O Brasil tem um amplo sistema de seguridade e proteção social, do qual faz parte o Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPE), que trata das questões da intermediação da mão de obra, qualificação profissional, seguro-desemprego, microcrédito, apoio ao empreendedorismo e economia solidária.
Por Clemente Ganz Lúcio*, no Brasil Debate
Sistema Público de Emprego
Esse sistema é quase todo coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, exceto pela área de educação profissional, que está atualmente a cargo do Ministério da Educação e Cultura, por meio do Pronatec.
A finalidade do SPE é cuidar de diferentes aspectos da inserção ocupacional das pessoas durante a vida economicamente produtiva, criando melhores condições para um emprego ou iniciativa empreendedora.
Isso se faz, por exemplo, com a oferta de oportunidades de qualificação para que as pessoas sejam capazes de acessar melhores postos de trabalho e salários, o que afeta positivamente inclusive a produtividade; ou com um ágil sistema de intermediação que coloque o trabalhador em contato com a empresa ou órgão contratante, diminuindo o tempo de desemprego ou o custo de seleção; ou ainda oferecendo instrumentos de proteção para que o desemprego não ocorra; ou aportando condições para que o trabalhador preserve parte da renda para buscar nova ocupação, quando a perda do posto de trabalho for inevitável; ou ainda com crédito, apoio para a gestão, projetos, comercialização, entre outros, serviços que apoiam inciativas de quem busca empreender uma atividade econômica.
Trata-se de um sistema que deve estar preparado para acompanhar o movimento de uma força de trabalho de quase 100 milhões de trabalhadores, dos quais quase 20 milhões são por conta própria, população economicamente ativa que trabalha para um universo de mais de 3,8 milhões de organizações empregadoras e de milhões de famílias.
Trata-se de um sistema que deve estar distribuído em todo o território nacional, contar com uma robusta estrutura informatizada de registro, cadastro e fluxo de processos, bem como com uma institucionalidade que permita a cooperação entre os entes federados, inclusive para o financiamento.
Desenvolver e manter permanentemente um sistema que visa dar à relação de trabalho, no contexto do tamanho do território e da população, uma qualidade diferenciada deve ser um objetivo permanente da gestão do SPE.
Entretanto, observa-se, nos últimos anos, um desinvestimento no SPE, o que reduz ainda mais a capacidade e amplia as fragilidades do sistema para dar conta de responder aos desafios enunciados.
Se observados, por exemplo, o investimento no sistema da previdência social, percebe-se que houve mudança radical na qualidade de atendimento ao cidadão, aumento da eficiência, diminuição de desvios e fraudes, entre tantos outros efeitos positivos. É um bom exemplo de um sistema modernizado, para dar proteção ao cidadão após a vida laboral.
Se a intenção agora é criar as melhores condições para que a produção econômica seja fortalecida e aprimorada, com dinamização das empresas e o setor público a produzir, a força de trabalho precisa estar cada vez mais capacitada para a melhor alocação ocupacional possível.
A aposta que sustenta esta estratégia é responder ao desafio permanente de que, para se promover o desenvolvimento, é preciso agregar qualidade aos postos de trabalho, oferecendo melhores condições, pagando melhores salários.
O SPE é um instrumento essencial para favorecer essa estratégia, portanto coparticipante da promoção do desenvolvimento aplicado ao trabalho. Então, qual é, de fato, o sentido de desinvestir nesse sistema?
O diagnóstico indica claramente que a falta de investimento no SPE, ocorrida nos últimos anos, tem levado à ampliação de problemas como: (a) fragilidades estruturais na cobertura física do SPE, para atender no território nacional ao universo da demanda; (b) queda na qualidade dos serviços; (c) falta de integração das políticas e serviços que integram o SPE e deste com as demais políticas sociais; (d) conflito entre os entes federados para a operação e o financiamento do sistema.
Para inverter esse quadro, é preciso uma mudança política radical. As duas Conferências de Emprego, Trabalho e Renda, realizadas na segunda metade da década passada, indicaram as diretrizes para essa mudança: o investimento na recuperação e modernização da estrutura que dá suporte ao funcionamento do SPE; a adequação das equipes para um atendimento profissionalizado, sustentado na formação adequada; informatização de alto nível para o suporte a serviços que apoiem a ampla integração entre atividades, registros e processos de trabalho/atendimento; integração e cooperação das atividades e dos serviços entre os entes federados; facilitação, sem descontinuidade, dos repasses federais para o financiamento das políticas entre União, estados e municípios; revisão da base de financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador; descapitalizado pela DRU (Desvinculação de Receitas da União), pelas desonerações e por serviços sem fonte de financiamento.
Ademais, há outra questão de fundo. O SPE tem concepção limitada e instrumentos frágeis voltados para promover e proteger os empregos. Se de um lado essa promoção é resultado, em grande medida, da política econômica que sustenta um crescimento continuado do emprego e dos salários, de outro, o SPE deveria se voltar para criar e implantar políticas capazes de proteger os empregos. Esses instrumentos deveriam estar disponíveis para que trabalhadores e empresas pudessem usá-los diante de crise externas que afetam o nível de atividade e os empregos.
Um programa ou política capaz de proteger o emprego é interessante, entre outros aspectos, porque diminui a insegurança no trabalho em momentos de crise; reduz os efeitos sociais da crise do mercado de trabalho sobre a vida das famílias e comunidades; atua favoravelmente na preservação do mercado interno de consumo, ao sustentar o emprego e os salários; mantém níveis de atividade econômica ao apoiar demanda do mercado interno; conserva os investimentos das empresas em formação profissional e desenvolvimento tecnológico; amplia a formalização da relação de trabalho; articula e integra investimentos públicos e privados em formação profissional, entre outros.
Para superar esses desafios será necessário ousar, olhar para a estrutura do Estado brasileiro, buscando sinergias, integrar estruturas, serviços, recursos, financiamento, bem como formar e valorizar quadros profissionais que operam as políticas, fazendo a mediação entre pessoas e organizações.
A centralidade do trabalho na perspectiva das transformações econômicas e sociais ocorrerá se houver incremento e distribuição dos ganhos de produtividade (qualidade e quantidade da relação entre trabalho e capital).
O SPE atuará a favor desta perspectiva quanto mais, de forma eficiente, ampliar a capacidade das pessoas de agregar conhecimento e qualidade no trabalho (formação); alocar pessoas nos postos de trabalho (intermediação); garantir e preservar empregos (proteção); apoiar iniciativas de empreender; proteger diante do infortúnio do desemprego (seguro-desemprego e intermediação).
É evidente que tudo isso operará a favor da perspectiva do desenvolvimento se houver uma boa estratégia de crescimento, sustentado em um mercado interno de consumo de massa, atendido por uma oferta ampliada pelo investimento produtivo e apoiada em infraestrutura social e econômica, renovada por um Estado moderno e conectado com os desafios do presente e do futuro.
*Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor técnico do Dieese, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
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