O homem sempre tentou deixar seu legado, seja por meio de tecnologia, construções, estátuas, arte... E eu, nessas páginas, deixarei meu legado, pois nesses momentos que escrevo se vão minha vida.
Por Pedro Lucas Górki*, especial para o Vermelho
Reprodução
Então, com um espírito inquieto peguei um trem para o lugar mais longe possível
Fazia frio nas ruas e não estava com luvas então entrei na cafeteria. É impressionante como as pessoas olham para você como se te repreendessem. Suponho que me achavam um mendigo, mas não sou, sou escritor (quase mesma coisa).Pedi um café bem quente e enquanto esperava olhei o sol ir embora, e nesse instante, sob o olhar de várias pessoas, saí quase correndo pela porta, acho que queria encontrar o sol, perguntar como estava, fazer uma amizade e reconfortar sua eterna solidão.
Mas já era tarde. No céu só havia a bela e terna lua. Então, com um espírito inquieto peguei um trem para o lugar mais longe possível e cheguei numa cidadezinha atrás de uma colina, um lugar que parecia servir para os moradores se esconderem do sol.
Perto da estação havia uma placa de uma pousada, aluguei um quarto que me deixou pasmo pois não era arrumado, mas era limpo. Não era luxuoso, mas era limpo e isso me deu um tiquinho de felicidade (ficamos felizes com as coisas menores).
Tinha deixado para trás meus alunos, meus colegas de trabalho, meus amigos, mas o que mais me abala é não deixar nenhuma família, nunca consegui me relacionar bem com o mundo, salvo os livros. Hoje, com 35 anos, não espero me casar, não sou pessimista, pelo contrário, eu sou realista. Há uma linhazinha separando essas perspectivas, mas no final acho que não existe nada disso, há apenas o temperamento.
Acostumado com as grandes cidades do mundo, essa cidadezinha parecia que tinha só três quarteirões de área urbana, então comecei a andar por esses quarteirões e vi algo que me fez refletir, em toda a cidade não havia uma biblioteca, mas ali havia uma boate. Estou ficando velho demais, ou o mundo está ficando jovem demais, resolvi entrar.
Lá estavam uns 15 homens babando uma mulher em cima do palco e senti uma extrema pena dela, e pensei: o que aconteceu com ela? Isso lhe faz feliz? Quais caminhos ela tomou para chegar nesse ponto? E me peguei pensando como foi que eu cheguei aqui, como foi que vim parar na cafeteria, depois cheguei à cidadezinha escondida do sol e como cheguei nessa boate. Mas essa é uma coisa que me dá raiva, perguntas sem respostas ou perguntas que não queremos ter respostas.
Pedi um café, pois estava esfriando e minha diversão foi ver aqueles babacas com o queixo caído em cima do palco segurando notas. Sempre gostei de ver a reação do público. Quando estou num jogo de futebol gosto de ver a torcida, ver as reações e quando há alguma tragédia gosto de observar as pessoas correndo por suas vidas, não é nenhuma psicopatia e sim uma necessidade de entender o mundo.
Meu café chegou. Provavelmente o pior café que já tomei em toda minha vida. Mas hoje não me importava. Saí da boate com um café horrível e comecei a andar pela parte rural da cidade, o campo era gigantesco. Nunca gostei de plantas, mas era lindo. Lá era o único lugar da cidade que permitia a vinda do sol, por isso os girassóis ganharam mais significado e mais cor, e isso me deixou muito feliz, porém sozinho.
Já estava escurecendo, então resolvi voltar à limpa pousada onde acho que em 200 anos nunca dormi tão bem. Acordei disposto e vi no meu celular várias ligações. Joguei meu celular no lixo, posso comprar um a qualquer momento. Então peguei um trem que me levou pra outra cidadezinha, bem sertaneja, as casas eram antigas, porém a cidade era muito feliz e animada.
Quando cheguei estava tendo a celebração de uma missa pela cura do prefeito, um homem gordo com uma jovem mulher, bem clichê. Fui andando pela cidade um pouco maior que a outra e encontrei um bar com sinuca.
O dono do bar era um daqueles homens fortões com um palito de dentes cravado em seus dentes podres, mas com uma simpatia tremenda. Eu também sou como ele que se esconde atrás de uma personalidade antissocial, mas no final é gente boa.
Comprei umas fichas para jogar sinuca, meu pai já tinha me ensinado como se joga, mas não sou muito bom. Entrou um policial, provavelmente o único da cidade, que conversou comigo sobre os perigos da região e como ele havia salvado aquela cidade 345.000 vezes, uma tolice.
Acenei para o dono do bar e o policial e fui andando pela cidade, finalmente encontrei uma biblioteca, não muito boa, mas era uma biblioteca. O cheiro de poeira era horrível, se eu fosse asmático teria falecido na hora. Folheei alguns livros novos que nunca conheci. Li um livro de poesia de uma freira que só fazia rimas e a poesia não surgia.
Voltei a andar pela cidade com pouco dinheiro no bolso, pois deixei tudo em casa, inclusive roupas. Cheguei em um bosque que mais parecia um pântano de filmes de terror. Alguns casais faziam um lanchinho, outros caminhavam ao redor do lodo, toda cidade tem sua nojeira, eu sentei na grama e fiquei observando o mundo, talvez agora eu entendesse por que há tanta dor no mundo, tanta solidão no mundo, tanta guerra no mundo, isso acontece, pois nós nunca paramos para conhecer o mundo.
Lá estava eu, sentado na grama olhando como as árvores se entrelaçavam no lodo, olhando os casais com tantas esperanças, olhando as pessoas caminhando com mais esperança ainda e olhando para o mundo. Naquele momento entendi o mundo, entendi a mim mesmo. O mundo é uma mistura de raça, cores e gente. Talvez não entendesse o mundo, pois só entendia livros e palavras, mas agora, humildemente percebo que a literatura é o mundo e não tinta na página, a literatura é a paisagem e não os versos, a literatura é a natureza e não as palavras.
Assim peguei um trem, na paisagem vi florestas, pântanos, bosques e parques, pessoas, cachorros, mendigos, crianças, mulheres, homens e em tudo isso vi um pouquinho de paixão, um pouquinho de humanidade e concordei profundamente com a frase de Maiakovski, “A poesia –toda- é uma viagem ao desconhecido” e nesses curtos dias minha vida foi poesia, uma viagem ao desconhecido.
*Pedro Lucas Górki, tem apenas 14 anos, é militante da UJS no Rio Grande do Norte
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