sexta-feira, 19 de julho de 2013

Uma reforma política para mudar ou deixar como tudo está?

 

O coordenador do grupo de trabalho organizado na Câmara dos Deputados para conduzir a reforma política, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), pode encarnar um personagem clássico da literatura: Tancredi, do romance O Leopardo, de Giuseppe Tomasi de Lampedusa, que descreveu, com uma frase célebre, a mesma tarefa que Vaccarezza assumiu para si: “Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”. 
Vaccarezza apresenta-se com cara de peemedebista. Aliás, não foi sequer sua bancada que o nomeou para o grupo de trabalho, mas o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Vaccarezza é visto, ainda, como um aliado dos setores mais conservadores da Câmara.




Em contraste com a bancada do PT e, sobretudo, com outros partidos progressistas, entre eles o PCdoB, que formam o núcleo de esquerda da aliança de apoio à presidenta Dilma Rousseff, ele assumiu a tarefa de, na realidade, providenciar um enterro vistoso para a reforma política, principalmente de seus pontos mais avançados, como o financiamento público de campanha e a proposta presidencial de realizar um plebiscito para orientar as mudanças previstas.

Ele começou descartando, nesta quarta-feira (17), qualquer chance de realização da reforma para valer na eleição do ano que vem. O que aprovarmos, disse, “valerá para 2016 e para 2018", considerando "demagogia" qualquer tentativa de acelerar o processo. 

A Câmara já tem um grande acúmulo de debates sobre a reforma política, havendo inclusive pontos de consenso já alcançados, e isto poderia abreviar as mudanças. Entretanto, o coordenador do Grupo de Trabalho quer realizar um longo calendário de novas audiências públicas, refazendo todo o caminho já percorrido - e esta é outra forma de adiar as decisões que, como a presidenta da República reafirmou na mesma quarta-feira, previa-se que fossem mais aceleradas.

Além disso, os pontos aduzidos por Vaccarezza são muito controversos. Ele quer, por exemplo, que a reforma autorize a doação, de empresas e indivíduos, aos partidos políticos, e não aos candidatos (como é hoje), abrindo uma porta que pode ampliar problemas já há muito identificados na forma de financiamento privado que prevalece hoje, sobretudo permitir o surgimento do “doador oculto”. Outras questões polêmicas favorecidas por ele são o fim das coligações partidárias em eleições proporcionais (para deputados e vereadores), medida que favorece os grandes partidos e prejudica os pequenos e médios. Fala-se também em reabrir a discussão sobre clausula de barreira (que foi banida da legislação por decisão do Supremo Tribunal Federal em 2007). E, por incrível que possa parecer, incluem-se entre as medidas em discussão velharias ultrapassadas como o voto distrital, que distorce severamente os resultados eleitorais e favorece principalmente os candidatos endinheirados da classe dominante. E, ao mesmo tempo, prejudica candidatos de correntes de opinião que não estão concentrados nos distritos mas distribuídos no conjunto dos eleitores.

Além dos partidos do núcleo de apoio da aliança democrático-popular que está no governo desde a posse de Lula em 2003, propostas como estas enfrentarão a oposição de entidades da sociedade civil. Vai enfrentar também o esforço para introduzir uma proposta de decreto legislativo na pauta na Câmara dos Deputados, que precisa ter o apoio de 171 deputados federais. Esses partidos e entidades pretendem acelerar a reforma, tornar viável a realização do plebiscito e levar a mudanças para fazer avançar o protagonismo popular, e não restringí-lo, como pretendem aqueles que, hoje, estão no comando do Grupo de Trabalho da Reforma Política.

A presidenta Dilma Rousseff, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, insistiu na defesa do plebiscito para lançar as bases de uma reforma política democrática, lembrando inclusive que pesquisas de opinião recentes mostram o apoio (perto de 70%) à proposta feita por ela para mudar as regras políticas.

O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, parte de argumento semelhante em defesas do plebiscito e de uma reforma política democrática. “Os partidos que compõem o Fórum são contra o referendo. Não queremos prato pronto, queremos debate”, disse. E citou que o plebiscito é amplamente defendido por entidades como a CNBB, a OAB e as centrais sindicais (entre elas a CTB). “Com o grupo formado, o passo será discutir o conteúdo do plebiscito, que envolverá duas questões básicas: financiamento público de campanha e o sistema eleitoral. O objetivo é construir junto com essas entidades uma plataforma comum em torno desta luta”, disse o dirigente comunista.

Os partidos de esquerda, como o PCdoB, e as entidades do movimento popular não aceitam, mais uma vez, que se imponha a lógica de mudar para que tudo permaneça como está. O momento é propício para debater a maneira como o poder é distribuído e exercido na sociedade. A reforma política é uma oportunidade de ampliar a democracia efetiva, com maior protagonismo popular e fortalecimento dos partidos e organizações ligados ao povo. Este momento não pode ser perdido por maquinações de gabinete, que favorecem apenas as classes dominantes.


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