quinta-feira, 7 de maio de 2015

Abolir as armas nucleares, ameaças imperialistas à humanidade


Moara Crivelente *

A Conferência da ONU de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) retoma o longo processo de debates centrados na (in)disposição das chamadas “potências nucleares” (países detentores do armamento de destruição em massa) em abrir mão do que classificam de “poder de dissuasão”. Este eufemismo refere-se ao exercício da força até mesmo indireta pelas potências sobre o resto do mundo através da ameaça, basicamente, de aniquilação e devastação massiva.


A Conferência de Revisão deste ano acontece entre 27 de abril e 22 de maio. O TNP entrou em vigor em 1970, período de institucionalização da “dissuasão” como política externa de “segurança” das grandes potências. Desde então, as conferências de revisão realizadas a cada cinco anos pretendem tornar o tratado eficaz, universalizá-lo e criar “medidas práticas específicas” para o desarmamento nuclear. Até o momento, os maiores detentores destas armas têm se disposto a apenas reduzir, em compasso lento, o seu arsenal. 

Temas como a responsabilização pelo emprego das armas nucleares, como foram os massacres perpetrados pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki, passam longe da pauta, uma medida talvez preventiva, para não afastar do debate a potência que mais ameaça o mundo. É sabido que os EUA rechaçam convulsivamente qualquer esforço que retire dos seus cidadãos a classe de “excepcionais”, intocáveis pela justiça internacional, como acontece também com a discussão sobre o Tribunal Penal Internacional responsável por julgar indivíduos por crimes de guerra e afins.

 
Sob este guarda-chuva abrigam-se seus aliados, no caso de Israel, que até hoje não declarou ou permitiu a monitoramento do seu programa bélico e suas ogivas nucleares, estimadas em cerca de 80 pelo Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz (Sipri, na sigla em inglês). O Sipri estimava existir no mundo, em 2014, cerca de 16.300 ogivas nucleares. Enquanto isso, a retórica e a prática imperialista atacaram o Irã durante décadas afio, impondo sanções ao país persa com bases evidentemente políticas, uma opção recentemente suspensa em prol das negociações, não sem a oposição agressiva de Israel.
Episódios elucidativos incluem a denúncia do pesquisador israelense Mordechai Vanunu e a perseguição que sofreu por expor o programa nuclear, lançado por Israel por volta da década de 1950 ou 1960, quando outra trama interessante, recentemente abordada pela revista estadunidense Foreign Policy, desenrolou-se no interior da Pennsylvania (EUA). Na pequena cidade de Apollo, ainda hoje, os moradores tentam desvendar o misterioso desaparecimento de centenas de quilos de urânio da Corporação de Materiais e Equipamentos Nucleares (Numec).

Aparentemente saída de um filme, a trama chegou ao fundador da empresa, Zalman Shapiro, que teria ligações importantes com o aparato da inteligência (a Mossad) e da Defesa israelense. “A Numec continua sendo um dos quebra-cabeças mais contraditórios da era nuclear”, escreve o repórter Scott Johnson sobre as investigações ainda conduzidas pela Agência Federal de Investigação estadunidense (FBI). 

A “era nuclear” parece longe de terminada. Embora a tensão pelo risco do emprego das armas de destruição em massa tenha diminuído, os esforços pelo monitoramento dos programas nucleares, através da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ainda enfrentam limitações importantes. A AIEA entrou em função em 1957 com a ratificação por 18 países (hoje são 164 membros), inclusive por Israel, mas é condicionada na inspeção do reator israelense instalado em Dimona, no sul. 

Documentos e testemunhos recentemente desclassificados abordaram a discussão avançada no gabinete da primeira-ministra israelense Golda Meir sobre o emprego de armas nucleares na Guerra de Outubro de 1973, principalmente para conter as forças sírias. 

Primeira-ministra israelense Golda Meir e o presidente dos EUA Richard Nixon, acompanhado do chanceler Henry Kissinger, em Washington em 1973. Foto: AP

Em 1969, um documento do Departamento de Estado dos EUA tratava de uma comunicação entre diplomatas estadunidenses e israelenses sobre o programa nuclear de Israel e a tentativa, em vão, de uma garantia da não empregabilidade dos mísseis Jericó, em posse israelense, como portadores de ogivas nucleares. A resposta teria sido a de que este uso não estava previsto "ao menos" até 1972.

Ainda assim, Israel continua mantendo em segredo suas atividades nucleares, evidentemente conhecidas pelos EUA, ao passo que avança agressivamente contra o Irã pelo mesmo assunto, desafiando o chamado global por um Oriente Médio livre de armas nucleares. 

A redução do arsenal nuclear das potências, além de lenta, não é a resposta procurada pelos movimentos defensores da paz. Desde o Apelo de Estocolmo, lançado em 1950 pelo Conselho Mundial da Paz com cerca de 300 milhões de assinaturas, a demanda é pela abolição completa das armas de destruição em massa, para que a humanidade não fique à mercê dos cálculos políticos das grandes potências. 
* Cientista política, jornalista e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.

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