“O que não podemos fazer, contudo, é bater em retirada”. (...). Mas a verdade – e os melhores dados econômicos parecem confirmá-la – é que houve uma certa erosão da base industrial na época” (Obama, 28/04/2015).[1]
A providencial entrevista de Obama ao Wall Street Journal [2] constitui uma peça incontestável de reconhecimento do grave declínio americano. Da desindustrialização de sua economia, antes não declarada, ao apelo ideologizado e quase fatídico para o chamado acordo transpacífico (TPP), o presidente dos Estados Unidos da América revela – de repente, quando tudo ia bem e a “recuperação” da economia ia a todo vapor! - o profundo grau de desequilíbrio estratégico que a nova configuração geoeconômico-geopolítica gestou, materializado na assunção irreversível da República Popular da China.
Ao lado disso, Obama propala fantasias: a parceria transpacífica, que já dura mais de cinco anos de negociação, imaginada para abarcar o Japão e mais dez países margeados pelo Pacífico (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã) impõe severas exigências de abertura da economia japonesa, hoje dificílimas diante do tradicional nacionalismo nipônico – e numa economia em estagnação há duas décadas! Considerado como um dos tratados de livre-comércio mais ambiciosos do planeta, já fora detonado pelo Japão – junto com os EUA formam mais de 80% do PIB do conjunto –, ano passado, pois o império exigia, a exemplo, que fossem eliminadas totalmente as barreiras tarifárias de cinco produtos (arroz, trigo, carne bovina e suína, açúcar e laticínios). Com a agressiva agenda comercial imperialista pretendida é fácil afirmar que tais pretensões sofrerão enormes resistências e, se aprovado pelo Congresso dos EUA a coisa se arrastará indefinidamente, além de contestações jurídico-econômicas e ambientais permanentes. [3]
Sofismas de Perry Anderson
Não há, pois, coincidência na entrevista do atual imperador negro do Norte, quando se refere (exatamente) a duas das questões centrais que apresentamos no artigo anterior como causas do declínio dos EUA. O que, lamentavelmente procura ser contestado pelo destacado pensador Perry Anderson em uma das conclusões centrais de seu novo livro “A política externa americana e seus teóricos”. [4]
Aliás, abstraindo completamente o impacto definitivo global da crise sistêmica engendrada pelos EUA desde 2007-8, o livro de Anderson não só afunda num festival de circunlóquios de recitação. No exato sentido da reiteração crítica quanto ao método feita pelo grande historiador brasileiro Moniz Bandeira, ao examinar – este sim! - em excepcional profundidade a trajetória imperialista dos EUA, em “A formação do império Americano”: “O critério da verdade não pode consistir em comparar diferentes teorias, mas em compará-las com a realidade”. [5]
Quase sempre enfurnado num subjetivismo autoral do stablishment imperial, Anderson insinua apresentar como se isso fosse o altar do saber em matéria da verdade em politica externa. E conclui numa ideia-sofisma conclusiva (e filosoficamente dogmática) de que:
“Uma caracterísitica comum dessa escrita à esquerda é não apenas a crítica da hegemonia global dos Estados Unidos, mas a confiança em que ela está em declínio acentuado, quando não em crise terminal. Uma oposição radical ao império americano, no entanto, não exige garantias de seu recuo ou colapsos iminentes. A mudança do equlíbrio de forças em cujo centro a sua hegemonia continua a manter tem de ser reonhecida de forma objetiva, sem pensamentos ilusórios” (p.8).
Ora, o que – e quem - quer dizer “crise terminal”? Pensa Anderson que engana alguém quando enfia na frase conclusiva de argumentação “não exige garantias de seu recuo ou colapsos iminentes”? Depois de arrolar um número exaustivo (e desnecessário) de intelectuais burgueses e reacionários argumentadores do imperialismo, quem falou em “colapsos iminentes”?
Trata-se de uma retórica oportunista para um pensador como Anderson, que sabe perfeitamente que impossível haver – e nuncva houve - “colapso iminente” de quaisquer dos impérios que já existiram. Não há nada de “crise terminal” ou “colapsos iminentes” no declínio dos EUA! Há um processo de decadência histórica evidente das posições hegemônicas do imperialismo norte-americano no sistema de relações inetrnacionais atual, assim como se acelerou seu declínio econômico relativo desde a crise. Ponto final.
Mas Anderson cita por três vezes o ex-historador da CIA Chalmers Johnson e sua trilogia, um crítico desabrido da expansão militar proveniente da decadência do imperialismo norte-americano. Mas ele não se refere a esta conhecida posição de Johnson! [6] Pesquisador norte-americano, Chalmers Johnson enfatizou corajosamente: “EUA mantém bases em 40 países enquanto atravessam decadência sem precedentes”. As palavras de Chalmers Johnson foram do artigo publicado na revista Ásia Times (21/08/2009). Segundo afirmara em “Blowback. Custos e consequências do império americano”, o que reafirma em “Aflições do império” (publicados no Brasil pela Record), as instituições norte-americanas são comandadas pelo sistema financeiro global, ao complexo industrial-militar e ao aparelho de espionagem (inteligência) do País, prevendo que o governo dos EUA se transformaria num regime policial cruel e mais tirânico ainda.
Mas não é só: Anderson mente - e “aterroriza” o leitor - quando escreve à última página que “Com a erosão do arsenal nuclear da Rússia e as imensas limitações dos chineses, os EUA não estão longe de uma capacidade de primeiro ataque que poderia, em teoria, acabar com as duas potências sem temer uma retaliação” (p.220, escrita em novembro de 2014).
Ora, não é tão “fácil” assim!
