As manifestações do último domingo apenas confirmaram o caráter nitidamente classista – de classe média, média para alta – desse movimento de oposição que se avolumou depois que a direita perdeu as eleições de outubro de 2014 e não se conformou com isso.
A própria “Folha de S. Paulo” constatou, mencionando a manifestação na Avenida Paulista: “manifestante mantém perfil de alta renda”. De fato, os manifestantes de São Paulo, como indica pesquisa do Datafolha, tinham renda e escolaridade muito superiores à média da população. Ou seja, o povão não entrou nessa onda anti-Dilma, anti-Lula, anti-PT. Há uma foto emblemática disso, que circulou pelas redes sociais, mostrando populares esperando passar a manifestação para poder atravessar a Avenida Paulista. Vê-se, pelos dados da pesquisa, que também a presença da juventude foi rarefeita (apenas 5% em idade entre 21 e 25 anos), o que questiona a liderança de Kim Kitaguiri, designado pelas elites golpistas como o novo líder juvenil.
Esse caráter de classe das manifestações, aliás, é o que destaca a mídia internacional, não comprometida com o partidarismo golpista das emissoras
de TV, revistas e jornais brasileiros.
Ainda assim, a classe média dominante nas manifestações de domingo julga- se porta-voz do povo. É comum ouvir-se frases como "a vontade do povo", "o povo foi às ruas", "o gigante acordou". Tanto as pesquisas mostram o contrário, quando é cada vez mais evidente que o ódio dessa gente elegante não é exatamente a corrupção. Fosse assim, veríamos faixas, cartazes, palavras de ordem e discursos também sobre a merenda escolar na São Paulo tucana, sobre Furnas, o aeroporto de Cláudio, o helicóptero abarrotado de cocaína. Mas, quanto a isso, corrupções óbvias, nada. A indignação dos endinheirados é seletiva, volta-se contra a presidente Dilma, contra Lula e o PT. E ficam por aí.
O que também chama a atenção, o que assombra com o potencial de nuvens negras que contém, é a descrença geral na política, inclusive, em certa medida, com sua criminalização. Essa tendência é global e faz parte do discurso neoliberal de supremacia do mercado. As elites, sobretudo calçadas na mídia, a vem construindo ao longo do tempo, daí surgindo soluções absurdas em torno do juiz Moro, louvado por todos, e até mesmo de Bolsonaro, que discursou na manifestação do Rio sem ser vaiado. O tenebroso é que, como o prova a história, esse tipo de descrença é o caldo de cultura do fascismo.
Obviamente, tais opiniões não desconsideram a dimensão das manifestações no cenário da atual crise política, cada vez mais complexas. Elas alimentaram os intentos golpistas, lançaram combustível a uma circunstância cujo desfecho é difícil de prever. Talvez esta semana seja decisiva.
* Jornalista a escritor paranaense, autor, entre outros livros, dos romances "As moças de Minas", "Memória e Neblina" e "Retrato no entardecer de agosto".
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