As manifestações do último domingo, 15, reunindo centenas de milhares de pessoas em várias cidades do país, mas com maior impacto em São Paulo, não devem ser subestimadas.
Convocadas por forças de direita e extrema-direita, partidos neoliberais, pelo conservadorismo mais retrógrado e sua área de influência, foram amplamente beneficiadas com um polpudo (e secreto) financiamento empresarial e com a adesão militante da grande mídia privada. Sem ilusões: o movimento expressou um acirramento da luta de classes em nosso país, em que a direita, pela primeira vez desde 1964, colocou massas expressivas na rua e parece disposta ao confronto.
Como afirma André Singer, em seu artigo “Tensão Democrática”, é possível que, a partir dessa grande articulação conservadora, com forte viés golpista (a marca registrada da direita tupiniquim), “a democracia brasileira, restabelecida nos anos 1980, passe a viver um inédito teste de estresse”. Singer prevê uma polarização no processo político brasileiro, em que “a uma manifestação seguirá, cedo ou tarde, uma contramanifestação, e assim por diante”. E mais: estima que o processo de luta seja longo.
Tentativas anteriores da direita, de articular-se num movimento de massas fracassaram. Em 2005, quando do (impropriamente) chamado mensalão, a ideia de impedir o então presidente Lula morreu na praia. Dois anos depois, o “Cansei”, patrocinado por “socialites”, esvaziou-se em algumas semanas. O movimento de junho de 2013, também se diluiu em pouco tempo. Agora, ao contrário, a direita colocou milhares nas ruas e promete mais.
É verdade que a geografia humana das manifestações de domingo, 15, apontou a presença maciça de uma elite rica, indignada com as políticas públicas do governo, que julga ameaças aos seus históricos privilégios. É verdade que ali também estavam – talvez fossem a maioria – adultos e jovens de classe média, cujo clamor contra a corrupção (do PT e do governo, é claro, não dos partidos da oposição) não esconde o ódio que nutrem contra Lula, Dilma, PT e a esquerda. E, de quebra, havia trabalhadores desavisados e iludidos com a cantilena repetida à exaustão (com deliberado e amplo apoio da mídia) por uma classe média descontrolada que produz opinião na sociedade.
O jornalista Paulo Moreira Leite, em seu blogue, adverte: “Não vamos nos iludir. Os protestos de hoje querem revogar as melhorias feitas na vida do povo. Expressam o inconformismo de quem não suporta assistir ao progresso dos que sempre estiveram em baixo. Seu horizonte é a escuridão e seu destino final será fornecer enredos e personagens para as anedotas e comédias do futuro”.
A envergadura das manifestações de 15 de março não permite, portanto, subestimações. Xingamentos, menosprezo, piadas podem até desopilar o fígado dos seus autores, mas a rigor não resolvem nada. Às forças democráticas e progressistas cabe lutar politicamente contra essas exacerbações obscurantistas com firmeza e habilidade, exercendo sabedoria tática sem perder o rumo estratégico.
No artigo “À luta, Dilma!”, veiculado duas semanas atrás, clamei por uma reação do governo e da própria presidente, sobretudo dela, até então mergulhada em silêncio, sem dizer à nação uma palavra sequer em defesa de sua administração e do projeto político que a sustenta. Era um clamor mais ou menos generalizado entre seus apoiadores. A situação, nesse aspecto, melhorou. A presidente começou a falar. Sua entrevista na segunda-feira, 16, foi bastante positiva. Mas ela precisa avançar mais e fazer uso de todos os instrumentos e procedimentos de comunicação ao seu dispor. Reativar o “Café com a presidente”, intensificar entrevistas coletivas, dar atenção especial à imprensa interiorana (menos suscetível ao massacre da grande mídia oligopolizada), receber lideranças políticas e sociais (não confiando apenas nas articulações palacianas e parlamentares), provocar eventos que lhe possibilitem falar à nação, porém falar não apenas tecnicamente, sobre o evento em si, mas politicamente, aproveitando a oportunidade para vincar posições que defendam o governo e seu projeto. Oportunidades para, com a habilidade necessária, desmascarar os conservadores e suas conspiratas, mostrar, por exemplo, como se maquina às ocultas contra a Petrobrás, aqui e fora (como ela já disse na campanha) e como a direita usa o velho argumento da corrupção para encobrir seus reais objetivos. A presidente, enfim, precisa fazer política, dividindo essa tarefa com ministros, parlamentares, dirigentes dos partidos mais consequentes da base aliada.
O governo, no entanto, também precisa avançar em medidas, sobretudo as ligadas ao combate à corrupção, tema predominante nas manifestações de 15 de março. A presidente anunciará um pacote anticorrupção a ser enviado ao congresso, mas frisou que um passo decisivo para enfrentar os malfeitos será a reforma política, dentro da qual se destaca a proibição do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Obviamente, em outras áreas governamentais será necessário desovar projetos de apelo e de interesse popular e coloca-los em ação o mais breve possível. Se a presidente admitiu, na entrevista de segunda-feira, ter pisado demais no acelerador do ajuste fiscal, é preciso saber qual decorrência prática terá essa constatação.
De todo modo, a presidente Dilma, nesse momento crítico do cenário político nacional, merece acima de tudo apoio das forças democráticas e progressistas. A despeito das críticas (justas) que lhe endereçamos, ela corporifica hoje a manutenção de um projeto democrático e popular que procura navegar em meio às crises (por vezes fazendo dolorosas – mas necessárias – concessões) e, sobretudo, sob o ataque truculento de uma direita pérfida e ardilosa.
* Jornalista a escritor paranaense, autor, entre outros livros, dos romances "As moças de Minas", "Memória e Neblina" e "Retrato no entardecer de agosto".
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