Às vésperas da Câmara analisar o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o professor de Economia da Unicamp, Pedro Rossi, alertou que o plano da oposição para o “pós-golpe” significa a desconstrução da Constituição de 1988 e a retirada de direitos sociais. De acordo com ele, além de promover retrocessos para os trabalhadores, um “governo ilegítimo” que se originasse deste “golpe contra a democracia” teria ainda mais dificuldade de recompor a economia.
Por Joana Rozowykwiat
Em entrevista ao Portal Vermelho, Rossi analisa que o processo de impeachment é, na verdade, parte de um golpe, que atenta contra os fundamentos da democracia. “A soberania do voto popular é um desses pilares, que está sendo derrubado. Mas o golpe é mais complexo. Outros pilares também estão sendo testados. Um deles é a segurança jurídica. A gente tem direito a um julgamento antes de ser preso, mas isso também está sendo posto em dúvida”, citou, em referência a abusos cometidos pelo Judiciário no último período.
O economista se disse preocupado com a possibilidade, no caso de o impeachment ir adiante, de outro pilar, o dos direitos civis, também ser bombardeado. “Meu temor é que se consolide no Brasil um período autoritário, que passe a questionar esses direitos civis, especialmente por conta da reação dos movimentos populares a um governo ilegítimo. É um golpe que está em curso e o processo de impeachment é parte disso”, avaliou.
De acordo com ele, caso a presidenta Dilma seja afastada pelos parlamentares, será natural uma reação popular a esse processo “irregular, ilegal e à margem da Constituição”. Rossi teme então que as mobilizações sociais de resistência sejam reprimidas, com a continuidade dos abusos da Justiça. “Isso seria péssimo para a democracia brasileira”, colocou.
Projeto neoliberal contra trabalhadores
“O impeachment é a deposição de um determinado governo que tinha – pelo menos em tese – um projeto para o país e é, no fundo, a implementação de um outro projeto, que significaria a aceleração de reformas que são neoliberais”, disse o economista.
Segundo ele, um trecho da gravação do vice-presidente Michel Temer que veio a público nos últimos dias já sinalizava o caráter da agenda por trás do golpe. No áudio, o peemedebista afirma que “sem sacrifícios”, não será possível retomar o crescimento.
“O que significa? Que alguém vai pagar a conta. E esse alguém, certamente, será o trabalhador. O projeto liberal prevê flexibilização da CLT, retirada de direitos sociais por meio de desvinculação de receitas do Estado, reforma da previdência social. No fundo, é a revisão da Constituição de 1988”, criticou.
O professor rechaçou a ideia repetida por economistas de direita, de que a “Constituição de 1988 não cabe no PIB”. Segundo ele, trata-se de uma mentira. “Os direitos sociais não são um tema a ser discutido de forma exclusivamente técnica. Não é o economista que tem que tirar ou não direitos sociais, isso é uma decisão coletiva. E há formas de financiar o Estado social”, defendeu.
Reduzir o Estado
De acordo com Rossi, “o programa pós-golpe é de desmonte do estado social, tal como está escrito no programa do PMDB, Ponte para o Futuro, endossado por Temer”.
O professor listou os objetivos da plataforma apresentada pelo partido no ano passado: “engessar o Estado e a sua capacidade de estimular a economia, apontar o funcionalismo como culpado da crise, sucatear as instituições públicas e privatizá-las - a Petrobras será grande frente de resistência, porque vão tentar privatizá-la – e desconstruir o Estado social”.
O economista ressaltou que a Carta de 1988, apelidada de Constituição Cidadã, prevê mecanismos de intervenção do Estado na economia, inclusive alguns instrumentos que já existiam antes, “e traz como novidade o Estado social, ou seja, a obrigação do Estado prover questões como educação, saúde, que são direito de todos”.
É nesse sentido que a Carta estipula percentuais mínimos a serem aplicados nessas áreas, uma obrigação que o “Plano Temer” quer extinguir. Segundo Rossi, na disputa pelo controle do Orçamento, a desvinculação desses recursos ocorreria para que eles “possam ser usados para superávit primário, para o pagamento de juros”, que beneficiam uma parcela ínfima da população.
Governo ilegítimo não ajuda economia
Questionado sobre os impactos de um impeachment na crise econômica, Rossi respondeu que uma saída da presidenta Dilma Rousseff levaria a um aprofundamento dos problemas - ao contrário do que quer fazer crer parte da mídia.
“A crise inclusive se aprofunda. Porque seria um governo ilegítimo, que teria muito mais dificuldade de articular as forças políticas. A tensão social de um [eventual] governo Temer seria enorme, em particular se ele quiser implementar esse programa ultraliberal, de desconstrução de direitos. Vai haver greve, protesto, passeatas. Isso na verdade não ajuda a economia”, anteviu.
