terça-feira, 23 de julho de 2013

Mesmo há quase 40 anos, morte de Jango ainda inspira narrativas

 

 Por Dedé Rodrigues

 

Confira um trecho de Dossiê Jango:



Fonte: Sul21

Serviço:Em cartaz em São Paulo no Espaço Itaú de Cinema: Shopping Frei Caneca (3º Piso), Rua Frei Caneca, 569, Tel: (11) 3472-2368, Sala 4, 19h20; e no Shopping Bourbon Pompeia, Rua Turiassu, 2.100, Sala 10, 13h.




João Goulart morreu no exílio, cercado pelas ditaduras do Brasil, do Uruguai e da Argentina. Deposto em 1964, Jango teve de deixar o país e rumar a Montevidéu. Em território uruguaio, os militares interromperiam a democracia nove anos depois. Já em Buenos Aires, viu companheiros políticos serem assassinados pela Operação Condor, aliança repressiva que já sobrevoava o cone-sul do continente.




Dossiê Jango / imagem: divulgação

A história oficial conta que, mesmo acossado por governos totalitários, João Goulart morreu por conta de uma enfermidade cardíaca – ainda que outras versões surjam, quase quarenta anos depois da sua morte.
Em 2013, no cinema e no jornalismo, os últimos dias de João Goulart foram mais uma vez revisitados. As cartas, as fotografias da época, os recortes de jornais e os depoimentos das pessoas próximas ganharam nova importância. A Comissão da Verdade analisa a exumação do corpo do ex-presidente, destituído pelo golpe militar de 1964, no mesmo instante em que versões contestatórias aparecem nas telas e nos livros. Teria a Operação Condor assassinado Jango, modificado os frascos dos seus medicamentos ou fazendo uso de alguma forma de veneno?

O cineasta Paulo Henrique Fontenelle apresentou neste ano o documentário Dossiê Jango, que recupera a atmosfera do golpe para, logo depois, direcionar o foco das câmeras para o exílio. Familiares, amigos próximos, jornalistas e historiadores oferecem depoimentos, numa teia de contribuições que irá encontrar a história de dois tipos estranhos e algo obscuros: os uruguaios Enrique Foch Diaz e Mario Neira Barreiro.

Diaz, empresário que negociou uma estância com Jango e logo se aproximou dele, decide investigar a morte do amigo com as próprias mãos. Atravessa cidades, escuta pessoas e lança um livro, que logo seria proibido em Montevidéu. Neira, por sua vez, vive no Rio Grande do Sul, foi preso por crimes comuns e, mesmo isolado numa penitenciária, escreveu um longo volume de páginas sobre o possível assassinato. Para Neira, não só Jango foi morto pela ditadura como foi montado um refinado esquema para dar fim à vida do ex-presidente.

Há poucos dias, o jornalista e escritor gaúcho Juremir Machado da Silva lançou em Porto Alegre o livro Jango: a vida e a morte no exílio (L&PM), no qual também adentra as possibilidades do crime e da morte natural, causada por um coração já fraco. “O meu livro busca apresentar elementos para as duas versões. A ideia é encaixar peça por peça dos fatos e das pessoas envolvidas”, explica Juremir. É certo que o livro e o documentário abordam o mesmo personagem num mesmo instante histórico, mas com recortes marcadamente distintos.


A Comissão da Verdade analisa a exumação do corpo do ex-presidente, deposto pelo golpe militar de 1964, no mesmo instante em que versões contestatórias aparecem nas telas e nos livros | Foto: Reprodução

A origem da desconfiança


Juremir Machado da Silva conta que a morte de Jango começou a ser discutida nos anos oitenta, com as denúncias de Enrique Foch Diaz. “Diaz desconfiou de pessoas próximas a Jango, como Cláudio Braga (assessor particular de João Goulart), e chega a escrever um livro chamado “O crime perfeito”, publicado e depois proibido de circular no Uruguai. As denúncias eram financeiras, mas no último capítulo ele menciona a Operação Condor, diz que Jango foi assassinado pela repressão”, conta Juremir.

