sábado, 27 de fevereiro de 2016

Um poema para Francisca


O poeta Claudio Daniel enviou com exclusividade ao Vermelho um poema em homenagem à líder quilombola Francisca das Chagas Silva, assassinada com requintes de crueldade no interior do Maranhão no começo do mês de fevereiro. 


A cena da dirigente morta, o corpo nu, com sinais de estupro, estrangulamento e perfurações, chocou o país e movimentos sociais de diversos segmentos se mobilizaram em defesa da luta da mulher no campo. Para a presidenta da CTB do Maranhão, Isis Tavares Neves, “O simbolismo desta imagem, é do escárnio de como são tratadas as reivindicações e a luta das mulheres para serem vistas, tratadas e respeitadas na lei e na vida como seres humanos”. 

Claudio Daniel, por sua vez, expressou sua indignação como costuma fazer com mestria, através da poesia. Leia na íntegra o poema Retrato IV em homenagem à Francisca, e à luta da mulher camponesa. 

Retrato IV

(Francisca Chagas da Silva)

Pedras queimadas
na crueza 
do abandono
tuas disformes formas
marcadas 
a cutelo.
Pele dispersa 
arroxeada 
de corpo inânime
esfiapada
entremostrada
em febras 
de açougue.
Despejada 
na lama, 
como dejeto: 
um aviso 
do quebra-ossos
para que ninguém 
reclame.
Mundo 
desmundo
de mortes 
emudecidas
onde olhos
se fecham
para o flagelo
mais cegos 
que a noite
mais cegos 
que a morte
de indistintas 
estrelas —
apenas os corvos 
crocitam, 
apenas os corvos
— cachorros do céu —
desenham, 
com suas vozes
desconexas
a cena do mais 
absoluto
horror.

Claudio Daniel, 2016 

Reprodução
Francisca Chagas era dirigente quilombola no interior do MaranhãoFrancisca Chagas era dirigente quilombola no interior do Maranhão
Do Portal Vermelho

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