Política externa e política de defesa (ou de segurança nacional) são dois elementos básicos de um projeto de nação, de civilização, de país, de Estado. A Estratégia Nacional de Defesa (dez.,2008) produto do governo Lula, diz que “a base da defesa nacional é a identificação da nação com as Forças Armadas e das Forças Armadas com a Nação”.
Por Roberto Amaral*, em seu blog
Essa aliança, nas nossas circunstâncias, depende do processo histórico, que demanda tempo. Sem adversários a dar combate imediato (aparentemente), sem invasores nos ares ou nas praias, é preciso, entretanto, que a sociedade compreenda a urgência de investir no reequipamento de suas forças armadas, enquanto sobrevive a memória recente da história pós 1964.
O primeiro desafio é ideológico: explicar à nação que ela precisa armar-se para a guerra, a fim de continuar em paz.
Não há Estado sem política de defesa, do qual a política externa é a projeção. Mas não há política externa – e o Brasil fala em política externa “soberana, ativa e altiva”, sem uma política de defesa que assegure soberania, principalmente se se quer ativa e altiva. E não se discute política de defesa se não se discutem os destinos do Pais e do mundo, e a inserção que esse pais pretende exercer no mundo
Estamos na América do Sul, somos 50% do território, da economia e da população e respondemos por 55% da produção física do subcontinente, mas estamos ao alcance do braço da maior potência imperial-bélica jamais conhecida pela humanidade.
Para o bem e para o mal, somos, isoladamente, a única possibilidade de potência regional, possuímos as principais carências presentes e futuras do mundo. Possuímos energia: fontes fósseis (petróleo e carvão), a fonte nuclear, as fontes hidroelétricas, e as fontes renováveis, como o etanol, as energias solar e eólica. Possuímos a maior reserva de água doce do mundo e igualmente a maior biodiversidade do planeta, em mundo caracterizado pela crescente disputa de recursos naturais, crescentemente mais escassos. Somos um dos maiores produtores de alimentos e grãos e de outras commodities de que carece o mundo.
Se considerarmos as expectativas do pré-sal e a ela somarmos as da Venezuela, teremos na América do Sul uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Somos a maior reserva de nióbio e possuímos, pelo menos, a sexta reserva de urânio do planeta. E sabemos enriquecê-lo. E dominamos a tecnologia da fissão.
Temos o pré-sal nos limites de nossas projeções marítimas conhecidas. Temos a Amazônia azul. O Atlântico é nossa casa, desprotegida, é nosso caminho para o mundo, nossa principal rota de negócios. Nele estão nossas instalações navais e portuárias e nossos arquipélagos, confrontados por um colar de ilhas ocupadas colonialmente a Leste e ao Sul pela Inglaterra e já sob os radares da IV Frota dos EUA.
Precisamos garantir, com nossa presença, a liberdade de navegação do Atlântico Sul. Ou renunciamos ao direito de ser.
A Amazônia brasileira, considerando apenas o bioma, e não a Amazônia legal, representa 4.196.943 km2 de extensão para serem protegidos. Praticamente a metade de nosso território (49,29%): em sua área cabem ao mesmo tempo 18 Estados brasileiros e 11 países europeus.
Duas observações: a primeira é que dificilmente nos constituiremos, a partir de nosso esforço isolado, na única potência regional; daí decorre a segunda conclusão: parece óbvio que não há muito o que fazer além da integração, difícil e cara da América do Sul. Ou a união que faz a potência, ou o arquipélago de subpotências subcolonizadas. A grande potência possível será a América do Sul. A Unasul pode ser um bom começo. Mas a integração não se fará apenas do ponto de vista ideológico e o Brasil só pode pretendê-la quando estiver disposto a investir economicamente, enfrentando, para diminuí-las, as terríveis assimetrias que separam nossos países.
Mas as chamadas ‘elites’ brasileiras (o melhor termo é ainda ‘classes dominantes’) não gostam do Mercosul; os EUA não gostam da ideia de nossa integração regional (também não gostam da ideia de o país ter um programa espacial autônomo, também não gostam da ideia de reequipamento de nossos forças armadas, também não gostam de nossa presença no Conselho de Segurança da ONU, não gostam disso nem daquilo; gostam dos negócios que começam a fazer na exploração do pré-sal, diariamente denunciados pela Associação dos Engenheiros e Técnicos da Petrobras. Eles não desistiram da Alca e tentam implantá-la sorvendo a sopa pelas bordas, por meio de acordos biliterais com nossos vizinhos e agora pinçando-nos com a Aliança do Pacífico.
Segurança é atributo de quem tem poder para lastrear sua inserção internacional. Só tem poder quem pode assegurar a efetivação de sua política externa.
É quase um truísmo afirmar que a política externa deve estar apoiada em uma política de defesa robusta - usemos os termos exatos: em armas, em armas poderosas, de poderoso poder de destruição, ou, se preferirem um discurso mais leve, de elevado poder de dissuasão.
Temos essas Forças Armadas? Penso que nossa modernização é lenta, e concebida em termos de dissuasão convencional. Pode ser que nos próximos 10/15 anos tenhamos nosso primeiro submarino de propulsão nuclear em projeto e construção há mais de 30 anos.