As ideias obstinadas de Diaz, que chegou a organizar textualmente uma suposta cadeia de assassinatos no cone-sul, fez com que a versão da morte não casual ecoasse na América Latina – pelo menos em certas esferas. No início dos anos 2000, Mario Neira Barreiro passou a aparecer em entrevistas para jornais brasileiros e uruguaios. Neira se apresentou como um ex-agente da ditadura uruguaia, que teria trabalhado em setores de espionagem. O seu papel seria acompanhar os passos de João Goulart no exílio, assim como ocorria com outros políticos latino-americanos da época.

Em 1976, mesmo ano da morte do brasileiro, os políticos uruguaios Héctor Gutiérrez Ruiz, deputado do Partido Nacional, e Zelmar Michelini, senador da Frente Ampla, foram assassinados em Buenos Aires. Os dois tinham relação próxima com Jango, e frequentavam o mesmo hotel, próximo à Rua Florida. O ex-presidente boliviano Juan José Torres foi outro a morrer naquela violenta Buenos Aires de 1976. Neira Barreiro afirma que Jango era um dos próximos alvos da Operação Condor – ele menciona também a Operação Escorpião, que estaria atrás dos passos do ex-presidente.

Juremir Machado afirma que a história de Mario “parece fantasiosa na maior parte do tempo”. “É muito provável que ele soubesse de detalhes pontuais, por ter trabalhado como radiotécnico da polícia, por exemplo. Será que estes indícios são suficientemente fortes para defender a versão do assassinato?”, questiona. Para Paulo Henrique Fontenelle, diretor de Dossiê Jango, mesmo que Mario Neira Barreiro seja uma figura contraditória é preciso atentar para a sua versão: “ele não consegue provar todas as informações que apresenta, mas de qualquer maneira traz detalhes impressionantes”, argumenta.


Juremir Machado: “Jango poderia ser um alvo da Operação, sim, até porque tomava medidas para retornar ao Brasil, tinha que sair da Argentina, era o início da ditadura de lá". Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

O coração frágil e as perseguições no cone-sul
Entre temporadas na prisão e os dias em liberdade, Mario Neira Barreiro persevera no seu raciocínio. Dá entrevistas, escreve sem parar. O tema único e obsessivo é a morte de Jango. “Alguns jornais publicam entrevistas com Neira, a versão se espalha, o Carlos Heitor Cony (escritor e jornalista carioca) o procura, mas a entrevista não dá certo. Após este episódio com o Cony, Mario desenvolve numa oficina literária do próprio presídio um livro de perguntas e respostas, chamado ‘Entrevista com um réu confesso’”, conta Juremir.

Oficialmente, a causa da morte de Jango é uma parada cardíaca. O ex-presidente brasileiro morreria exilado em Mercedes, no interior da Argentina. Para Mario Neira Barreiro, o coração de Goulart só parou de bater porque a repressão trocou os remédios que o político usava para controlar a enfermidade. “Para mim, naquele contexto o envenenamento faz mais sentido do que a morte pelo problema no coração”, opina Paulo Henrique Fontenelle.

Juremir Machado da Silva, no entanto, se posiciona de forma diferente: “cada um escolhe o pedacinho da história que lhe interessa. É claro que a tese do assassinato é mais interessante historicamente. Eu também acho que a ditadura foi nojenta, mas a questão é que talvez não tenha assassinado o Jango”. De qualquer maneira, os dois coincidem em um ponto: João Goulart poderia, sim, ser perseguido pela Operação Condor e pela ditadura militar brasileira.

“Ele poderia ser um alvo da Operação, sim, até porque tomava medidas para retornar ao Brasil, tinha que sair da Argentina, era o início da ditadura de lá. Na linha dura brasileira estavam preocupados com a volta dele”, diz Juremir. “A tese do documentário é que, de fato, ainda é difícil comprovar se foi assassinado ou não, mas também toca no ponto de que o Brasil ainda não conhece totalmente a sua história”, opina Fontenelle. Jango se foi num seis de dezembro que já é longínquo, mas que repercute sem cessar ao longo de quase quatro décadas.


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