sexta-feira, 20 de julho de 2012

DITADURA DISFARÇADA NO PARAGUIAI GOVERNA PARA OS RICOS.

 Editado por Dedé Rodrigues.

Paraguai: governo acaba com medida progressista de Lugo no campo


Uma das primeiras medidas tomadas por Federico Franco no Paraguai foi a liberação do cultivo de sementes transgênicas de algodão da multinacional Monsanto. A ação indica a dimensão que tem a questão agrária no país, que tem a maior proporção de população campesina da América Latina. Para falar sobre esta questão, o Portal Vermelho entrevistou a socióloga, professora universitária e pesquisadora do Base Investigaciones Sociales, Marielle Palau.

Por Vanessa Silva, para o Portal Vermelho


Vanessa Silva
Marielle Palau "Sem a realização de uma reforma agrária, não haverá nenhuma possibilidade de desenvolvimento e saída para os problemas sociais no Paraguai"


Durante o governo do ex-presidente Fernando Lugo, deposto após um golpe parlamentar no dia 22 de junho, a Senave (Serviço Nacional de Qualidade Vegetal e de Sementes) tentou impedir a liberação das sementes transgênicas de algodão, embora o plantio de soja transgênica já fosse autorizado. Marielle ressalta que essa atuação da Senave foi um dos poucos movimentos progressistas do ex-presidente no âmbito rural.

Em um país em que 42% dos cidadãos vivem no campo, segundo dados oficiais de 2005, a questão é pujante. Tanto que foi um “conflito” entre camponeses e policiais, o massacre de Curuguaty, o estopim da crise política que acarretou no golpe que derrubou Lugo.

Essa população rural é empobrecida. Em 2005, a taxa de pobreza no campo, de acordo com dados oficiais, era de 36,6%. Entre as explicações possíveis para esse número está o fato de o Estado não prover essas regiões com serviços básicos como saúde, educação e infraestrutura, além da diminuição da fertilidade dos solos (devido à monocultura e outras práticas degradantes), a exclusão social, econômica e cultural e a concentração de terras — uma das maiores do mundo.

Portal Vermelho: A questão da terra é importante no Paraguai. Quais são os principais atores nesta área hoje?
Marielle Palau: Eu diria que o problema mais grave no Paraguai é o interesse do agronegócio e das grandes corporações. O Paraguai tem um solo muito privilegiado e desde os finais dos anos 1990 foi-se dando a invasão silenciosa da soja no país. Quase 30% do território cultivável do Paraguai são de soja transgênica e há muito interesse das grandes corporações em avançar com os transgênicos. (…) Outro elemento importante é a questão da terra em geral. Há mais de 30 mil camponeses sem-terra com uma luta histórica pela reforma agrária. Essa era uma das principais promessas eleitorais de Lugo e, no entanto, avançou-se muito pouco pela fraqueza de Lugo em tocar os interesses dos setores mais poderosos, com uma política muito vacilante com relação a isso.

Portal Vermelho: Como essa questão influenciou na deposição de Lugo?
Marielle Palau: É muito importante no Paraguai a questão das terras “malhavidas” [adquiridas de forma irregular durante a ditadura de Alfredo Strossner]. (…) Essas terras teriam que ser destinadas à reforma agrária, mas foram entregues a apoiadores do regime stronista e, durante a década de 1990, a amigos do Partido Colorado. (…) Essas terras estão destinadas a grandes proprietários ligados fundamentalmente à questão da soja transgênica. O simples debate público do tema gerou insegurança nos grandes plantadores de soja. Então acreditamos que foi um ponto que esteve vinculado a este golpe, que se deu em quase 24 horas.

Portal Vermelho: Mas Lugo chegou a sinalizar que iria rever a questão das terras malhabidas?
Marielle Palau: Não. Simplesmente começaram a discutir a necessidade de recuperação [dessas áreas]. Lugo não havia tomado nenhuma ação neste sentido, mas a direita paraguaia é tão débil e os interesses das corporações são tão fortes que o simples debate deste tema gerou muita insegurança. (…) Além disso, há uma questão histórica das associações campesinas, setores progressistas de esquerda e setores não governamentais que há muito tempo pedem uma reforma agrária. Sem ela não há nenhuma possibilidade de desenvolvimento e saída para os problemas sociais no Paraguai.

Portal Vermelho: E como se dá a correlação de forças com os brasiguaios?
Marielle Palau: Brasiguaios é um tema extremamente complicado porque são eles que introduziram a soja transgênica no país. E são eles que se dedicam a isso, não são os pequenos campesinos, mas os grandes proprietários como o [brasileiro Tranquilo] Favero, que é o rei da soja aqui. Então os interesses dos brasiguaios, e inclusive do Brasil no Paraguai, com o tema da Soja é muito grande. Isso provavelmente também explica essa posição bastante dúbia da presidenta Dilma [Rousseff] neste conflito, muito diferente da [atitude de] Cristina Kirchner. (…) Os brasiguaios, tão logo se deu o golpe, pediram que Dilma aceitasse o novo governo, evidenciando a vinculação política e econômica dos brasiguaios com todo o modelo agroexportador e com a crítica, muito forte, a Lugo que tentava algumas mudanças mínimas com relação a isso.

Portal Vermelho: Em um artigo, você defende que o Paraguai poderá se tornar a Colômbia ao Sul do ponto de vista da influência estadunidense...
Marielle Palau: O Paraguai tem uma posição geopolítica muito importante na região por estar no centro do cone sul e isso sempre refletiu em um interesse dos EUA. A embaixada dos Estados Unidos teve uma presença muito importante durante o governo de Lugo, sobretudo em temas relacionados a questões de segurança. Inclusive conseguiu que Lugo destituísse [o ex-ministro da Defesa, Luis Bareiro] Spaini. Então há um poder da embaixada dos Estados Unidos que é muito importante. E este interesse está muito vinculado à questão da soja, do alumínio, do petróleo, do gás boliviano.

Esta localização geopolítica do Paraguai é importante também pela questão da IIRSA [Iniciativa Para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana]. O Paraguai está no centro de todo esse projeto (…). Então controlar o Paraguai também implica um forte controle do cone sul, sobretudo tendo em conta que, com a exceção do Chile há uma tendência progressista muito grande na região, por isso esse interesse tão grande dos Estados Unidos no Paraguai: o país sempre foi o elo mais fraco; o que teve uma das ditaduras mais terríveis e mais longas; tem uma burguesia com nenhuma consciência de defesa dos interesses nacionais e que tem uma esquerda incipiente, a mais débil entre os países sul-americanos.

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