segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Como a cegueira política prejudica a Ciência


Chegou, via Facebook, essa solicitação do deputado Fábio Garcia, buscando vetar uma cooperação entre o Brasil e a União Européia para a pesquisa astronômica.

Por Editoria Além do Laboratório, publicado no Jornal GGN


 
 

Segue o texto: "Solicitamos a retirada de pauta de um acordo que o governo federal fez com a União Europeia que faria o Brasil gastar 800 milhões de reais com pesquisa astronômica. Os astros que precisam ser enxergados no Brasil é o povo brasileiro que sofre com a ausência de saúde, educação e segurança pública de qualidade! Tamojunto!"

Mas qual é o sentido por trás do lobby contra uma cooperação dessas por motivos pouco específicos, tais como “ausência de saúde, educação e segurança pública de qualidade”. Aqui não é o foro apropriado para discutir se de fato saúde, educação e segurança pública andam ausentes. Mas algumas considerações precisam ser feitas.

Para começar, um discurso desses ser feito por aquele seu ex-colega de colégio no Facebook ou na mesa de bar é algo ruim, porém admissível. As pessoas tem liberdade de expressão e podem dizer o que quiserem. Mas um discurso desse tipo feito por um deputado federal, que tem o poder de propor novas leis (e deveria ser esclarecido ou assessorado o suficiente pra isso) é algo totalmente inadmissível. E isso por alguns motivos específicos:

1) O deputado partiu de uma falsa dicotomia: o investimento em astronomia e astronáutica não é um contraponto ao investimento em saúde, educação ou segurança pública. Saúde e Educação, inclusive, tem investimento garantido pela própria Constituição Federal, que determina que uma parte fixa da receita corrente líquida vá para saúde (Art. 198, CF) e outra parte vá para a educação (Art. 212, CF). Também existem dispositivos que regulamentam o investimento mínimo em segurança pública.

2) A importância do investimento em astronomia – e em Ciência, em geral – é notória por vários motivos: soberania nacional, vantagens econômicas, melhoria da qualidade de vida da população como um todo, progresso da humanidade. A Ciência não é isenta de problemas, mas sem ela ainda estaríamos vivendo com as tecnologias e as expectativas de vida da época das cavernas. A técnica é (ou deveria ser) o aperfeiçoamento do uso do meio natural pelo homem, e para que a técnica se desenvolva é necessário o desenvolvimento prévio ou contíguo da capacidade humana de responder questões que não tinham sido respondidas antes (e de criar outras novas). Isso é o que move a ciência e faz com que a ciência seja benéfica para a humanidade. E é por isso que, na história, nenhum país alcançou o status de “país desenvolvido” sem grandes investimentos em ciência (sejam eles públicos ou privados)

PS: em relação às Ciências Astronômicas, em específico, existem diversos motivos para que o país invista nelas, explicados nesse texto.

3) Dentre as maiores economias do mundo, o Brasil é uma das mais dependentes do poder público para o investimento em ciência, como prova o estudo feito em 2013 por Andrew Steele e Tim Fuller:




Além do Brasil, só Argentina, Indonésia, Rússia e Índia, dentre as 20 principais economias do mundo, contam com mais investimento públicos do que privados em ciência. Todos “emergentes” ou “países em desenvolvimento”. No entanto, cabe ressaltar que o Estado tem papel fundamental no investimento em ciência: nenhuma das 20 maiores economias do mundo tem uma porcentagem irrelevante de investimento estatal em ciência: o Japão, que tem a menor taxa de investimento público sobre o total investido, tem cerca de 17% de participação estatal sobre o total investido em ciência.

Conclusão

A visão do Deputado Fábio Garcia, que é compartilhada por muitos “eleitores comuns”, a ponto dele ter sido eleito, só mostra o quanto a população precisa conhecer melhor a ciência e quais os seus reais benefícios para a sociedade. Com uma educação básica deficitária, é difícil fazer com que as pessoas comuns, longe da academia, enxerguem a real importância da ciência e da tecnologia no dia-a-dia. A prova disso é o pensamento largamente difundido de que “os governos devem investir no que é realmente necessário para só depois investir em ciência”, ilustrado nessa atitude do deputado federal Fábio Garcia em tentar barrar a cooperação astronômica entre Brasil e União Européia.

A lógica tem que ser a inversa: o investimento em ciência vai ajudar o país a superar os seus problemas básicos em setores como educação, saúde e segurança pública. Não será um processo automático. Não há garantia de sucesso. Mas prescindir da ciência e da tecnologia para resolver os problemas da nação é sempre a opção errada.

Texto originalmente publicado no site Além do Laboratório

Nenhum comentário:

Postar um comentário