Somos um país pacífico. Não temos conflitos de fronteira ou de qualquer outra natureza com nenhum vizinho. Não temos inimigos declarados. A opção pela paz e pelo entendimento faz parte dos valores da humanidade brasileira. Vivemos sem conflito com nossos vizinhos há mais de 150 anos; são 15.735 km e nove países, mais o departamento da Guiana Francesa. Fomos à guerra em 1942 (não menciono a primeiro Guerra Mundial porque nossa passagem ali foi irrelevante), chamados pela nossa formação histórica, para combater o totalitarismo nazifascista, mas fomos também porque, antes, havíamos sido agredidos pelos submarinos alemães.
Nenhum país, por menor que seja, ou, por maior que seja, pode dar-se ao luxo de dispor apenas do softpower para se defender. Temos o que defender, e o que temos por defender depende também da defesa coletiva do subcontinente, segundo uma estratégia de dissuasão diante de potências extra regionais. Uma guerra assimétrica e irregular, ou, voltando aos termos da Estratégia de Defesa Nacional, “uma guerra assimétrica no quadro de uma guerra de resistência nacional”.
A defesa começa na paz, com a redução das vulnerabilidades. E as nossas são muitas e variadas. Essa redução se dá com monitoramento, presença e mobilidade. Como fazer isso se ainda nem sequer possuímos um programa espacial que nos assegure o monitoramento de nosso território, de nosso espaço aéreo, de nosso mar territorial e, muito menos de nossas comunicações?
A tecnologia da Segunda Guerra Mundial, embora tenha tido seu fecho na explosão atômica, é obra de antiquário pois saltou da mecanização para a eletrônica. Ela se dá, presentemente, no espaço eletro-magnético e seus instrumentos são a missilística e os drones.
Não estamos preparados para a guerra qualquer, mas de especial para a guerra cibernética, como não estávamos em 1914 nem em 1942. E desta, da guerra de hoje, já somos alvo, e dessa condição temos ciência desde pelo menos 2001, segundo depoimento do general Alberto Cardoso, prestado à Câmara dos Deputados ainda na qualidade de ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, no governo FHC. O responsável pela nossa inteligência referia-se ao projeto Echelon -- comandado pelos EUA (leia-se NSA) e integrado ainda pelo Reino Unido, Canadá e Alemanha --, que, naquela altura já tinha capacidade de interceptar comunicações por e-mail, voz e fac-símile. Em depoimento prestado ao Congresso brasileiro em 2008, já no governo Lula, portanto, o engenheiro eletrônico Otávio Carlos Cunha da Silva, diretor do Cepesc (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança das Informações) da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), confirmou aos parlamentares: “O Echelon intercepta todas as comunicações […] tudo o que está no ar, em satélites, links de micro-ondas, torres”(FSP.11.julho.p. A13. 2013).
Mais recentemente, em 2012, em palestra no Seminário ‘Política de defesa e Projeto nacional de desenvolvimento’ (Ed. Fundação João Mangabeira, Fundação Perseu Abramo, Fundação Maurício Grabois e Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini. Brasília. 2012. p. 106-124), o general José Carlos dos Santos, comandante do Centro de Defesa Cibernética-CDCiber, dá conta da Guerra Cibernética e cita vários de seus empregos, pela Rússia, pelos EUA e Israel, entre as quais a ação combinada entre norte-americanos e israelenses no sentido de atrasar o programa nuclear iraniano: “Foi desenvolvido um maware, um vírus que aplicado aos sistemas de controle das ultra centriíugas, fazia com que estas atingissem velocidades de operação bem acima de sua zona de conforto, provocando superaquecimento e destruição física das máquinas” (p. 107-8).
Mas, acrescenta o general, “Cerca de 92% do PIB brasileiro está no nosso território. De que forma? Nas redes de transmissão de energia, na infraestrutura de telecomunicações, no sistema bancário, em instalações de toda ordem. O Brasil é o único país do BRICS que não tem um setor voltado para a proteção dessas infraestruturas estratégicas, pasmem!” (p. 113).
Em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, falando apos a revelação da espionagem dos EUA, o ministro Celso Amorim teria reconhecido que nossas vulnerabilidades ‘existem e são muitas’ porque, além de os softwares de segurança serem todos estrangeiros, todas as comunicações, inclusive as de segurança, passam por um satélite que não é brasileiro. “No meu computador, por exemplo, eu aperto um botão e ele deve ligar direto com a Microsoft. E sou Ministro da Defesa (OESP. 11.julho.2013). E acrescenta: “O que eu tenho de importante a dizer não faço na internet, faço por outros meios” (FSP. Idem). Quais?
O Ministro das Comunicações pensa resolver o desafio da espionagem com projeto de lei de proteção de dados individuais, que promete enviar ao Congresso, e a aprovação do Marco Civil da Internet, “que prevê o armazenamento de dados de brasileiros em território nacional” (Época.17.7.2013. p. 30).
Como se vê, a vulnerabilidade não será atacada.
* Roberto Amaral é cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004
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