no governo Fernando
Henrique Cardoso, e que, inclusive, obteve avanços pontuais nos governos Lula e
Dilma: a implantação do modelo neoliberal no país.
Prova disso é o documento “Ponte para o futuro”,
apresentado pelo PMDB como uma alternativa para o desenvolvimento do país, mas
que serve mesmo é como cartão de apresentação da campanha “Temer presidente”.
Com o apoio da oposição, do empresariado e da mídia cartelizada, o documento
deixa claro que a gestão econômica será ainda mais ortodoxa do que já é. O
ajuste fiscal será aprofundado. O corte de direitos trabalhistas e programas
sociais, a regra.
Neste contexto, propostas como a de terceirização
total da mão de obra, reforma da previdência, redução do salário mínimo e dos
gastos com políticas sociais, privatização das estatais e entrega do pré-sal
ganham amplo espaço. “Num cenário de democracia fraturada, o aprofundamento de
políticas econômicas de austeridade requer a radical supressão de direitos
sociais e trabalhistas. Neste caso, o foco é acabar com a cidadania social
conquistada com a Constituição de 1988, marco do processo civilizatório
brasileiro”, sintetiza Fagnani.
Foto de capa: José Cruz / Agência
Brasil
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