terça-feira, 10 de março de 2015

Cristina Kirchner segue como principal ator político da Argentina


Movimentos sociais, sindicatos, juventude peronista, os de sempre (Unidos e Organizados, La Cámpora, Kolina, Movimento Evita, Os Descamisados), partidos de esquerda, e muito mais: intelectuais, artistas, professores, velhos e assíduos militantes remanescentes da ditadura, todos vieram apoiar Cristina diante das ameaças desestabilizadoras da direita contra seu governo. 

Por Helena Iono, de Buenos Aires (*)


 
 

Um dos cânticos mais fortes, entre os assíduos tambores de combate era: “che gorila che gorila no te lo digo mas si la tocan na Cristina, que quilombo se va armar!” (Ei, gorila! Ei, gorila! Já lhe disse: se tocam na Cristina, o bicho vai pegar!). Não foram a uma despedida da presidenta em fim de mandato, antes do próximo 10 de dezembro (como dizem Clarin e cia.). Foram dar-lhe um impulso para o início de um novo patamar de batalhas, mais aguerridas, um desafio para o peronismo-kirchnerismo, para a Frente para a Vitória, para que numa possível reeleição do candidato presidencial da Frente (nas próximas eleições de outubro), os projetos iniciados e realizados nos últimos 12 anos desta chamada Década Ganhada continuem em marcha.

Cristina Kirchner, pronunciou desassombrado discurso, o mais longo (quase 4 horas), diante dos representantes do Congresso Nacional, incluindo a oposição minoritária, constituiu, nas primeiras horas, um minucioso balanço das medidas econômico-sociais não só do seu governo, mas de toda uma década, a partir de Nestor Kirchner, início da ruptura com a dependência ao FMI e às políticas neoliberais. 

Entre tantos pontos conquistados e discorridos: 48 Leis Trabalhistas aprovadas nesse Congresso; 6 milhões de postos de trabalho; salário mínimo vital e móvel (200 pesos em 2003 e 4.716 pesos em 2014); 6,9% de desemprego; 6 milhões de aposentados com o maior salário da América Latina e 2 aumentos anuais; subsídio universal por filho (a famílias de baixa renda), reconhecimento do trabalho das domésticas; plano habitacional “Pro-crear” que favoreceu 200 mil créditos hipotecários em 3 anos; lei da mídia; fim da dívida externa na contenda internacional corajosa contra os “fundos abutres, reestatização de toda a rede ferroviária nacional.

Este foi um dos pontos altos do projeto de uma presidenta que deixará um legado histórico, ao passar o seu cargo em dezembro, mas decidida a continuar a batalha por outros meios ou funções. Disse: “Deixo um país cômodo para o povo, não para os dirigentes”. Cristina anunciou um projeto de lei que levará ao Congresso para reestatizar a administração de toda a rede ferroviária nacional (o que já foi realizado na linha Sarmiento, após o acidente na estação Once que provocou a morte de 51 passageiros, sob gestão privada). 

Com emoção, citou a memória de Perón que, por coincidência, em 1º de março de 1949, anunciou a nacionalização das ferrovias até então em mãos dos ingleses. Outro quesito que foi aprovado recentemente como lei no Congresso foi o convênio com a China na área da energia nuclear, das hidroelétricas e dos transportes ferroviários, em troca de alimentos da Argentina. Diante dos ataques da grande mídia como ClarinLa Nación contra os acordos com a China, Cristina reiterou: “Durante muito tempo nos propusemos a relações carnais com aqueles que não nos davam nada (EUA). Como não vamos ter relações com um país que é a principal potência econômica do mundo? Não se pode ser tão estúpido. Não se pode tapar o sol com a mão. Vamos ignorar 1.353 milhões de chineses? Não se pode ser tão colonizado, tão subordinado intelectualmente. Por favor, saiam da armadura intelectual e colonial que os meios de comunicação lhes colocaram na cabeça”.

Fazendo um parêntesis no discurso da presidenta, vale mencionar alguns dados publicados num artigo de Javier Lewkowicz (jornal Página 12, 3 de março 2015).

Nos anos 90, um tal ministro das Obras e Serviços Públicos, Roberto Dromi, sob mandato presidencial de Carlos Menen, iniciou a década das privatizações: Televisão, Entel, sistema de pedágio, concessão das rodovias e linhas ferroviárias, rádios, Aerolineas Argentinas, indústrias do setor siderúrgico, petroquímico, naval e petroleiro, eletricidade e gás, portos, centrais hidroelétricas, o Banco hipotecário e o sistema previdenciário.