1. Desde 2013 a Rússia aumenta os investimentos militares (enquanto os EUA e a Europa as estão diminuindo). Nos próximos quatro anos, o financiamento militar russo será incrementado anualmente em cerca de 20%, tendo paraticamente já atingido o recorde de US$104 bilhões em 2016 contra US$ 64 bilhões ainda em 2013. O programa estratégico de modernização militar deverá ser concretizado até 2020; em 2013, as Forças Armadas serão dotadas de sistemas supermodernos Pantsir-S1, capazes de efetuar um rastreio simultâneo de 20 alvos aéreo; planej-ase o lançamento da produção em série de um míssil sem análogos no mundo que poderá abater tanto os drones, como caças F-22 Raptor. [7]
2. O referenciado pesquisador conservador Brahma Chellaney (Strategic Studies at the New Delhi-based Centre for Policy Research), no seu artigo “A arrogância da potência chinesa” (Valor Econômico, 05/07/2010) escreve: “É de importância fundamental o fato de a China ter se tornado uma potência militar mundial antes de ser uma potência econômica. (...) A ascensão da China, portanto, é tanto obra de Mao como de Deng. Porque se não fosse o poder militar chinês, os EUA tratariam a China como outro Japão”. Evidentemente, se constituiu um erro crasso de analistas burgueses ineptos subestimarem os enormes saltos qualitativos, em todas as áreas estratégicas ao desenvolvimento, que o prolongado crescimento econômico chinês virtuoso produziu. Noutros termos, afirmou no citado artigo o estrategista Brahma Chellaney, o crescimento de 13 vezes da economia nos últimos 30 anos produziu recursos ainda maiores para a China “afiar suas garras militares”.
Já faz muito que David Bhom, eminente físico, historiador e filósofo da ciência observara que, por notório, modernamente a tendência era de se distanciar da noção de verdade “absoluta” e segura, ou seja, válida “independentemente de todas as condições, contextos, graus e tipos de aproximação etc.”, vez que um conceito deve se relacionar dentro de formas e referências mais amplas, sendo ele então pleno de significado. [8]
Assim, afirmo: lamentável mesmo a regressão (dogmática, não tenho dúvida) do historiador Anderson, que, em uma das suas principais conclusões, querendo ou não naturaliza o imperialismo dos Estados Unidos da América!
Uma ideologia em decadência
Em 2011 Niall Ferguson, citado no artigo anterior defendeu que a China superaria a Alemanha, em termos de patente reconhecidas internacionalmente, nos próximos dois anos, em função do grande esforço por parte das instituições educacionais do país, melhorando o nível de pesquisa e desenvolvimento e formar mais PhDs: “E não estou falando de PhDs em comunicação, mas PhDs em engenharia e física”, exclamou.[9]
No próximo e último artigo veremos a continuação do debate sobre a decadência dos Estados Unidos da América enquanto potência imperialista e sua ideologia agressiva, e mais sobre o desequilíbrio geopolítico e geoeconômico provocado pela ascensão historicamente rápida da China Socialista.
NOTAS
[1] Ver: “Para Obama acordo comercial com a Ásia pode reduzir influência da China”, em: Valor Econômico/Wall Street Journal, 28/04/2015.
[2] Prossegue Obama: “Se nós não escrevermos as regras, a China escreverá para aquela região”; “Nós seremos excluídos - as empresas americanas e a agricultura americana. E isso significará a perda de empregos nos EUA”.
[3] Bem pior ainda é a aposta atual da política externa de Obama nos pretendidos acordos com a União Europeia (TTIP). “Inevitavelmente, as negociações transatlânticas vão se arrastar, muito possivelmente por anos”, afirma Shawn Donnan, do Financial Times, em: “Acordo dos EUA com a Ásia avança, e com a EU patina”, Valor Econômico, 29/04/2015.
[4] Boitempo, 2015.
[5] Por outro lado, Bandeira se refere aí (p. 24) às formulações de Lênin acerca das perspectivas do imperialismo, em seu famoso estudo, dando razão a tese supostamente vigente do “ultraimperialismo”, de Karl Kautsky, com as quais não estou de acordo. Para uma visão distinta da de Bandeira ver: a)http://www.resistir.info/mreview/editorial_mr_jan04.html; b) a parte 2 do excelente “A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, de Frederico Mazzucchelli, Brasileinse, 1985; c) a Introdução de E. Hobsbawn à “A era dos impérios (1875-1914)”, Paz e Terra, 2003, 8ª edição. Voltaremos a debater o estudo fundamental de Bandeira no próximo artigo.
[6] À nota 133 (p. 115) diz o escapista Anderson: “uma trilogia recheada de detalhes pungentes, proporcionando um diagnóstico implacável da Pax Americana” (??). Ora, mas isso é água de flor de laranjeira para o que sublinhava Johonson! A questão é que Johnson passou a ter opiniões mais avançada e ajustada que a de Anderson sobre a temática - isso sim.
[7] Todas as informações estão em: “Rússia aumenta investimentos militares”,http://www.defesanet.com.br/geopolitica/noticia/11384/Russia-aumenta-investimentos-militares/; ver também: “De blindados T-90 a mísseis S-400: equipamentos russos de ponta aparecem em ensaio para o 70º desfile do Dia da Vitória”: http://www.defesanet.com.br/terrestre/noticia/18900/De-blindados-T-90-a-misseis-S-400--equipamentos-russos-de-ponta-aparecem-em-ensaio-para-o-70º-desfile-do-Dia-da-Vitoria/
[8] Ver: “A teoria da relatividade restrita”, D. Bhom, UNESP, p.21, 2015 [1965].
[9] Ver: “O século XXI pertence à china? Um debate sobre a potência asiática - Henry Kissinger, Niall Ferguson, Fareed Zakaria, David Li” (Elsevier/Campus, 2012 [2011], pp.52-3).
* Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB
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