quarta-feira, 22 de junho de 2016

Privatização nunca resolveu o problema da dívida pública



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Desse ponto de vista, o Estado deveria se abster de qualquer tipo de intervenção no setor produtivo. Essa era, por exemplo, a ideologia que norteava a atuação dos governantes na República Velha (1889-1930). Na prática, porém, todos esses governos se revelaram bastante intervencionistas. Em 1890, Deodoro da Fonseca fundiu quatro companhias de navegação no Lloyd Brasileiro, que foi estatizado em 1913. O atual Banco do Brasil surgiu em 1893 da estatização de duas instituições. As ferrovias já recebiam subsídios desde a era Imperial, mas mesmo assim muitas faliram. Para não interromper o transporte de mercadorias, metade da malha foi estatizada até 1929. E os mesmos liberais que criticavam a intervenção estatal defendiam a caríssima política de valorização do café, adotada a partir de 1906. 

Apesar das críticas dos políticos à intervenção do Estado, todas essas medidas se mostraram necessárias para manter o nível da atividade econômica. Um exemplo recente da importância das estatais ocorreu no governo Lula, quando o volume de investimentos dessas empresas aumentou de US$ 7,5 bilhões, em 2003, para US$ 49,0 bilhões, em 2010. Esses investimentos impulsionaram o crescimento do PIB a uma taxa de 4% ao ano.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, marcado pela privatização de estatais, o crescimento foi muito menor, 2,3% ao ano. A principal razão das privatizações na época era, tal como hoje, a necessidade de arrecadar recursos para aliviar a crise fiscal do Estado. Funcionou? Não. Como explicam os professores Frederico Lustosa da Costa, da Universidade Federal Fluminense, e Vítor Yoshihara Miano, do Instituto Federal Fluminense, a receita das privatizações (US$ 93,4 bilhões) ajudou muito pouco “na redução do endividamento principalmente devido à elevada taxa real de juros vigente desde o início do Plano Real. Entre 1995 e 2003, a dívida líquida do setor público cresceu de 27,98% para 52,36% do PIB. Em valores brutos, a dívida pública passou de US$ 70 bilhões para US$ 400 bilhões”. Os dados constam do estudo Estatização e desestatização no Brasil: o papel das empresas estatais nos ciclos da intervenção governamental no domínio econômico.

Essa mesma situação se repete hoje: a dívida pública cresce impulsionada pelas altas taxas de juros. Cálculos preliminares indicam que, se todas as grandes estatais fossem vendidas, o governo Temer conseguiria arrecadar no máximo US$ 127 bilhões, o que seria suficiente para pagar apenas 25% da conta dos juros do ano passado. Vale a pena?

Na opinião de Lustosa, essa ideia é absurda. Em entrevista à Brasileiros, ele disse esperar que essa proposta não seja implementada: “Retomar o argumento de que a privatização vai ser útil para reduzir o déficit fiscal e o estoque da dívida pública é simplesmente ridículo. O governo FHC já demonstrou isso. Apesar da alienação de grande parte de um patrimônio formado ao longo de mais de 40 anos, a dívida pública no governo FHC aumentou de 153 para 892 bilhões, de 30 para 60% do PIB. Como essa dívida era remunerada a taxas de juros altíssimas, era impossível reduzir o déficit público. Ou seja, todos os recursos arrecadados com as privatizações serviram apenas para pagar parte dos juros da dívida pública. É exatamente o que pode acontecer agora”.

Além disso, a contribuição das estatais para o equilíbrio das contas públicas é muito maior do que se imagina: basta lembrar que “entre 1999 e 2006, a contribuição direta e indireta das estatais para o superávit primário totalizou US$ 119 bilhões”, o que constitui uma soma “maior que toda a receita proveniente da alienação das estatais entre 1991 e 2002″, como explica o artigo. Além disso, “enquanto a receita proveniente de uma privatização é obtida apenas uma vez, a contribuição das estatais é contínua, podendo ser ajustada pelo governo de acordo com as necessidades econômicas do país”. 

De acordo com o professor da UFF, não se pode “alienar empresas estratégicas pensando no seu valor de mercado, sobretudo numa conjuntura internacional desfavorável. Essas empresas valem mais pelo que representam em termos estratégicos para o País. Abrir mão de seu potencial para pagar a conta de juros de uns poucos meses é um crime de lesa pátria”. 

A privatização deixaria o governo sem instrumentos importantes para estimular o crescimento econômico, sobretudo nas crises: “Apesar de todos os problemas que tivemos nos últimos anos, a ação de empresas como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil, com seu programas de investimentos e políticas de crédito foi fundamental para dar sustentação a políticas anticíclicas. Outro instrumento fundamental, que também está sendo enfraquecido pelo governo interino é o BNDES. Há uma tentativa de descapitalizar o banco e voltar a transformá-lo no banco das privatizações, financiando as aquisições e os novos investimentos das empresas privatizadas. Essa facilidade de crédito para os compradores inibiu a entrada de capitais externos para participar das aquisições durante o governo FHC. Só houve aporte de capital externo na privatização das empresas de telecomunicação”, explica Lustosa.

Além disso, cabe lembrar que as privatizações muitas vezes resultam em grandes aumentos de preços e tarifas para o consumidor: “No caso das concessões de rodovias, a política do governo FHC era arrecadar o máximo para o governo, o que fez com que as tarifas ficassem muito elevadas”. Em outras áreas, as empresas privatizadas não fazem os investimentos necessários para atender à demanda, o que provoca a piora na qualidade dos serviços. À medida que se aproxima o fim do prazo de uma concessão, crescem os estímulos para que as empresas parem de investir, o que deflagra um processo de sucateamento. Ao final, isso eleva a pressão para que o serviço seja estatizado. E o ciclo começa de novo. 

 Fonte: Brasileiros

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