Na década ganha, nos 12 anos de kirchnerismo foram recuperadas, reestatizadas empresas em situação desastrosa como; Correios; Aerolineas Argentinas; o espectro radioelétrico; setores estratégicos como Fundo de Pensão, YPF (antes, 51% era da Repsol espanhola), Águas Argentinas (antes em mãos do grupo francês “Suez”), Estaleiro naval Tandanor; Fábrica Militar de Aviação (antes da Lockheed, EUA) transformada em Fábrica Argentina de Aviões (sob Ministério da Defesa), Linha ferroviária Sarmiento. Quanto ao papel do Estado, o ministro dos Transportes, Florencio Randazzo, afirma que aquele tem se demonstrado mais eficiente que o do setor privado; o número de usuários da Sarmiento aumentou em 246%. Cristina citou que o Estado economizará cerca de 415 milhões de pesos na estatização ferroviária.

Enfrentando a nefasta oposição, com artífices internacionais, evidenciados na caluniosa instrumentação midiática do caso do promotor Nisman, Cristina, como advogada de profissão, mas, acima de tudo, brilhante dirigente político-revolucionária, não interviu para defender-se, mas para armar o seu governo e conscientizar o povo argentino com argumentos políticos que levantam a suspeita sobre os acusadores e as reais forças desestabilizadoras que estão por trás do caso Nisman. Apoiou-se na importante declaração do Juiz Rafecas, que demonstra serem infundadas e sem provas as acusações de Nisman. Ademais, Cristina, baseada em investigações do Juiz Rafecas, diz que anos atrás, Nisman tinha uma opinião positiva em relação ao memorando de colaboração (citado por ela em setembro de 2014 na ONU) entre Argentina e Irã para averiguar a fundo o atentado a AMIA. Naquele momento então, as próprias autoridades israelenses expressaram desinteresse.

Perguntava-se, porque Nisman mudou de posição ao voltar das férias (coincidentemente em Paris, e retornando à Argentina com a acusação contra a presidenta logo após o dia do atentado ao Charlie Hebdo)? Disse: “em quem devo acreditar: no Nisman que apresentou a denúncia, ou no que me felicitava?” Em pleno Congresso, a presidenta, levantou a questão, diante de Ricardo Lorenzetti, presidente da Corte Suprema, afirmando que a demora no julgamento oral sobre o encobrimento do caso AMIA no período de Menem, era de responsabilidade do Tribunal por ele dirigido. Ela colocou em questão também, por quê num atentado contra a Embaixada de Israel em 1992 não houve nenhum interesse de Israel de se levar as investigações adiante. Realmente, é suspeitoso porque a oposição e os “clarinetes” falam do caso AMIA, quando as relações econômicas e políticas entre a Argentina e o Irã se aprofundam. Hoje, Lorenzetti em resposta sobre o caso da embaixada, falseia, dizendo que o “caso já foi julgado” (culpando o Hezbolá), negando até mesmo o que havia assinado naquela época (“o caso deve ser ainda investigado”) e a Corte Suprema atual que acaba de desmenti-lo, confirmando que nunca houve julgamento.

Cristina desmontou com coragem todas as manobras do poder Judiciário. Repudiou que o Tribunal, sob a mesma direção de Lorenzetti, ordenou encerrar as investigações sobre soldados torturados pelos seus superiores em 1982 na Guerra das Malvinas. Não deixou de alertar que o Partido Judicial (os mesmos que se mobilizaram manipulando o caso Nisman contra a presidenta na marcha opositora de 18 de fevereiro, a 18F), o Judiciário pode ser independente do Executivo e Legislativo, “mas não pode jamais ser independente da Constituição.” Evidentemente no poder Judiciário se aninham forças políticas contrárias à transformação social que o Executivo e Legislativo representam. Mas, Cristina as enfrenta com coragem e determinação política.

Este 1º de março mostrou que a Argentina está em pleno movimento, numa interação dinâmica entre a presidente, o governo e as forças sociais conscientes e organizadas dispostas a não fazer retroceder nenhuma das conquistas alcançadas nestes 12 anos, e a continuar firmes numa próxima reeleição da Frente para a Vitória. Paira no ar argentino, a mesma consciência latino-americana de que é um momento de alerta, de povo mobilizado, na defesa da Argentina, da Venezuela, do Brasil soberanos e unidos, pela chamada Pátria Grande. Unasul, Celac, Alba, Brics e Mercosul tornam o sonho mais próximo da realidade.

*Helena Iono é produtora na TV Cidade Livre

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