Para o economista, a saída para as turbulências econômicas passa pelo respeito à Constituição e por um acordo “que tornasse o país governável, inclusive com reformas que pudessem superar esses problemas”. Isso porque, avaliou, a crise política é sistêmica e necessita de soluções mais complexas. “É uma crise de todo o sistema político, da representação política. O ideal seria mudar isso, uma reforma política seria um passo positivo. Mas evidentemente que não vai estar na agenda desse governo ilegítimo”, avaliou.
Fiesp, de beneficiária a golpista
Pedro Rossi classificou como “curioso” o protagonismo da Fiesp no processo de impeachment, uma vez que o primeiro governo da presidenta Dilma beneficiou em grande medida a entidade. De acordo com ele, a Fiesp apoiou, por exemplo, a queda na taxa de juros promovida na primeira gestão da presidenta. Diante da pressão do sistema financeiro, no entanto, a petista recuou e a Selic voltou a subir.
Além disso, o economista cita que a federação paulista também apoiou a queda no preço da energia e uma atuação forte do BNDES em benefício das indústrias, assim como reivindicou uma série de desonerações, no que foi atendida. Segundo o professor, tais desonerações, inclusive, não deram o resultado previsto.
“Esperava-se que a indústria investisse. O que houve foi um certo alívio das margens de lucro, mas o investimento não reagiu. Para além de um impacto pequeno no crescimento, gerou um problema fiscal para o governo. Então a Fiesp se beneficiou do primeiro governo Dilma e é irônico como agora é um dos principais protagonistas do golpe”, apontou.
Crise econômica expôs luta de classes
Na entrevista, Pedro Rossi avaliou que a coalizão que existia em torno dos governos do PT - na qual coabitavam setores da burguesia industrial e da classe trabalhadora - se desfez ao longo do primeiro governo Dilma.
“Acho que, ao longo do governo, muito por conta da desaceleração internacional e de a crise atingir o Brasil, ficou mais aguda a luta de classes e a forma como esses interesses eram articulados, então isso se desfez”, concluiu.
Para ele, houve uma reação dos setores economicamente mais fortes às políticas sociais e à forma como o governo priorizou projetos populares. Essa reação teria então culminado com a polarizada eleição de 2014, na qual – Rossi avalia – o governo tinha, de fato, um projeto mais progressista de condução do país. Ele lembra que algumas reformas estruturais entraram na pauta, a exemplo da reforma política e a da mídia.
“Representava de fato uma ameaça aos poderes econômicos instituídos. E a reação que estamos vendo hoje acho que é muito mais pelo que o governo poderia ter sido, pelo que propôs, do que, de fato, pelo que o governo está sendo”, encerrou.
O economista se disse preocupado com a possibilidade, no caso de o impeachment ir adiante, de outro pilar, o dos direitos civis, também ser bombardeado. “Meu temor é que se consolide no Brasil um período autoritário, que passe a questionar esses direitos civis, especialmente por conta da reação dos movimentos populares a um governo ilegítimo. É um golpe que está em curso e o processo de impeachment é parte disso”, avaliou.
De acordo com ele, caso a presidenta Dilma seja afastada pelos parlamentares, será natural uma reação popular a esse processo “irregular, ilegal e à margem da Constituição”. Rossi teme então que as mobilizações sociais de resistência sejam reprimidas, com a continuidade dos abusos da Justiça. “Isso seria péssimo para a democracia brasileira”, colocou.
Projeto neoliberal contra trabalhadores
“O impeachment é a deposição de um determinado governo que tinha – pelo menos em tese – um projeto para o país e é, no fundo, a implementação de um outro projeto, que significaria a aceleração de reformas que são neoliberais”, disse o economista.
Segundo ele, um trecho da gravação do vice-presidente Michel Temer que veio a público nos últimos dias já sinalizava o caráter da agenda por trás do golpe. No áudio, o peemedebista afirma que “sem sacrifícios”, não será possível retomar o crescimento.
“O que significa? Que alguém vai pagar a conta. E esse alguém, certamente, será o trabalhador. O projeto liberal prevê flexibilização da CLT, retirada de direitos sociais por meio de desvinculação de receitas do Estado, reforma da previdência social. No fundo, é a revisão da Constituição de 1988”, criticou.
O professor rechaçou a ideia repetida por economistas de direita, de que a “Constituição de 1988 não cabe no PIB”. Segundo ele, trata-se de uma mentira. “Os direitos sociais não são um tema a ser discutido de forma exclusivamente técnica. Não é o economista que tem que tirar ou não direitos sociais, isso é uma decisão coletiva. E há formas de financiar o Estado social”, defendeu.
