28.05.2016 às 1h27
MOLLY RILEY/GETTY
Três altos quadros do Fundo verificaram
que duas das principais receitas neoliberais aumentaram o risco de crises
financeiras e a desigualdade gerando um ciclo negativo que prejudicou
significativamente o nível e a duração do crescimento económico. O artigo saiu
na edição de junho de uma revista trimestral do FMI já disponível online
JORGE
NASCIMENTO RODRIGUES
Os benefícios da agenda neoliberal foram muito exagerados pelos seus
defensores. Duas das suas principais receitas – a liberalização dos movimentos
de capitais e a consolidação orçamental – em vez de promoverem crescimento,
aumentaram a probabilidade de crises financeiras, fizeram disparar a
desigualdade e prejudicaram significativamente o nível e a duração do
crescimento econômico.
Quem o diz são três altos quadros do
Departamento de Investigação do Fundo Monetário Internacional (FMI) num artigo
publicado na edição de junho da “Finance & Development” (volume 53, nº2,
2016), uma revista trimestral do Fundo. A edição de junho já está disponível
online. Jonathan D. Ostry, diretor-adjunto daquele departamento do FMI, Davide
Furceri e Prakash Loungani intitularam sugestivamente o artigo divulgado esta
sexta-feira: “Neoliberalism: Oversold?” e basearam as suas conclusões
num estudo empírico abrangendo 53 economias emergentes quanto ao aumento da
probabilidade de crises financeiras e em 149 países quanto ao aumento da
desigualdade (coeficiente de Gini). A expressão "agenda neoliberal" é
usada pelos três autores.
Quatro impactos inquietantes da agenda
neoliberal
Os técnicos do FMI verificaram, a partir de 165 episódios entre 1980 e
2014 num caso e 224 episódios entre 1970 e 2010 noutro caso, quatro conclusões
“inquietantes” a partir do impacto daquelas duas medidas emblemáticas da agenda
neoliberal.
Primeira: os benefícios em termos de crescimento económico são bastante
difíceis de encontrar quando se analisa um grupo alargado de países e não um ou
outro caso de estudo.
Segunda: os custos em termos de aumento da volatilidade e da frequência
de crises financeiras – ou só bancária, ou só cambial, ou “gémeas”, de
coincidência dos dois tipos – são evidentes; as probabilidades aumentaram
significativamente.
Terceira: os custos em termos de desigualdade são proeminentes,
particularmente ao fim de cinco anos.
Quarta: essa desigualdade prejudicou o nível e a sustentabilidade do
crescimento, havendo, agora, muita evidência desse ciclo negativo. Os autores
dizem que “os decisores, e as instituições como o FMI que os aconselham, devem
guiar-se não pela fé, mas pela evidência do que funcionou”. E a evidência
empírica revela o que manifestamente não funcionou.
Destas conclusões, os técnicos retiram “a necessidade de uma visão mais
matizada do que a agenda neoliberal é provável que consiga obter” e afirmam que
a sua organização, o FMI, tem estado na “dianteira desta reconsideração”.
O FMI mudou de opinião
Dão dois exemplos. O primeiro, o facto do Fundo ter abandonado a posição
de que os controlos de capitais eram sempre contraproducentes para uma atitude
atual de maior aceitação de que tais controlos podem ser adequados para fazer
face à volatilidade dos fluxos de capital.
O segundo, a reconsideração sobre as consolidações orçamentais. Neste
caso, os três autores consideram que em países com folga orçamental, os
governos “farão melhor em viver com a dívida [pública]”, em vez de prosseguirem
processos de consolidação para obterem deliberadamente excedentes orçamentais
para a redução dessa dívida, em vez do rácio da dívida em relação ao PIB (um
dos critérios tradicionais usados) diminuir “organicamente” através do crescimento
económico (ou seja, do aumento do denominador, do PIB). Citam as insistentes
recomendações da sua diretora-geral, Christine Lagarde, para que os países da
zona euro com folga orçamental a utilizem para apoiar o investimento.
No tema sensível da consolidação orçamental – e dado o facto do FMI ter
estado envolvido em cinco resgates nos países periféricos do euro desde 2010,
dois à Grécia, e um a cada um dos outros três, Irlanda, Portugal e Chipre -, os
autores admitem que “muito países (como os da Europa do Sul) não têm grande
escolha se não empenharem-se em consolidações orçamentais, porque os mercados
não lhes permitirão continuar a pedir emprestado”.
“Mas a necessidade de consolidação em alguns países não significa todos os países”, escrevem (sublinhado dos
autores). Os destinatários são conhecidos, quando se referem aos países com
folga orçamental cujas políticas de estímulo orçamental deveriam “compensar” os
que têm de proceder a consolidações por não terem folga orçamental e sofrerem a
pressão dos mercados financeiros. Os autores fazem mesmo a pergunta: “Será
defensável para países como a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos
liquidarem a sua dívida?”.
Crítica da “austeridade expansionista”
Os autores aproveitam para criticar a teoria de que as consolidações
orçamentais podem ter um efeito expansionista, o que foi advogado pelo
académico Alberto Alesina e pelo então presidente do Banco Central Europeu
(BCE) Jean-Claude Trichet. Essa teoria da “austeridade expansionista”, como foi
vulgarizada, influenciou decisivamente em 2010 e 2011 os resgates realizados na
zona euro.
“Em média, a consolidação [orçamental] de 1% do PIB aumenta o desemprego
de longa duração em 0,6 pontos percentuais e faz crescer o coeficiente de Gini
(de medição da desigualdade) em 1,5% num horizonte de cinco anos”, afirmam os
autores.
Trichet seria substituído à frente do
BCE por Mario Draghi a 1 de novembro de 2011 e o FMI, desde a assembeia de
outubro de 2012, reconheceu diversos erros importantes em toda a orientação dos
resgates, começando pela autocrítica sobre o efeito multiplicador e
culminando com a crítica na mais recente reunião de primavera, em abril
passado, às medidas recessivas envolvidas nas reformas estruturais prosseguidas.
Pelo que, nos países onde uma consolidação orçamental se revele
indispensável, “os decisores devem estar mais abertos a [medidas de]
redistribuição, mais do que estão” e mesmo a desenhar tais processos “mitigando
antecipadamente alguns dos seus impactos [negativos]”, dizem os três autores.
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