Reduzir o Estado
De acordo com Rossi, “o programa pós-golpe é de desmonte do estado social, tal como está escrito no programa do PMDB, Ponte para o Futuro, endossado por Temer”.
O professor listou os objetivos da plataforma apresentada pelo partido no ano passado: “engessar o Estado e a sua capacidade de estimular a economia, apontar o funcionalismo como culpado da crise, sucatear as instituições públicas e privatizá-las - a Petrobras será grande frente de resistência, porque vão tentar privatizá-la – e desconstruir o Estado social”.
O economista ressaltou que a Carta de 1988, apelidada de Constituição Cidadã, prevê mecanismos de intervenção do Estado na economia, inclusive alguns instrumentos que já existiam antes, “e traz como novidade o Estado social, ou seja, a obrigação do Estado prover questões como educação, saúde, que são direito de todos”.
É nesse sentido que a Carta estipula percentuais mínimos a serem aplicados nessas áreas, uma obrigação que o “Plano Temer” quer extinguir. Segundo Rossi, na disputa pelo controle do Orçamento, a desvinculação desses recursos ocorreria para que eles “possam ser usados para superávit primário, para o pagamento de juros”, que beneficiam uma parcela ínfima da população.
Governo ilegítimo não ajuda economia
Questionado sobre os impactos de um impeachment na crise econômica, Rossi respondeu que uma saída da presidenta Dilma Rousseff levaria a um aprofundamento dos problemas - ao contrário do que quer fazer crer parte da mídia.
“A crise inclusive se aprofunda. Porque seria um governo ilegítimo, que teria muito mais dificuldade de articular as forças políticas. A tensão social de um [eventual] governo Temer seria enorme, em particular se ele quiser implementar esse programa ultraliberal, de desconstrução de direitos. Vai haver greve, protesto, passeatas. Isso na verdade não ajuda a economia”, anteviu.
Para o economista, a saída para as turbulências econômicas passa pelo respeito à Constituição e por um acordo “que tornasse o país governável, inclusive com reformas que pudessem superar esses problemas”. Isso porque, avaliou, a crise política é sistêmica e necessita de soluções mais complexas. “É uma crise de todo o sistema político, da representação política. O ideal seria mudar isso, uma reforma política seria um passo positivo. Mas evidentemente que não vai estar na agenda desse governo ilegítimo”, avaliou.
Fiesp, de beneficiária a golpista
Pedro Rossi classificou como “curioso” o protagonismo da Fiesp no processo de impeachment, uma vez que o primeiro governo da presidenta Dilma beneficiou em grande medida a entidade. De acordo com ele, a Fiesp apoiou, por exemplo, a queda na taxa de juros promovida na primeira gestão da presidenta. Diante da pressão do sistema financeiro, no entanto, a petista recuou e a Selic voltou a subir.
Além disso, o economista cita que a federação paulista também apoiou a queda no preço da energia e uma atuação forte do BNDES em benefício das indústrias, assim como reivindicou uma série de desonerações, no que foi atendida. Segundo o professor, tais desonerações, inclusive, não deram o resultado previsto.
“Esperava-se que a indústria investisse. O que houve foi um certo alívio das margens de lucro, mas o investimento não reagiu. Para além de um impacto pequeno no crescimento, gerou um problema fiscal para o governo. Então a Fiesp se beneficiou do primeiro governo Dilma e é irônico como agora é um dos principais protagonistas do golpe”, apontou.
Crise econômica expôs luta de classes
Na entrevista, Pedro Rossi avaliou que a coalizão que existia em torno dos governos do PT - na qual coabitavam setores da burguesia industrial e da classe trabalhadora - se desfez ao longo do primeiro governo Dilma.
“Acho que, ao longo do governo, muito por conta da desaceleração internacional e de a crise atingir o Brasil, ficou mais aguda a luta de classes e a forma como esses interesses eram articulados, então isso se desfez”, concluiu.
Para ele, houve uma reação dos setores economicamente mais fortes às políticas sociais e à forma como o governo priorizou projetos populares. Essa reação teria então culminado com a polarizada eleição de 2014, na qual – Rossi avalia – o governo tinha, de fato, um projeto mais progressista de condução do país. Ele lembra que algumas reformas estruturais entraram na pauta, a exemplo da reforma política e a da mídia.
“Representava de fato uma ameaça aos poderes econômicos instituídos. E a reação que estamos vendo hoje acho que é muito mais pelo que o governo poderia ter sido, pelo que propôs, do que, de fato, pelo que o governo está sendo”, encerrou.
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Do Portal Vermelho
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